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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Igrejas - Valongo - BIBLIOTECA NM
Igreja do Valongo, por frei Basilio Röwer (2)

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Em livro impresso em 1955, intitulado O Convento de Sto. Antonio do Valongo, o frei Basilio Röwer OFM conta a centenária história desse convento, com prefácio de Cyro Carneiro.

Confeccionado por L. Niccolini S/A Indústria Gráfica, de São Paulo, foi uma "Edição especial de dois mil exemplares, com autorização do autor, para venda em benefício das obras de restauração do Convento de Santo Antonio do Valongo da Cidade de Santos".

Esta é a íntegra dessa obra de 120 páginas (exemplar no acervo do pesquisador de História e professor Francisco Carballa - ortografia atualizada nesta transcrição):

[...]


Parte do frontispício antes do seu novo revestimento

Foto e legenda publicadas com o texto


Histórico

Do Convento de Santo Antônio do Valongo, de Santos

A cidade de Santos assenta numa vasta planície da ilha de S. Vicente. A história da colonização dessa ilha, como aliás de todo o Brasil, começa com a expedição de Martim Afonso de Souza, que partiu em demanda das terras de Vera Cruz, em fins de 1530. De par com a autoridade de capitão-mor, trazia os mais amplos poderes, inclusive o de dar sesmarias, concedidos por d. João III, por Carta de 20 de novembro do mesmo ano [1].

Depois de estacionar em vários pontos do Brasil e já de volta do Rio da Prata, a frota chegou à barra do porto de São Vicente no dia 21 de janeiro de 1532. No dia imediato, dia de S. Vicente mártir, realizou o desembarque, e como todos achassem a terra muito boa, o capitão-mor mandou povoá-la e fundou duas vilas - a de São Vicente e a de Piratininga. Mas esta desapareceu em breve [2].

Em companhia de Martim Afonso veio, entre outros, Braz Cubas. Fora criado na casa do mesmo capitão-mor e tinha apenas 25 anos de idade, pois nasceu cerca de 1507. Quem diria que, em breve, o nome deste moço ficaria em maior destaque nos anais da ilha de S. Vicente do que o do fundador da vila do mártir espanhol?

Quatro anos e oito meses depois do desembarque dos primeiros povoadores, Braz Cubas obteve uma sesmaria na foz do Rio Jurubatuba, por Carta de 25 de setembro de 1536. Passou-a d. Ana Pimentel em nome de Martim Afonso, seu marido ausente, de quem era procuradora. Durante os primeiros quatro anos tomou conta desta sesmaria o pai João Pires Braz Cubas, mas desde 1540 administrou-a o filho sesmeiro. Cultivava-se no sítio a cana doce [3].

Braz Cubas adquiriu, em seguida, as terras pertencentes a Pascoal Fernandes e Domingos Pires, situadas no lado oposto, isto é, na própria ilha de S. Vicente, cobertas de mata virgem. Existia ali um outeirinho que pouco depois veio a chamar-se de Sta. Catarina, por causa de uma capelinha dessa Santa, construída junto ao morro. Levantou-a d. Catarina de Andrade e Aguilar, esposa de Luís Góis (irmão de Pedro Góis) em honra à santa de seu nome, antes de a família retirar-se para Portugal, em 1553.

Do outeiro de Sta. Catarina existiram restos até nossos dias, e o fato de nele ter sido fundada a cidade foi perpetuado por uma placa que a Câmara mandou pôr em 1902. Mas hoje tudo desapareceu. O outeiro ficava situado na esquina que faz a atual Rua Visconde do Rio Branco com a da Constituição.

Neste local, Braz Cubas lançou, em 1543, os fundamentos de uma nova povoação e no mesmo ano deu começo à Casa de Misericórdia de Santos, ou dos Santos, ou ainda de Todos os Santos. Era a primeira instituição desse gênero no Brasil e uma imitação da que existia em Lisboa.

A nova localidade chamou-se a princípio Porto da Vila de S. Vicente; mas, desde fins de 1546, ou princípio de 1547, quando por Braz Cubas foi ereta em vila, depois de ele se achar investido, pela primeira vez, no cargo de capitão-mor, passou a ser chamada Vila de Santos.

