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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Igrejas - Valongo - BIBLIOTECA NM
Igreja do Valongo, por frei Basilio Röwer (5)

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Em livro impresso em 1955, intitulado O Convento de Sto. Antonio do Valongo, o frei Basilio Röwer OFM conta a centenária história desse convento, com prefácio de Cyro Carneiro.

Confeccionado por L. Niccolini S/A Indústria Gráfica, de São Paulo, foi uma "Edição especial de dois mil exemplares, com autorização do autor, para venda em benefício das obras de restauração do Convento de Santo Antonio do Valongo da Cidade de Santos".

Esta é a íntegra dessa obra de 120 páginas (exemplar no acervo do pesquisador de História e professor Francisco Carballa - ortografia atualizada nesta transcrição):

[...]


Placa comemorativa da passagem de Mons. Mastai Ferretti, mais tarde Pio IX
Foto e legenda publicadas com o texto


Histórico (...)

Uma honra insigne para o convento

Já estamos no princípio do século XIX. Em 1823 dirigia o Convento de Sto. Antônio do Valongo o Guardião frei Antônio da Assunção, eleito no Capítulo de 23 de março desse ano. Teve ele a honra insigne de dar hospedagem ao padre João Mastai Ferreti, que mais tarde veio a ser eleito papa e governou a Igreja de Deus de 1846 a 1878, com o nome de Pio IX. Sua revma. achava-se em viagem para o Chile, em missão diplomática. Chegando a Santos, teve o navio alguns dias de demora, durante os quais o futuro papa quis descansar no humilde convento franciscano das fadigas que as viagens por mar causavam naquele tempo.

No dia 8 de dezembro, o ilustre hóspede presidiu a procissão da Imaculada, acompanhado de uma turma de religiosos que trazia em sua companhia. Visitou também alguns pontos da cidade e a honra de servir-lhe de cicerone teve o pai do comendador João Manuel Alfaia Rodrigues, de quem ouvimos estas particularidades em amável palestra sobre fatos históricos.

Em lembrança da estada de d. Mastai Ferreti, acha-se colocada uma placa na igreja, na parede ao lado direito de quem entra, com os seguintes dizeres:

O padre João Mastai Ferreti, depois com o nome de PIO IX, de passagem para o Chile, em missão apostólica, morou alguns dias neste Convento, sendo Santos o primeiro porto da América visitado pelo único Pontífice que até hoje veio ao Novo Mundo.

Referindo-se a esta placa comemorativa, dá-nos interessante notícia o sr. João Luís Promessa no seu folheto Reminiscências de Santos [53], escrevendo que "os dizeres da mesma foram ditados pelo papa Pio X, ao embaixador brasileiro dr. Bruno Chaves junto à Santa Sé, na ocasião em que se achava em Roma o dito comendador (João Manuel Alfaia Rodrigues), que tinha ido à Cidade Eterna não só para tratar de interesses da Ordem Terceira, como representar a mesma nas festas do jubileu, 50º aniversário da proclamação do Dogma da Imaculada Conceição, sendo a única Ordem Terceira do Brasil que esteve representada nessa ocasião, tendo tido o sr. comendador Alfaia a honra de ser recebido pelo s. pontífice Pio X, por intermédio do então ministro Bruno Chaves, como consta do arquivo da Ordem".

Os Terceiros franciscanos de Santos valeram-se da estadia de Pio IX no Convento para alcançar mais tarde um privilégio de que até hoje com ufania se gloriam. Pio IX proclamou o Dogma da Imaculada Conceição em 1854. Sete anos deois, a Ordem obteve do internúncio apostólico d. Mariano Francinelli Antoniacci o Breve, placitado pelo governo em 29 de abril de 1861, em virtude do qual os Terceiros podem trazer nos atos e funções solenes, pendente de fita azul, a medalha de prata com a efígie da Imaculada Conceição. Diz o referido João Luiz Promessa, no opúsculo citado, que a medalha corresponde ao título de comendador.

Cessão de um pequeno terreno

Nos primeiros decênios do século passado (N.E.: século XIX), o número dos religiosos da Província franciscana já era bastante diminuto e ia escasseando cada vez mais. Depois da proclamação da Independência, o governo aproveitou-se desta situação precária para requisitar os conventos para diversos fins. O primeiro convento pedido foi o do Bom Jesus da Ilha, no qual estiveram abrigados os lázaros de 1823 a 1833. Em 1828, a Província teve de ceder o uso do Convento de S. Paulo para nele funcionar interinamente o curso jurídico. E assim aconteceu paulatinamente com outros.

