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Santistas, nas barrancas do Paranapanema [05]

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Livro de Santos Amorim, lançado em novembro de 1932, relata a participação de um batalhão santista na Revolução Constitucionalista daquele ano:
Uma viagem inesperada

Pouco fazia que tínhamos conciliado o sono. Na persuasão de que não seríamos importunados. Puro engano. Logo depois fomos despertados. Com ordem, somente a 1ª Cia., de se preparar. Armada e municiada. Para uma viagem.

- Qual seria o nosso destino?

Ninguém o sabia. Soldado ignora sempre para onde vai. Só quando chega ao local é que fica sabendo. E isso mesmo, às vezes, falha. Porque, passados poucos instantes, despacham-no para outro sítio E ele tem que ir. De cara risonha.

A disciplina é tudo...

Pois bem. Deixamos o alojamento. Rumo à estação. Ali, ocupamos vagões de carga. A locomotiva rodou. Fomos saltar em Angatuba. Onde permanecemos mais de uma hora. Deitados no cimento frio. À espera de novas ordens.


Rumo a Aterradinho

Sete auto-caminhões nos transportaram para Aterradinho. Somos 140 soldados. Vamos como sardinhas em lata. O percurso a fazer é longo. Gastamos duas horas. A estrada é relativamente boa. Os caminhões desenvolvem grande velocidade.

Chegados a Aterradinho, que é uma fazenda importantíssima, servem-nos excelente café. Acompanhado de saboroso pão. De apetitoso queijo. Paulista legítimo. Ali mesmo feito.

Mas o sargento Juvenal Paixão, da Força Pública Paulista, e que era, então, o comandante da 1ª Cia., comissionado no posto de 2º tenente, esquece-se de que precisamos descansar. Ou supõe que somos de ferro...

Assim, logo depois, seguíamos para Bom Sucesso. A nossa sina era a dos ciganos: - andar, andar sempre. Gastando as botas. Ou gasolina. Sem vantagem alguma para a Revolução.

S. Paulo era riquíssimo - alegavam.


De Bom Sucesso para Porto Velho

Até hoje eu não compreendo, por mais que me esforce, qual o interesse que tinham alguns nossos comandantes em fazer a 1ª Cia. andar de léu em léu. Sem parada fixa. Sem objetivo determinado. Inutilizando a tropa. Esbanjando energias. Anulando a eficiência dos soldados. Nesse particular, o tenente Paixão foi um herói. Citemos, por enquanto, um caso. Outros virão depois.

Ainda a 5 de agosto, após ligeiro intervalo em Aterradinho, subimos aos caminhões. Batemos para Bom Sucesso. Lá permanecemos. Sob o pretexto de aguardar novas ordens. Até meia noite. Armas ensarilhadas. No Largo da Matriz. Extenuados. Rilhando os dentes de frio. Era esse um martírio inexplicável.

À meia noite, quando esperávamos poder dormir, mandaram-nos regressar para Aterradinho. Embarcamos. Ali chegados, nos impediram a descida. E tivemos de seguir para Porto Velho. Nas barrancas do Parapanema. Para abrir trincheiras. Na manhã que se avizinhava.

Em Porto Velho, também chamado Porto Velho da Tapera, atravessamos a madrugada. Sem abrigo. Debaixo de forte aguaceiro. Acocorados. Era mais um sacrifício nosso. Sem favorecer S. Paulo.

Após o café. Metemos mãos à obra. Picaretas e enxadas rasgando e revolvendo o ventre úmido da terra. Foices e sabres decepando árvores e galhos. Cortando sapé. Os santistas, assim, davam mais uma prova brilhante de resistência. De brasilidade. De Paulistanismo.

Eu, Annibal Caetano e Antonio Espinhel ficamos juntos. A nossa trincheira foi logo batizada. Era a "Caverna dos 3 Leopardos". Os demais rapazes também rotularam as suas. Uma infinidade de denominações irônicas. Havia o "Hotel de La Plage", "Galeria Odeon", "A Leoneza", "Palácio do Catete", "Albergue Noturno", "Q.G. da 2ª Região Militar", "Cine Polyteama", "Casa Alemã", "Café Marreiros".

O espírito alegre dos voluntários se manifestava. Superior às amarguras. À tarde, tivemos churrasco e café. Durante a noite descansamos.