Divergem os autores sobre a explicação da origem deste nome. Todavia, parece óbvio ligá-lo à Casa da Misericórdia dos Santos. Mais tarde, em lugar da Vila de Santos, dizia-se simplesmente Santos, pela tendência de simplificar locuções, em obediência à lei do menor esforço.

Depois de fundada a vila, Braz Cubas viu o seu incremento a ponto de suplantar a de S. Vicente, que mais e mais se despovoava, permanecendo somente as autoridades e algumas famílias abastadas. A invasão e incêndio da vila por Cavendish, em 1591, deu-lhe o golpe de morte [4].

É para notar, porém, que a vila de Santos, embora não ficasse em abandono o primeiro núcleo, junto ao outeiro, ainda em vida de Braz Cubas se estendia, com preferência, para o lado da serra. Aí formou-se outro núcleo, chamado Valongo, habitado por famílias mais abastadas, geralmente portuguesas.

O núcleo primitivo, onde residia gente da terra, ocupada em pescaria e corte de mangue, desenvolveu-se também posteriormente, e principalmente nos tempos modernos, para o lado oposto, isto é, para a praia do mar.

Houve épocas em que romperam fortes animosidades entre os dois núcleos, cujos habitantes se alcunhavam mutuamente, uns de valongueiros e outros de quarteleiros, por causa do quartel que até 1870 existia no lugar onde hoje é a Praça Teles [5].

O Valongo

A denominação Valongo, sem se saber desde quando, ocorre bem cedo na toponímia de Santos. Se em algumas linhas procuramos explicar a proveniência deste nome é porque o Convento dos Franciscanos de Santos tão ligado está a ele, que é tradicional chamá-lo de COnvento de Sto. Antônio do Valongo.

Francisco Martins dos Santos pensa que Valongo é de origem italiana, lembrando que nesse bairro residiam, desde os primeiros anos da colonização até cerca de 1603, os nobres genoveses José e Francisco Adorno, que da faixa de terra em questão teriam dito que va al lungo (del mare), de que por contração resultou vallungo, em português valongo e o nome próprio Valongo [6].

Mas a origem italiana fica de todo excluída. E é porque não só em Santos, mas também no Rio de Janeiro, no bairro da Saúde, havia um Valongo e até um Valonguinho, como se pode ver na planta da cidade de 1769 [7].

Pizarro é de opinião que no Rio os portugueses batizaram o lugar na Saúde com o nome de Valongo por ser semelhante a um do mesmo nome que há na cidade do Porto [8]. Este do Porto não conhecemos, mas ao terreno em Santos quadra o nome muito bem, e não é outra coisa senão a contração das duas palavras vale e longo. Segundo Cândido de Figueiredo, vale não significa somente planície entre montanhas, mas também base de uma montanha, planície à beira de um rio. Ora, tanto em Santos, como no Rio de Janeiro, verificam-se uma e outra coisa, e por isso os colonizadores portugueses deram o nome de acordo com a configuração do lugar, como faziam em sua terra natal.

Prepara-se a fundação do convento

Felizmente, os documentos manuscritos do antigo arquivo da nossa Província, guardado no Convento de Sto. Antônio do Rio de Janeiro, que era a Casa capitular, permitem dar notícias pormenorizadas da fundação do Convento de Santos. Além disso, também em Jaboatão, achamos apreciável contribuição [9].

Lemos na Memória sobre a fundação do Convento, em parte comida pela traça, que foi escrita pelo ano de 1743, o seguinte:

"Com ansiosos desejos e repetidas ânsias suspirava o povo desta Vila pelos nossos religiosos, para que nela viessem fundar seu Convento a fim de participarem de sua companhia da qual sabiam lhes havia de resultar grande proveito a suas almas. Tendo o padre frei Manuel de Sta. Maria, custódio e prelado maior de todos os conventos, notícia destes ardentes e ansiosos desejos com que o povo anelava os nossos religiosos e vendo que o fim pretendido era para maior glória e honra de Deus, lhes quis remunerar seus primorosos intentos, vindo do Rio de Janeiro pessoalmente tomar conhecimento e ver se era ou não conveniente fundar convento nesta vila e tendo visto e examinado ser conveniente, escolheu o sítio em que hoje está fundado o convento, por lhe parecer mais acomodado e por ser fácil o conservar água dentro; e como tudo isto obrou movido tão somente do bem das almas, aumento da Religião, e serviço de Deus, se recolheu ao Rio de Janeiro".