O Convento de Sto. Antônio de Santos nunca foi objeto ambicionado pelo governo. Ao que parece, eram as más condições sanitárias que o defendiam contra semelhantes requisições.

Em 1829, contudo, a Província teve de ceder um pequeno terreno para o bem público. Estava o governo ultimando a construção de uma estrada de Cubatão à vila de Santos e o ponto terminal seria o largo em frente ao convento, chamado naquele tempo Largo de Sto. Antônio. Para dar suficiente largura à dita estrada antes de chegar ao Largo, era preciso cortar uma faixa de terreno do convento, no ponto onde existiam os arcos por sobre os quais corria a água do morro para o convento. Este pedaço de terreno o governo veio pedir por ofício de seu ministro José Clemente Pereira, em 7 de abril do sobredito ano.

Em compensação, prometeu o ministro que o governo de São Paulo reedificaria os tais arcos, que se achavam arruinados, o que seria um não pequeno benefício para o convento [54].

Hospital no convento

No tempo em que se fez a cessão do pequeno terreno de que acabamos de falar, residiam no Convento do Valongo apenas dois religiosos e também nos anos posteriores o pessoal continuou assim desfalcado. Nesta situação houve um pedido da Irmandade da Santa Casa e do Conselho da sociedade filantrópica, solicitando uma parte do convento para se estabelecer o Hospital da Caridade.

Os peticionários apresentaram condições bastante favoráveis. Entre outras coisas, prometeram restaurar as ruínas do convento, deixar os melhores cômodos para os dois religiosos e alguns outros para os que estivessem de passagem, sustentar um religioso capelão, dar remédios e professores aos outros frades e servos e, enfim, se fosse possível, conduzir de novo água para o convento [55].

O Definitório aceitou estas condições, e permitiu o estabelecimento do hospital, em sessão de 16 de janeiro de 1834.

Não sabemos, porém, se a idéia foi levada a efeito ou quantos anos durou a ocupação.

Venda de terreno

No mesmo ano de 1834, os próprios frades, obrigados pela situação material precária, abriram mão de um pedaço de terreno com frente para a Rua de S. Bento. Foi comprador João da Silva Pinto e vendedor o Guardião frei André da Paixão com o síndico. A transação foi feita com licença imperial, pelo preço de 300$000, e confirmada pelo Definitório em sessão de 27 de agosto de 1834 [56].

Media o terreno vendido 129 palmos para a Rua S. Bento (hoje núm. 4 a 12) e 128 palmos e meio para a Rua das Sete Casas, hoje Marquês do Herval, que vem a ser mais ou menos 676 metros quadrados [57].

Pela ligação que a sobredita venda tem com a formação do hodierno Largo Marquês de Monte Alegre, em frente ao adro da igreja, digamos desde já, antecipando os fatos, qual a mudança local que houve posteriormente.

Vendido o terreno a João da Silva Pinto, fizeram-se construções no alinhamento da Rua S. Bento. Da esquina da primeira casa, hoje Hotel da Estação, partia o muro com grande baixa em direção ao estuário, guardando sempre o mesmo alinhamento. Era o limite do terreno do convento pela frente.

Em 1861 a Estrada de Ferro adquiriu o convento e, construindo a Estação, recuou uns tantos metros, donde resultou um pequeno largo, com o inconveniente de dar logo na rua estreita de S. Bento.

Se a estreiteza do lugar impedia o descongestionamento em dias de grande movimento de passageiros, no lado oposto havia outro inconveniente para a igreja do convento e a Ordem Terceira. É que a casa da esquina (Hotel da Estação) abriu portas e janelas que, pela colocação do muro da frente, davam para o adro.

Com este inconveniente acabou-se no tempo que era síndico dos frades o comendador João Manuel Alfaia Rodrigues. Entrou ele em entendimento com a Câmara Municipal, com o seguinte resultado: os frades abririam mão de tantos metros de frente, recuando o muro, não mais em alinhamento com as casa da Rua S. Bento, mas com a frente da Estação. A Câmara, por sua vez, comprometeu-se a fazer o muro novo com grade alta, cobrir a calçada com lajes e colocar junto ao portão de entrada duas lâmpadas a gás.

Tudo isto se fez e foi assim que se formou o Largo Marquês de Monte Alegre.