Aviões inimigos

Já em Engenheiro Hermillo. Dias antes, um avião da ditadura tinha bombardeado nossas posições. Sem causar danos, porém. Apenas sustos e correrias na tropa. O Bilú e o Pilar que o digam...

Em Porto Velho, 11 horas do dia 7. Estávamos entrincheirados. O ronco de um motor, no espaço, chama a nossa atenção. Põe-nos de sobreaviso. Erguemos os olhos. É ela mesma. A varejeira, todos sabem o que é. E todos tratam de se esconder.

Chuva de granada ou de metralhadora não é como a outra. Que não quebra osso. A varejeira quebra até ferro. E vem de cima para baixo. Numa rapidez fantástica.

Às vezes, descarregamos nossos fuzis contra o avião. Bem sabemos que em pura perda. Nossas balas não o alcançam. Mas é o instinto de defesa.

A varejeira conserva-se a uma altura inatingível. Por causa das dúvidas...

O mais interessante é que, ao avistarmos aqueles aparelhos, todos nós logo afirmávamos: - "É nosso. É nosso". No entanto, era sempre nosso... inimigo. Não tardava a bombardear-nos. Cada descarga de fazer tremer a terra. Mas inutilmente. Nós nos ocultávamos em lugar seguro. Não era golpe - como dizia sempre o Eurico Neves - querer ser herói. Em tal emergência. Principalmente. O Horácio Assumpção e o José Pupo também pensavam assim.

Tinham razão.

***

O 3º Pelotão da nossa Cia., no dia 8, foi chamado para guarnecer Aterradinho. Estava ali o P.C. do tenente Paixão. Ficamos quarenta homens em Porto Velho. O 1º Pelotão da 1ª ficara antes, naquela fazenda. O 2º, permaneceu nas trincheiras. Em posição de fazer fogo. O inimigo estaria à nossa frente. Na margem oposta do Paranapanema. À noite, a vigilância era severíssima. Fazíamos sentinela. Alertas sempre. Sem o mínimo rumor. Sem fumar. O sargento Pitta era o comandante do 2º Pelotão. E da praça de guerra. O nosso grupo obedecia às ordens do sargento Aristides Castro.

***

Dia 9, pela manhã, deixamos Porto Velho. Em demanda de Aterradinho. Nossas trincheiras ficaram abandonadas.

- E o inimigo? - perguntará o leitor.

Respondo-lhe: - o inimigo andava longe. Ou não quis aparecer. Foi camarada...

Era sempre assim. Hoje prá cá. Amanhã prá lá. Uma desorganização completa. Um desmantelamento incrível. E a tropa, cada vez mais, se ressentindo dos tristes efeitos das freqüentes viagens em caminhão. Porque era preferível, na pior das hipóteses, andar a pé 40 quilômetros. Do que vencer, de caminhão, 10.

Só mesmo quem teve a desdita de viajar embarcado nesses veículos pode saber os horrores que sofremos. Antes em combate. Antes nas trincheiras. Padecia-se menos. Resistia-se mais. E não perdíamos tanto tempo.


Para experimentar o ânimo dos soldados

O tenente Paixão, ao anoitecer do dia 9, reuniu a 1ª Cia. Disse-nos que, pela madrugada, teríamos perigosa missão a cumprir. Dar um cerco a forças inimigas. Mais ou menos 200 homens. Para envolvê-las. E aprisioná-las. Se possível. Pintou a situação com cores carregadas. Da nossa bravura dependia a vitória. Se fraquejássemos, estaríamos irremediavelmente perdidos. O adversário era valente. Temível. Quase o dobro da nossa tropa. Se não lhe oferecêssemos batalha, cairíamos nas suas garras. Era indispensável lutar. Até o fim. Enquanto houvesse um soldado nosso com vida. Marcharíamos, todos, daí a instantes. O adversário estava pouco além. No flanco esquerdo.

E, para melhor se certificar da nossa resolução, mandou que levantassem a mão direita para o ar aqueles que estavam dispostos a seguir.

Todos nós, num só movimento, erguemos a destra. Em nosso seio não existiam covardes. Os voluntários santistas jamais envergonhariam a sua cidade natal. Nenhum deles aviltaria as formosas tradições de bravura da gente bandeirante.