O custódio frei Manuel de Sta. Maria havia chegado ao Rio de Janeiro aos 20 de dezembro de 1638, vindo de Lisboa na armada do general d. Fernando Mascarenhas, conde da Torre. No dia 22, foi-lhe entregue uma representação do povo de Santos, pedindo a fundação de um convento de sua Ordem [10].

Para dar o justo valor ao pedido dos santenses, é preciso recordar o que naquele tempo significava esta fundação, é preciso considerar o sentimento dos moradores, que se identificava com o dos moradores da vila de S. Paulo. Viriam os franciscanos, não para requerer sesmarias e dotações, contentar-se-iam com casa e pequena horta, e isto receberiam como esmola dada por amor de Deus. Em compensação, louvariam a Deus, como representantes do povo, dia e noite, no coro, celebrariam os ofícios divinos para edificação de todos, estariam às ordens para as confissões, iriam aos engenhos e fazendas e percorreriam toda a zona na administração dos Sacramentos e doutrinação do gentio.

Convém não esquecer tampouco que já andavam muito estremecidas as relações entre o povo e os jesuítas, que em setembro de 1640 foram de fato expulsos de suas residências de Santos, S. Vicente e S. Paulo, de modo que a chegada dos franciscanos devia ser duplamente grata aos habitantes.

O sobredito custódio frei Manuel acolheu benevolamente o pedido da Câmara e povo de Santos e, não podendo desde logo dirigir-se à Casa capitular da Bahia por serem as monções contrárias à navegação, quis em pessoa ir in loco tratar da fundação, tanto mais que também de S. Paulo lhe tinha chegado igual pedido.

Aportando em Santos no dia 16 de janeiro de 1639, logo no dia imediato subiu a serra de Paranapiacaba, gastando dois dias. Feitas as diligências em S. Paulo, que levaram quatro dias, tornou a Santos, onde examinou os diversos sítios que lhe foram indicados e escolheu o Valongo.

Diz o documento acima transcrito que dois motivos determinaram esta escolha: o primeiro por achar o custódio o terreno mais acomodado, e o outro por ser fácil conservar a água dentro, ou, talvez, melhor, por ser fácil introduzir água para dentro, como de fato se fez por meio de um aqueduto sobre arcos [11].

Os motivos, todavia, não foram somente estes. O Valongo, como foi dito acima, era o único núcleo onde habitavam as famílias mais abastadas e só delas podia o custódio esperar não somente valioso concurso na construção, mas outrossim a garantia da existência material para a futura comunidade. São motivos ponderosos e às vezes decisivos para a aceitação de qualquer residência da parte dos franciscanos, cujo voto de pobreza não permite nem dotação nem rendimentos fixos, mas entrega-os à caridade dos fiéis.

Para completar a descrição do local escolhido por frei  Manuel de Sta. Maria, lembramos ainda o que consta de plantas antigas da Cidade. É que pela frente corria, vindo do lado do morro, um riacho em toda a direção da atual Rua São Bento, o qual riacho se alargava no fim, no ponto onde até há pouco esteve o Paço Municipal.

Era ancoradouro de canoas e chamavam-no porto do bispo. Ao lado do Norte, o terreno se estendia até as águas do estuário, donde resultava a umidade no edifício, de que mais tarde os religiosos se queixavam e que na ocasião da venda do convento, em 1860, foi, em parte, pretexto para o barão de Mauá oferecer uma indenização insignificante. Ao lado oposto, a área era limitada por um caminho que, em 1829, foi transformado em estrada de Cubatão a Santos e que hoje é a Rua Marquês do Herval.

Oferta do terreno

Como, geralmente, nas localidades onde se pedia um convento franciscano, também em Santos a Câmara se encarregou de dar o suficiente terreno, e neste sentido fez ao custódio uma escritura de obrigação. Consta isto de Jaboatão [12], que diz o seguinte:

"Para a fundação do convento fez a Câmara da Vila h'ua escritura ao custódio fr. Manuel de Sta. Maria, pela qual se obrigava a dar-lhe o sitio que ele escolhesse, e a pagar a terra a seus donos, e nesta conformidade se fez a aceitação. Mas escolhido pelo custódio o tal sitio, se achou terem nele parte três, ou quatro pretendentes, João Barbosa, Bartolomeu Fernandes Murrão, Felipe Pereira, e outros mais, que todos por sua devoção vieram a largar o que lhes tocava, de que se fizeram duas escrituras, h'ua por Felipe Pereira, da parte, que corre longo ao Ribeiro, e pelos outros da parte onde vem a água para o sítio do convento".