Os escravos do convento

Os colonos portugueses, estabelecendo-se no Brasil, começaram desde logo a escravizar os índios e o elemento africano já existia no Brasil antes da chegada dos jesuítas em 1549. Quão grandes eram os preconceitos em favor da escravatura, mostra-o não somente o fato de que todos tinham escravos, mas também o longo tempo que durou, até despontar o dia 13 de maio de 1888.

Faltam-nos dados para referir particularmente sobre os escravos do Convento de Sto. Antônio de Santos, que sempre eram em número pequeno por não possuírem os franciscanos terras para cujo cultivo se necessitasse do braço do escravo.

Os únicos documentos em que se faz menção de escravos e de que tivemos conhecimento, são o recenseamento de 1798 e o inventário de 1853, guardado no arquivo da Ordem Terceira. Segundo o primeiro, existiam naquele ano no convento 12 escravos e em 1853 apenas três - o pardo Benedito, o crioulo Benedito e o africano Diogo. Dois foram vendidos e um remetido para o Convento de Sto. Antônio da Corte em 1854, de modo que 34 anos antes da lei áurea e 7 antes de ser vendido o convento, os franciscanos de Santos não tinham mais escravos.

Diz João Luís Promessa no seu já diversas vezes citado folheto [58] que os servos eram bem tratados, o que aliás já mostramos no nosso livro, esboçando o histórico do Convento de Sto. Antônio do Rio de Janeiro.

Segundo o dito autor, incumbia-se os escravos de transportar água da bica do morro de S. Bento e da limpeza da igreja e Casa. Mas isto só foi nos últimos anos, porque a água vinha do morro em aqueduto e da limpeza interior do convento encarregavam-se os coristas. Geralmente, os servos faziam o serviço mais pesado de fora e trabalhavam nas oficinas [59].

A decadência

No fim do século XVIII, as ordens religiosas no Brasil estavam em franca decadência. Faltavam as vocações e a conseqüência da diminuição das comunidades era forçosamente o relaxamento da disciplina.

Quanto ao Convento de Sto. Antônio de Santos, os ofícios que constavam da tábua, isto é, o de guardião, presidente, comissário de Terceiros e porteiro, eram preenchidos até 1808. Somente em 1795 e 1805 notamos a falta de comissário, ficando incumbidos deste cargo o guardião ou presidente.

De 1810 em diante não figura mais na tábua o comissário, com duas exceções apenas, e a começar de 1826 falta também o porteiro, que por via de regra era sacerdote. Desde 1831, as tábuas só registram guardião, descontando os Capítulos de 1833, 38 e 52, em que o guardião teve companheiro.

O último guardião foi frei Miguel de Sta. Rita, eleito em 12 de março de 1859. Renunciou três meses depois, indo servir de vigário encomendado no bairro de S. Sebastião, para o que obteve licença de um ano [60].

Frei Miguel de Sta. Rita não foi substituído [61].

Venda do convento

Ao retirar-se, em 1859, o último guardião do Convento de Sto. Antônio de Santos, o edifício já não se achava mais em boas condições. Desde algum tempo, os guardiões haviam vendido muito material pela necessidade de se manterem.

Estava-se construindo, nesse tempo, a Estrada de Ferro Jundiaí-Santos, querendo a Companhia colocar a estação terminal justamente na área onde existia o convento. A fim de entrar em negociações acerca da aquisição do edifício, o concessionário, barão de Mauá, dirigiu-se ao provincial frei Antônio do Coração de Maria e Almeida. Em carta de 12 de março de 1860, declarou que à desapropriação judicial preferia um acordo amigável, por se tratar de uma corporação religiosa, e ofereceu 12 contos de réis pelo convento com seu terreno e servidões. Calculava o terreno em cerca de 70 braças, ou sejam 154 metros, em quadro, perfazendo, por conseguinte, 23.716 metros quadrados.

Não há necessidade de longos cálculos para ver-se a enorme desproporção entre o objeto e o preço oferecido. Mas o barão de Mauá, como bom negociante, tentou convencer os frades do pouco valor da propriedade quando em sua carta dizia que o local era insalubre e que por este motivo os frades se retiraram; que o convento estava em ruínas; que o acervo todo só tinha insignificante valor e, enfim, que talvez obteria tudo por ínfimo preço se fosse por desapropriação.

