Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0188y21.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 12/01/12 20:47:51
Clique na imagem para voltar à página principal

HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - IGREJAS - Capelas e oratórios
Capelas e oratórios da Baixada Santista [21]


A passagem do tempo e as ações humanas vão levando consigo os vestígios de muitas construções de caráter religioso, como os inúmeros oratórios e as capelas espalhadas pelo terreno hoje ocupado pelas cidades da Baixada Santista. Em alguns casos, fica a memória. Em outros, até ela se vai, por não ser apoiada pelos vestígios de sua existência, que faz com que as lembranças se esfumem até desaparecerem ou virarem mitos e lendas. Por isso, o pesquisador de História e professor Francisco Carballa procurou recuperar essas memórias e relacionar as edificações religiosas menores, neste relato por ele enviado em de novembro de 2012, para publicação em Novo Milênio:

Leva para a página anterior

Capelas e igrejas particulares

Francisco Carballa

Leva para a página seguinte da série

[21] - Capela de Santa Cruz do Marapé

Segundo o sr. Clóvis Benedito de Almeida, existiu sim uma capela pequena com uma torre central, próxima donde hoje está o cruzeiro da Rua Joaquim Távora. Essa ermida ou tapera teria sido feita por um espanhol devoto, da família Peniche, que ali colocou um antigo crucifixo de marfim (segundo diziam), que tinha a veneração dos moradores do local, entre eles portugueses e espanhóis que futuramente fundariam o España Futebol Club (depois Jabaquara Futebol Clube ou Leão do Jabaquara). A capela ficava próxima de uma enorme caramboleira e um pé de abricó, muito velhos.

Havia uma festa dedicada em maio à festa de Santa Cruz inclusive com procissão, mas a população foi retirada dali para fazer as melhorias do que antes era um caminho dando origem à forma atual da Rua Joaquim Távora; assim, a capela foi demolida e no local foi fincado o cruzeiro conhecido como Cruzeiro do Marapé, que fica quase em frente do cemitério vertical Memorial.

Disse o senhor Clóvis Benedito: "Nunca cheguei a entrar na capela, mas vi uma fotografia que havia na sacristia do Convento do Carmo e que pertencia ao Colégio do Carmo onde estudei, poderia ser vista também a foto da capela de Santo Onofre que havia em uma vila onde hoje está à Rodoviária e que no passado era um conjunto de casas pertencente a um português que havia feito igualmente por sua devoção a capela do Santo". Os antigos contavam que o crucifixo de marfim fora levado para a igreja de Santo António do Valongo e depois dali nada se soube mais, havendo curiosamente um crucifixo com essa descrição no Museu de Arte Sacra de Santos e que pertenceu à nossa região.

Família Peniche - Filho do construtor da capela e sobrinho dos proprietários do terreno, Fernando Peniche (Gigo [10], em 2012 tendo 83 anos de idade), pessoa muito religiosa e ligada à Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte, junto com sua mãe; trabalhava na empresa L. Figueiredo da Rua General Câmara, em frente à Rádio Cacique, e hoje reside em Santo André/SP.

Mesmo com a idade avançada, mantém amizade com o sr. Clóvis Benedito, e amos recordam do tempo em que eram fregueses da importadora Valencia situada na esquina das ruas Braz Cubas e General Câmara [11].

Naturais da Espanha, os Peniche tinham um bar e eram amigos da família Querubim Correa, cujos membros saíam na Procissão das Cinzas, descalços com o capuz (chamados de irmãos cartuchos [12]) e hábito marrom igualmente na Procissão do Encontro.

Em 1944 o senhor Clóvis participou da reunião para resolver a festa, escolhendo-se preço, cor a quantidade e como ocorreria a festa, mas surgiu um problema ou quizília [13] e ele parou de sair nas procissões, desaparecendo assim um costume dos tempos coloniais.

Sua mãe, dona Paulina Freire, dona da Flora Paulina situada na Praça José Bonifácio, era a responsável por adornar a capela de São Francisco, e participava das reuniões para organizar a festa, o chamado "Trânsito de São Francisco de Assis", no dia 4 de outubro [14].