A Câmara, pois, não teve necessidade de gastar dinheiro; o terreno foi oferecido gratuitamente pelos proprietários. Enganou-se, porém, Jaboatão no nome de um. Não era Felipe, mas d. Felipa Pereira, e depois, o quarto proprietário de que ele não sabia o nome chamava-se Gonçalo Pereira.

Das escrituras sobreditas, só se acha conservada a certidão de d. Felipa [13]. Leva a escritura a data de 22 de março de 1640 e foi passada pelo tabelião Vicente Pires da Mota. Lê-se neste documento que a benfeitora deixou

"parte do sítio de que ela doadora fez esta doação aos ditos rev. padres, parte com testada banda do Norte com mar salgado e para este com terras de João Barbosa, Gonçalo Pereira e Bartolomeu Fernandes da parte do Sul com terras dos sobreditos, e da parte do Leste com o ribeiro que desce de N. S. do Desterro para o mar".

À vista da data da escritura de d. Felipa, opinamos que também os outros proprietários somente em 1640 fizeram a escritura de doação de suas partes, contentando-se o custódio, em 1639, com a promessa, que não pouca satisfação lhe deve ter causado, vendo a boa vontade da Câmara e a generosidade dos benfeitores santistas.

Aceita oficialmente a fundação

Concluídos os negócios em Santos, o custódio empreendeu viagem à Bahia, onde chegou aos 23 de junho de 1639 e a 6 de agosto do mesmo ano celebrou o Capítulo custodial. À vista das boas informações do prelado, os capitulares resolveram aceitar as duas fundações de Santos e de São Paulo, aquela por ficar em porto de mar e, por isto, servir de entreposto aos religiosos que se dirigissem a S. Paulo; e esta por se tratar de uma vila de mais importância.

No mesmo Capítulo, foi eleito superior da Casa de Santos frei Pedro de S. Paulo, natural do arcebispado da Bahia, que na ocasião ocupava o cargo de presidente (vigário) no Convento de Sto. Antônio do Rio de Janeiro. Por companheiros lhe foram associados os religiosos frei Manuel dos Santos, confessor; frei Francisco de Coimbra, pregador e confessor; frei Bernardino da Purificação, sacerdote; e mais os Irmãos leigos frei Antônio de S. José, frei Tomé da Madre de Deus e frei Domingos dos Anjos [14].

Vê-se, pois, que os superiores tinham a melhor vontade de levar a efeito e apressar a fundação do Convento de Santos. Uma comunidade de quatro sacerdotes e três Irmãos leigos já era um bom começo. Além disso, os sobreditos dois últimos Irmãos leigos eram mestres de obra, entendidos em construções conventuais. A estes incumbia levantar a Casa com a ajuda dos moradores que por amor de Deus quisessem concorrer com o serviço de seus escravos e com suas esmolas.

O custódio cogitou outrossim de obter as necessárias licenças tanto da autoridade civil como religiosa. A primeira foi dada a 6 de agosto de 1639, isto é, no mesmo dia do Capítulo, pelo capitão geral do Estado do Brasil, o supramencionado d. Fernando Mascarenhas, conde da Torre, que a concedeu ex vi da Ordem real de 1584. A confirmação do rei, porém, só veio 27 anos depois da fundação, aos 26 de julho de 1667.

Para obter a licença eclesiástica, o custódio embarcou para o Rio de Janeiro em fins de dezembro de 1639, tratou com o governador do bispado, Pedro Homem Albernaz, e recebeu o respectivo documento, com data de 17 de janeiro de 1640.

Início e progresso das obras

Preenchidas todas as formalidades, o custódio não quis demorar em dar início às obras. No dia imediato à concessão da licença eclesiástica, isto é, no dia 18 de janeiro de 1640, embarcou com os companheiros fundadores para Santos, onde arribou, depois de sete dias de viagem, a 25 do mesmo mês.

Existia na fralda do morro, junto ao terreno escolhido para a fundação, a ermida de N. Sra. do Desterro, pertencente a Bartolomeu Fernandes Murrão, o mesmo que oferecera parte de suas terras na planície para a edificação do convento. Este ilustre santista teve mais uma vez um rasgo de generosidade, pondo à disposição dos frades a dita ermida para moradia interina, enquanto não acabassem uma casa provisória.