Mas isso não fez mossa nos frades. Aos 20 de março do mesmo ano reuniu-se o Definitório e resolveu não aceitar a proposta do barão, mas ceder o terreno com convento e igreja, exceto a capela dos Terceiros, pela quantia de 30 contos de réis. E caso o concessionário não aceitasse semelhante acordo, que então se fizesse a desapropriação judicial, com que teriam a paz de suas consciências, ainda que a Província obtivesse menor vantagem. Esta resolução o Provincial comunicou ao barão de Mauá por carta de 23 do mesmo mês e ano [62].

Procedeu-se, em seguida, à desapropriação na forma da lei, mas depois houve um ajuste e a Companhia desistiu da ação [63].

Em virtude deste ajuste, a Ordem largou os direitos de propriedade sobre o terreno e convento pelo preço de 20 contos de réis em apólices da dívida pública, que, depois de havidas as licenças de S. M. I., foram averbadas em julho de 1861 [64].

Em todo este negócio, representou a Província em Santos, na qualidade de síndico apostólico, desde setembro de 1860, o sr. João Batista Amaral. Foi devido a seus esforços que a Companhia desistiu da desapropriação judicial e entrou em acordo, e foi ele também que conseguiu fizesse a Companhia a divisão dos terrenos provisoriamente com tabuado e depois com muro e reparasse os danos causados à igreja [65].

Esta alusão à igreja, na carta do síndico ao Provincial em 15 de janeiro de 1861, nos oferece o ensejo de fazer uma observação. Houve até os nossos dias quem dissesse que a igreja, em rigor, já não é dos franciscanos por estar compreendida na venda. Nada mais falso do que isto. Estava ela comprometida na oferta que fez o Definitório quando pediu 30 contos de indenização, como acima foi dito. Mas quando de fato se fez o contrato, ficou fora, em virtude do Aviso do ministro do Império, de 3 de outubro de 1860 [66].

É fato, todavia, que antes de se assinar a escritura houve tentativa da parte da Companhia de se apoderar da igreja e que lhe deitou a picareta.

Sobre este atentado, escreve João Luiz Promessa o seguinte:

"Quando estavam tentando retirar a imagem de Santo Antônio do altar-mor, notavam os operários que não havia força humana que o conseguisse e, depois de tantos esforços, terminaram desistindo, levando ao conhecimento#67 dos chefes, que observando o mesmo fato em nova tentativa, terminaram desistindo e dando-se nessa ocasião a conversão de uma senhora inglesa que era protestante, pedindo depois para fazer parte da Ordem Terceira, o que não conseguiu por ter a mesma senhora se retirado de Santos para Jundiaí.

"Esta notícia correu logo pela cidade e não demorou muito em rebentar um levante do povo. Aglomerando-se muitas gente no lugar do fenômeno, todos protestaram em altos brados contra a pretensão do pessoal da Estrada, chegando mesmo a haver um grande conflito.

"Nesse conflito, o povo saiu vencedor em toda a linha, tendo ficado no lugar a imagem de Santo Antônio e não mais os operários da Estrada tocaram na igreja. Eis o motivo pelo qual, diz a tradição, ter o Santo ao lado direito, em descanso, uma bengala que foi presente do visconde de Embaré, como símbolo de repulsa aos que quiseram retirá-lo do altar" [67].

O sr. Sizino Patusca refere o fato substancial quase com as mesmas palavras em seu discurso, proferido na presença do bispo, em 18 de agosto de 1935.

A igreja é entregue à Ven. Ordem Terceira

Depois de fechado o negócio da venda do convento, a igreja, com suas alfaias, foi entregue aos cuidados da Ven. Ordem Terceira. Para consegui-lo, a Mesa e demais Irmãos dirigiram uma petição a S. M. I. com data de 6 de junho de 1861, em que declaram que fazem o pedido não para se enriquecer, mas unicamente por espírito de devoção e piedade.

Precisando mais o seu pedido, dizem: "Para conservação, pois, desse templo majestoso, que atesta a piedade dos nossos maiores, e que por mais de dois séculos tem servido aos fiéis a expensas de suas esmolas, para render culto ao Altíssimo, pretende a Venerável Ordem Terceira da Penitência que ela lhe seja entregue, ou cedida, com os móveis, e imagens que tem, para continuar a preencher os fins da sua instituição..." [68].