Os Peniches moravam no casarão da esquina em que fizeram a capela, ao lado de um pé de abricó e de uma caramboleira, e em frente mantinham um bar-padaria com muitos clientes até o tempo em que retornaram à Espanha. Fizeram a capela e mandaram vir um crucifixo de Toledo [15], na Espanha, ao retornarem. Este crucifixo tinha uma cruz de cedro com pouco mais de um metro de altura, e a imagem do Senhor Jesus de marfim, tendo sobre a cabeça um solar redondo com raios pontudos de prata e um rubi no meio.

Quando os Peniches decidiram voltar para sua terra, tiveram o cuidado de retirar o crucifixo antes da venda do imóvel, sendo a peça levada para a Ordem Terceira de São Francisco da Penitência de Santos, com os quais tinham alguma ligação, pois deixá-lo ao relento o destruiria.

Com o alinhamento da Rua Joaquim Távora, alguns moradores foram retirados dali para permitir as melhorias do que antes era um caminho simples, e nesse momento a capela teria sido demolida, fincando-se o cruzeiro do Marapé, mais simples, para assinalar onde ela se situava. Essa capela ficaria mais adentro da Rua Joaquim Távora e na esquina ficou o cruzeiro.

Havia uma festa dedicada em maio à Santa Cruz, com procissão que atraia muitos fiéis e vendedores de doces ou salgados. Quando Gigo era pequeno, morando nessa rua, onde hoje está o Clube dos Portuários, ia visitar a tia com o amigo Clóvis, ganhando doces da Espanhola, conforme um costume dos antigos galegos. Eles visitavam também o acampamento dos ciganos ali montado.

Outro dado importante é que no bairro do Jabaquara - portanto muito próximo do local onde existiu essa capela -, muito antes do atual hospital da Santa Casa de Santos ser construído (portanto tais terrenos teriam caminhos livres para a passagem da população local), existe hoje uma igreja dedicada a Nosso Senhor Jesus Cristo Crucificado. Ela foi ereta continuando de certo modo com a antiga devoção local, sendo a imagem do Senhor na Cruz pintada de cor marfim pelo menos até cerca de 1977. Essa casa de Deus se tornou paróquia em 25 de março de 1968. Será possível que essa seja a origem da devoção local.


NOTA:

[10] Pronuncia do galego Chicho, aportuguesada como Gigo, para o nome Fernando.

[11] Essa importadora Vendia os chouriços galegos em lata, marisco ou birbirichos, vinhos, jamon ou presunto de Parma, sardinhas em massa de
tomate, xerez, quina etc.

[12] Ordem religiosa de origem medieval, mas em Santos apenas uma comparação com os irmãos Terceiros que acompanhavam a procissão das Cinzas ou dos Passos.

[13] Desentendimento ou maldade provocada por alguém.

[14] Tive oportunidade de assistir o Trânsito de são Francisco de Assis até os anos 1980: ocorria na capela da Venerável Ordem Terceira do Valongo, onde uma imagem de procissão (ou a própria que se encontra no nicho principal) era retirada e havia uma teatralização do passamento do fundador dos franciscanos e seu enterro.

[15] Existiu um famoso crucifixo nessa cidade, contando-se que, durante uma disputa religiosa entre duas irmandades, que fizeram a procissão no meio dia, ao passarem os andores um ao lado do outro, a imagem do Senhor se despregou e abraçou o Santo do outro andor; assim, as ordens se fundiram e pararam de concorrer entre si.

OBS: Relatos recolhidos entre 20 de julho e 15 de agosto de 2012. Pesquisa em curso. Uma senhora que contava 101 anos de vida e era moradora do local desde nascimento faleceu recentemente, antes que pudesse ser feito contato. Outro morador antigo, perguntado sobre a capela, de nada se recorda.



Fotos: Carlos Pimentel Mendes, em 23 de junho de 2007