Seja dito de passo que a ermida de N. Sra. do Desterro foi entregue em 1650 aos beneditinos, que ali construíram o seu mosteirinho em 1755.

Os Irmãos leigos, mestres de obra, começaram desde logo a levantar um Recolhimento provisório no local onde iam construir o convento, e trabalharam "com cuidado e zelo, e ajuda dos moradores", diz Jaboatão.

O custódio, por sua vez, tratou neste ínterim de providenciar sobre outros assuntos a bem da novel fundação, como também da de S. Paulo.

Entre outras coisas, usando dos privilégios apostólicos, nomeou um juiz conservador para as duas Casas, de Santos e de S. Paulo, na pessoa do padre prior carmelita frei Lourenço do Espírito Santo. A respectiva patente está assinada: "Casa de Sto. Antônio da Vila de Santos, aos 26 de maio de 1640" [15].

O ofício do juiz conservador era "conhecer, proceder e julgar todas e quaisquer causas, e sedição, que por qualquer modo as ditas casas (Santos, S. Paulo), e religiosos delas pertencerem, administrando-lhes a justiça...".

Bem cedo mostrou-se a necessidade de semelhante nomeação; pois logo no ano seguinte o juiz teve de entrar em ação em favor de frei Francisco dos Santos, de S. Paulo, acusado injustamente pelos jesuítas na questão que tiveram com os moradores.

Só muito mais tarde (1765) o rei interveio, restringindo sensivelmente as atribuições dos Conservadores e foi ocasionado este fato do soberano justamente por um abuso que se deu em Santos, onde o prior do Carmo havia escolhido por seu juiz o guardião dos franciscanos em causa criminal [16].

A casa construída pelos Irmãos leigos já estava em condições de ser habitada depois de quatro meses e para ela mudaram-se os frades no dia 12 de junho, véspera de Sto. Antônio. O custódio voltou para o Norte.

Em seguida prosseguiram as obras até o completo acabamento da casa provisória, em que a comunidade esteve residindo alguns anos.

Sem perda de tempo, passou-se à construção da fábrica do Convento com a igreja. Tratava-se primeiro de aplanar o local, consolidar com aterro o terreno junto ao estuário e depois abrir os alicerces. Nisto gastou-se quase um ano.

No dia 1º de julho de 1641, pôde realizar-se a cerimônia do lançamento da pedra fundamental e o custódio não se poupara aos incômodos da viagem, vindo pela terceira vez a Santos para ter o prazer de presidir o ato solene [17]. Celebrou-se, nesta ocasião, a missa num altar armado precisamente no lugar onde devia erguer-se o altar-mor [18].

Sobre a continuação das obras, informa a Memória já citada o seguinte:

"Esta obra se continuou concorrendo todos com copiosas esmolas tão superabundantes que no livro das esmolas que no arquivo existe se não achava quantia notável com que os Irmãos (os Religiosos) concorressem para esta fábrica mais do que 50.000 que por ano se pagavam ao mestre pedreiro que administrava esta obra, nem consta que se pagavam outros oficiais, sendo h'ua obra magnífica que... (ilegível)... este Convento de St. Antonio do Rio de Janeiro, e é certo que em poucos anos se concluiu este Convento".

Quisemos transcrever este tópico para honra dos santistas, cujos antepassados tão liberalmente coadjuvaram na construção do Convento de Sto. Antônio do Valongo.

O primeiro superior, o mencionado frei Pedro de S. Paulo, nos três anos incompletos de seu governo, conseguiu realizar as seguintes obras: concluiu de todo o Recolhimento, abriu os alicerces do Convento, levantou as paredes da capela-mor da igreja até a cornija, deixou as paredes laterais do corpo fora do chão e entregou ao sucessor bastante material para a continuação da obra [19].

Em louvor deste superior escreve Jaboatão que deixou na Vila "muito bom nome por ser religioso exemplar e proceder bem".

Em fins do ano de 1642 tomou posse o segundo superior, frei Manuel dos Mártires. Coube-lhe adiantar a construção do edifício, o que fez com dedicação como seu antecessor, gozando também de grande estima na vila.