Sobre este requerimento o Provincial prestou a seguinte informação, cumprindo a ordem do ministro e secretário de Estado: que a Província não tinha dúvida em confiar à Ordem tão somente a administração do templo e as imagens com seus competentes adornos e que de tudo que recebesse ficasse a todo o tempo responsável mediante termo legal no ato de entregue; que os paramentos e alfaias de prata, porém, que não serviam de adorno às Imagens, não ficariam compreendidos, por serem necessários a outros conventos pobres na Província de S. Paulo [69].

Conformando-se em tudo com esta informação, o governo mandou fazer a entrega por Aviso de 7 de novembro do mesmo ano [70].

Esta solução, porém, não satisfez aos desejos da Ordem Terceira. Já no requerimento de 6 de junho de 1861 haviam pedido que o templo lhes fosse entregue ou "cedido". Era a cessão ou usufruto perpétuo que queriam e para consegui-lo voltaram à presença do imperador em 1864. Mas, como nas outras ocasiões, também esta vez a Secretaria mandou que o Provincial informasse.

É fácil de imaginar qual seria a resposta, uma vez que era o mesmo Provincial que três anos antes se havia oposto à entrega no sentido dos Terceiros. A sua resposta, pois, foi negativa, e não só isto. Queixou-se de que os Irmãos se esquivavam com subterfúgios e pretextos à execução da Portaria de 7 de novembro de 1861, de modo que estavam ilegalmente administrando a igreja e que agora vinham com alegações maliciosas e inexatas para se apoderar da propriedade da igreja sem o consenso de seus legítimos possuidores; que os religiosos não dariam o seu consentimento, mas que o governo fizesse o que entendesse em sua sabedoria [71].

A Ordem Terceira não voltou mais ao assunto, mas contentou-se com a simples administração da igreja até os franciscanos tomarem de novo posse da herança de seus antepassados [72].

Entre os objetos, confiados à guarda da Ordem Terceira, achava-se uma imagem chamada Justiça Divina, que era o Corpo de N. Senhor como se usava no descimento da Cruz. Com esta imagem fez-se uma procissão de penitência em 1890, por ocasião da epidemia. Feita a procissão, o flagelo diminuiu e depois de algumas semanas extinguiu-se de todo.

Depois da volta dos franciscanos, a Ordem entregou a imagem, que foi restaurada em 1935 e, em 36, inaugurado o Calvário em altar próprio, do qual a imagem faz parte.


[53] Promessa. Reminiscências, pág. 50.

[54] Tombo G., IV, fls. 5 v. Sobre a construção da estrada Cubatão-Santos, vd. Souza, Os Andradas, I, pág. 117.

[55] Deste último oferecimento resulta que cinco anos antes o governo não cumpriu a sua promessa de restaurar os arcos ou fez serviço mal feito.

[56] Livro eleições, I, fls. 162.

[57] Traslado da escritura, no arquivo O. T. Santos, pacote nº 1.

[58] Promessa, Reminiscências, pg. 54.

[59] Cfr. frei Basílio - O Convento - pg. 81 ss.

[60] Reg. Rel. ambas fil. fls. 55.

[61] "É sobejamente sabido que as ordens religiosas no Brasil decaíram de seu antigo esplendor no século XIX. Foi a sorte também da nossa Província da Imaculada Conceição. Até os primeiros decênios, embora sacudida, ela se agüentou com mais ou menos 120 religiosos, incluindo os inválidos pela idade. Depois, porém, a decadência invadiu o seu organismo com passos de gigante e a conseqüência foi escassearem cada vez mais os frades nos conventos.

"Apontamos três causas principais: a indébita interferência nos negócios internos da Ordem; a lei da Alternativa e os títulos e isenções.

"A interferência do governo na disciplina interna dos conventos, não só no tempo colonial, mas também e ainda mais no Império, era tão grande que a autoridade civil se considerava de fato a última instância para mandar e resolver o que absolutamente não lhe competia. Houve até um ministro de Estado para quem o acatamento às ordens do governo nesta matéria constituía a perfeição religiosa.

"Em virtude dessa ingerência, o governo, ou diretamente ou por intermédio de seus ministros, arvorava-se em árbitro supremo no que dizia respeito à Província, aos conventos e mesmo a cada um dos religiosos. Os próprios atos da Santa Sé eram fiscalizados pelo chamado beneplácito régio.