Um houve, entretanto, que se recusou partir. Um pobre rapaz. Mirrado. Doente. Foi fraco. Sem dúvida. Mas de uma lealdade impressionante. Não possuía ânimo para participar da arriscadíssima tarefa. A ter um gesto de hipocrisia, achou mais digno ser sincero. E o foi. Por quê e para que ser falso aos seus companheiros?

Eu me apiedei do humilde voluntário. Outros o apuparam. Disseram-lhe insultos. Crivaram-no de injúrias. Minutos depois, viemos a saber que tudo aquilo que nos dissera o tenente Paixão era fantasia. Fora uma experiência que ele fizera conosco para conhecer do ânimo dos soldados que comandava. O resultado dessa experiência, como não podia deixar de ser, causara-lhe indizível satisfação.

E nós ficávamos por cima...


Um ato de crueldade

O moço que se negara a acompanhar-nos, Príamo Lucindo, foi sumariamente expulso da 1ª Cia. O tenente Paixão não se comoveu com a dolorosa situação do infeliz. Foi cruel. Tocou-o para a rua. Depois de humilhá-lo, à nossa presença, com palavras duríssimas. O frio era intenso. A noite trevosa. Nada disso sensibilizou o tenente Paixão. Expulsou o coitado. Jogando-o às intempéries. Sem agasalho algum. Só com a roupa do corpo. Desumanamente. Barbaramente. E tratava-se, afinal, de um paulista. De uma criatura com direito, pelo menos, a ser respeitada na sua fraqueza. Na sua desgraça.

Essa selvageria provocou veementes protestos da generosa mocidade de Santos. Mas o tenente Paixão manteve o seu ato imperdoável. Não era ele o nosso comandante? Para fazer o que bem entendesse?

A disciplina é tudo...

***

Uma verdade profunda está escrita na Bíblia: - "Quem com ferro fere, com ferro será ferido". O tenente Paixão pagou bem caro a crueldade que praticara contra o indefeso rapaz. Algum tempo mais tarde. Precisamente por falta de coragem para enfrentar o inimigo. E nessa ocasião o caso era positivo. O inimigo não era imaginário. Era real. Foi preso o herói. Como castigo à sua fraqueza. Removido para S. Paulo. Rebaixado de posto. Hoje é o que era. Sargento da Força Pública. Nada mais.

Quem com ferro fere...


Uma noite de sacrifícios intraduzíveis

Dia 10. Pela manhã. O sargento Aristides volta de Aracassú. Para onde fora na véspera. Traz cartas. Jornais. Encomendas. Nós todos o cercamos. Ele distribui os volumes. As missivas. As folhas. Sou eu o único que não recebo uma linha escrita. Embora anseie por notícias do lar. E dos bons amigos de Santos. Conformo-me. Não há outro recurso.

Às primeiras horas da noite entra no nosso alojamento - um amplo barracão - o domador da Fazenda. É um caboclo destorcido. Traz a sua sanfona. Executa marchas e valsas. A rapaziada dança. Esquece as mágoas passadas. Tudo é alegria. Contentamento.

Mas não demora a vir o que então não esperávamos. Mas que era fatal. Uma outra viagem. Absurda como as anteriores. Nos indesejáveis auto-caminhões. Partimos. Rumo ignorado. Fomos parar em Bom Sucesso. O frio nos inteiriçava os membros. Para o suportar, o nosso sacrifício era imenso. Em Bom Sucesso nos detivemos até meia noite. Dali seguimos para a fazenda Cruzeiro do Sul. Dezenas e dezenas de quilômetros além. Estradas péssimas. Tempo chuvoso. Ficaríamos ao lado das tropas da Força Pública e do Batalhão de Voluntários. Em Cruzeiro. Onde nossa presença era reclamada. Para combatermos.

Mas não fomos, dessa vez.

O tenente Paixão ordenou nosso regresso para Aterradinho. Com espanto geral. Voltamos. Entretanto, estava escrito que, nessa noite, muito e muito ainda teríamos que padecer. E foi o que se deu. Amargamos intraduzíveis sacrifícios. Para desespero indisfarçável de todos.