A estrutura de toda a fábrica, isto é, da igreja e do convento, obedeceu ao estilo em voga naquele tempo. O frontispício da igreja, imitando o primitivo da igreja do Convento de Sto. Antonio do Rio [20], tem alpendre com três arcos e três janelas em cima. O frontão, com as suas linhas curvas, é de puro estilo barroco. Ao lado ergue-se a torre, que é mais alta do que de costume.

Dentro da igreja, que como todas as nossas antigas igrejas era despida de ornatos, colocaram-se três altares: o altar-mor com a imagem do padroeiro, feita de barro queimado e de execução inferior; o altar da Conceição, junto ao arco do cruzeiro, do lado da Epístola; e o altar de S. Francisco, no lado oposto. Ambas as imagens, ainda existentes, são de bom lavor.

Desde 1689 data a Capela dos Terceiros, com arco aberto para a igreja conventual, ao lado do Evangelho. Defronte lhe ficava uma "asseada" Capela de S. Benedito, da Irmandade dos pretos [21]. Mas esta desapareceu, sem constar quando; talvez fosse na reconstrução, em 1798.

Do Convento diz frei Apolinário que era dos "mais grandes" da Província. No seu tempo, isto é, em 1730, residiam nele 20 religiosos pertencentes à comunidade, e outros de fora que iam a Santos prover-se de cera, sal, vinho e outras coisas que vinham do reino, ou também para se tratarem, o que em Santos era mais fácil do que em S. Paulo, "por haver as conveniências dos medicamentos".

Tinha o convento um só andar além do pavimento térreo, e ressentia-se da umidade, por causa de sua posição sobre o estuário, e, além disso, tinha algo de melancólico por estar "cercado de serranias e arvoredos".

Em frente do convento ficava o adro, maior do que hoje, com o tradicional cruzeiro no centro. A comunicação com a vila fazia-se pela Rua de S. Francisco, também chamada de Sto. Antônio, hoje do Comércio, por meio de uma ponte sobre o riacho de S. Bento [22].


[1] Rev. Inst. Hist. Bras., T.9. (1847) 2ª ed., 1869, pág. 142.

[2] Costa Ferr. A Cidade do Rio de Janeiro, pág. 151 ss. e muitos outros autores.

[3] Cap. Abreu, Prolegômenos, pág. 84. Fleiuss, Apostilas, pág. 139.

[4] Serrano, História, pág. 82.

[5] Sousa, Os Andradas, I, pág. 71 ss, 144 ss.

[6] Martins dos Santos, História, II, pág. 118.

[7] Delgado de Carvalho, História da Cidade do Rio de Janeiro, 1926, anexo.

[8] Pizarro, Memórias, VII, pág. 26.

[9] Jaboatão, Novo Orbe, parte II, vol. II, cap. XLI, Memória Fundação Conv. de Santos.

[10] Promessa, Tribuna.

[11] Numa planta antiga da cidade, que os entendidos atribuem ao século XVIII, vê-se uma linha de pontos que, partindo da cerca do Convento, atinge o morro no local, mais ou menos, onde hoje a Rua Senador Cristiano Otoni desemboca na Rua Visconde Embaré. Na nossa opinião, essa linha indica o aqueduto que trazia a água, que ainda hoje ali desce do morro.

[12] Jaboatão, Novo Orbe, parte II, vol. II, cap. XLI. Frei Dagoberto, História, pág. 56.

[13] Doc. av., arquivo O. T. de Santos. Vd. também Promessa, Reminiscências, pág. 49.

[14] Jaboatão, Novo Orbe, 1. cit.

[15] Tombo G., I, fls. 54.

[16] Tombo G., II, fls. 222v.

[17] Talvez houvesse também outro motivo para o custódio ir repetidas vezes a Santos. Em S. Paulo fervilhava a questão jesuítica, que retardou a construção do Convento de S. Francisco. É mais do que provável que o custódio teve de intervir, o que eficazmente só podia fazer estando presente pessoalmente.

[18] Resumo notícias Conv. Santos.

[19] Jaboatão, op. cit., parte II, vol. II, cap. XLI.

[20] Naquela época existiam no Sul somente os conventos de Vitória e Rio de Janeiro.

[21] Frei Apolinário, Epítome, § 17.

[22] Sousa. Os Andradas, III, pág. 25, nota. Vd. também I, págs. 158, 218, 227.


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