"A conseqüência foi um cerceamento constante do livre desenvolvimento da Província, já determinando o governo o número de religiosos, já proibindo recepções, já intervindo em assuntos particulares dos frades, passando por cima da autoridade dos Superiores. O leitor sacudirá a cabeça ao saber que se deu o caso de dois religiosos receberem ordens para secularizar-se, não por falta de vocação, mas para poderem livremente cantar na Capela Real.

"Para os religiosos em particular, o perigo da interferência do governo consistia em menosprezarem a autoridade de seus superiores hierárquicos, sobrepondo-lhe a autoridade do rei ou de seus órgãos, com dano da disciplina religiosa, como de fato freqüentes vezes acontecia.

"No livro História da Companhia de Jesus no Brasil, de Serafim Leite, lemos no 1º volume, à página 17, que o primeiro jesuíta que quis ir para o Brasil, fundar missão, o p. Simão Rodrigues, ofereceu-se, ele próprio, a d. João III e dele obteve licença. A satisfação que deu a seu superior hierárquico Sto. Inácio foi comunicar-lhe que partiria nos meados de janeiro de 1549 e que levaria consigo 10 ou 12 companheiros. O santo fundador, querendo ou não, teve de aprovar o fato. Casos semelhantes se têm dado posteriormente também entre os franciscanos.

"Como segunda causa da decadência apontamos a lei da Alternativa. Foi introduzida em 1719 e tinha por fim regularizar equanimente a distribuição dos ofícios e a recepção de candidatos brasileiros e portugueses. O seu escopo era apaziguar os ânimos dos frades, entre os quais se notava também a explosão do nativismo, que era geral nos princípios do século XVIII.

"Para encurtar razões, por melhor que fosse a intenção do legislador, a conseqüência foi que a Província se viu cerceada no livre desenvolvimento, porque faltando ou não havendo número suficiente de candidatos de uma filiação não podiam ser recebidos os de outra, talvez ótimas vocações. Isto influiu desfavoravelmente, principalmente no fim do século XVIII, quando as vocações já por si se tornaram cada vez mais raras.

"Além disso, com a Alternativa, a Província foi prejudicada com recepções menos dignas, só para fazer número e com a conseqüente indulgência no noviciado para não debandarem.

"As honrarias, os privilégios e isenções, enfim, que julgamos a terceira causa principal da decadência, se por si era sinal de agradecimento da parte da Corporação e um estímulo para o beneficiado, era também coisa perigosa para espíritos fracos. É porque favorecem a tendência do homem a mal entendida liberdade. A princípio, a Província se opunha a estas regalias, mas depois os próprios Superiores fraquearam e ao auge chegaram as concessões de graças depois da transferência da Corte para o Brasil. A disciplina monástica ia desaparecendo com isto, já que os Superiores não podiam mandar porque os privilégios isentavam os súditos de sua jurisdição.

"São estas as causas principais. Mas há ainda muitas outras de que basta lembrar algumas: a extensão da Província e ao mesmo tempo a dificuldade de comunicação; a confusão no recurso às autoridades superiores, donde resultavam decisões contrárias; a morosidade do andamento dos negócios, que impedia soluções rápidas, às vezes urgentíssimas; a escolha dos visitadores do corpo da própria Província, que favorecia parcialidades etc.

"A tudo isto faltou o remédio oportuno e quando, depois da proibição do noviciado, em 1855, houve tentativas de introduzir nova vida, o Governo se opôs. Se, contudo, a Província franciscana e as demais Ordens não morreram no Brasil, foi porque a Providência divina confundiu os cálculos humanos". Frei Basílio - Páginas de História Franciscana no Brasil - pg. 69 ss.

[62] Tombo G., IV, fls. 139, s.

[63] Idem, IV, fls. 142.

[64] Idem, IV, fls. 144, 146, 148v.

[65] Tombo G., IV, fls. 142.

[66] Idem, IV, fls. 149.

[67] Promessa, Reminiscências, pág. 62.

[68] Tombo G., IV, fls. 149.

[69] Tombo G., IV, fls. 151. Já em 1860, a Ordem Terceira havia pedido ao provincial a entrega das imagens, alfaias e paramentos, mas teve resposta negativa, Livro eleições, II, fls.7

[70] Idem, IV, fls. 152, Livro eleições, II, fls. 16 v.

[71] Tombo G., IV, fls. 153 v. ss.

[72] Existe no arquivo da Ordem Terceira de Santos um recibo, assinalado por frei João do Amor Divino Costa, atestando o recebimento de caixote com livros e alfaias.


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