Em meio à estrada. Um paisano a cavalo. Galopeando doidamente. Entrega ao tenente Paixão um bilhete. Era uma denúncia cretina. De um cretino qualquer. Avisando que, em Porto Velho, nossas trincheiras tinham sido ocupadas pelo inimigo. O momento era grave. Exigia ação imediata. Voamos para lá. Saltamos dos caminhões. Seis quilômetros antes. Embarafustamos pelo mato. No escuro. Chovia. Tínhamos que reconquistar as nossas posições. De assalto. Atacar o inimigo pela retaguarda. Pelos flancos. Para não o deixar fugir.

Gastamos seis horas nessa marcha penosíssima. Sem ordem. Sem comando. Atabalhoadamente. Desorientados por completo. Um horror. Que a minha pena não sabe descrever. Tamanha era a fadiga da tropa, que muitos soldados caíam ao chão. E no chão ficavam. Sem forças para prosseguir. Vencidos pelo sono. Dominados pela fraqueza.


Onde estava o inimigo?...

Mas cumprimos à risca, todos nós, o nosso dever. Próximos às trincheiras nos estendemos em linha de ataque. Era manhã já. Densa neblina envolvia Porto Velho. Avançamos, aos poucos. De baioneta. Para o que desse e viesse. Firmes. Ardorosos. E desenvolvemos o ataque. De chofre invadimos o terreno. Estava deserto. Nem sombra do inimigo. Uma verdadeira palhaçada. Apenas um soldado nosso, o de n. 105, dormia, tranqüilo. Alheio ao que se passava na trincheira. Que eu e Annibal Caetano fomos ocupar!

Quase o matei, no primeiro instante. Supondo-o da tropa adversária. À minha intimativa de entregar-se, ou morrer, ele despertou. Assustado. Nervoso. E deu-se a conhecer. Era o 105. Em carne e osso. Abraçamo-nos. E rimos do episódio.

O tenente Paixão ficara na retaguarda. Militar prudente...

40 minutos depois ele nos apareceu. Sorridente. Satisfeito. Com fumaças de um comandante de verdade. Que se coloca à frente dos seus soldados. Eu tive vontade de berrar-lhe, à face, verdades duras. Entretanto, achei melhor calar-me. E calei-me. Forro-me agora. Escrevo o que não disse.


O caso Taboada

Foi muito comentada, como era natural, no dia 11, a burrada da noite anterior. Os voluntários santistas não ocultaram a sua indignação. Que era justa. Falou-se, então, que o soldado Taboada era o responsável pelo que havia acontecido. Fora ele - segundo as notícias correntes - quem dera o falso alarme. Escrevendo o tal bilhete ao tenente Paixão. Mandando entregá-lo por um paisano a cavalo. Não procurei investigar se Taboada era, ou não, culpado. Porque, para mim, só o tenente Paixão, e mais ninguém, comandava a 1ª Cia. Ele, portanto, o responsável exclusivo.

Mas a corda rebenta sempre pelo lado mais fraco. Taboada foi punido. E o tenente Paixão salvou-se.

A vida é assim...


Uma notícia que desagrada a tropa

Logo cedo, a 12, recebemos uma notícia. De caráter oficial. Que nos desagradou ao extremo. A 1ª Cia. ia ser incorporada à Força Pública do Estado. Deixaríamos de ser soldados do Exército. Toda a tropa protestou. Energicamente. Eu me salientei no movimento de repulsa. Mesmo porque, era e sou reservista do Exército. 1ª linha. 1ª categoria. Esse fato e muitos outros demonstravam à saciedade que a 1ª Cia. estava de azar.

O tenente Paixão era quem a comandava...


Capacetes de aço

O dia seguinte, apesar de aziago - 13 de agosto - foi bom para nós. Recebemos os capacetes de aço. Tivemos notícias magníficas. De magnífica vitórias das forças paulistas. Que batalhavam no setor Norte. O dr. Fernando Nascimento visita-nos. Faz-me a gentileza de ser portador de uma carta. Que eu mando aos meus colegas da Gazeta Popular.


Exercícios de granada

São escolhidos, na 1ª Cia., soldados que queiram ser granadeiros. Vão-se duas dezenas deles. Passam logo a fazer exercícios. Sob a orientação do 1º tenente Vicente Gayer. A breve trecho estão afiados. São homens para todas as necessidades. E homens de valor.


QUEM É ELE? - É Lino Vieira. Bateu o recorde da barba, no 7º B. C. R. Amigo dedicado. 
Soldado resoluto. Paulista de têmpera

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