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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - MEDICINA - BIBLIOTECA NM
Santa Casa de Misericórdia (30-D)

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Em 1943, o mais antigo hospital e a primeira Irmandade da Misericórdia do Brasil completou 400 anos de atividade, sendo redigidas e compiladas por Álvaro Augusto Lopes estas Memórias dos Festejos Comemorativos do 4º Centenário da Fundação da Santa Casa de Misericórdia de Santos - Novembro de 1943. A obra de 235 páginas foi impressa na Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda., da capital paulista, em 1947.

Um exemplar foi preservado na Biblioteca Pública Alberto Sousa, que por sua vez o cedeu a Novo Milênio para digitalização, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010 (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 59 a 78):

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Santa Casa de Misericórdia de Santos

Memórias dos festejos comemorativos do 4º centenário da fundação do hospital - Novembro de 1943

Alvaro Augusto Lopes

Redação e compilação

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Festejos do Quarto Centenário da Santa Casa de Santos

Para assinalar, com justo esplendor, a passagem do quarto centenário da fundação da Santa Casa da Misericórdia, foi pela Mesa Administrativa da Irmandade, com a colaboração dos presidente dos conselhos Deliberativo e Geral, organizado o programa seguinte:

Dia 7 de novembro de 1943 – Às 9h30, no jardim fronteiro do atual edifício hospitalar, missa campal, pontificada pelo exmo. bispo diocesano, d. Idílio José Soares, sendo o sermão proferido pelo rev. monsenhor Francisco Bastos, vigário da paróquia da Consolação, da capital do estado; às 11 horas, pelos distintos hóspedes e convidados, visita ao novo hospital, na esplanada do Jabaquara (Vila Matias); às 12 horas, almoço da comitiva, no Hotel Parque Balneário, saudando os comensais o dr. Gervásio Bonavides, secretário da Mesa Administrativa; às 14 horas, sob a presidência do embaixador José Carlos de Macedo Soares, inauguração da agência especial para a venda de selos do correio comemorativos do centenário, instalada no saguão do hospital; às 15 horas, visita às obras pias de Santos, pelos hóspedes e convidados, sendo recebidos no Instituto D. Escolástica Rosa, onde assistiriam ao funcionamento da escola profissional; às 19 horas, no Hotel Parque Balneário, jantar íntimo do embaixador J. Macedo Soares e sua comitiva; às 21 horas, na sala do Consistório da Irmandade, sessão solene presidida pelo embaixador Macedo Soares, com a presença de autoridades civis, militares e eclesiásticas.

Dia 8 de novembro – Às 21 horas, sessão solene da instalação da Semana Médico-Social, no Consistório da irmandade, aberta pelo sr. provedor e presidida pelo dr. Clementino Fraga, professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, e membro da Academia Brasileira de Letras; conferência deste ilustre cientista sobre o centenário, inaugurando os trabalhos, sendo antes saudado pelo dr. A. Guilherme Gonçalves, vice-diretor clínico da Santa Casa.

Dia 9 de novembro – Conferência às 21 horas, no Consistório, sobre o tema "O hospital e sua influência na conquista social do Amazonas", em prosseguimento da Semana Médico-Social, proferida pelo sr. Valentim Bouças, apresentado ao auditório pelo sr. Henrique Soler, presidente do Conselho Deliberativo.

Dia 10 de novembro – Às 16 horas, no Consistório, sessão solene promovida pelo Departamento do Serviço Social do Estado, em Santos, sob a presidência do dr. Euclides de Campos, diretor do "Fórum", usando da palavra o dr. Gervásio Bonavides, da Mesa Administrativa, e os drs. Joaquim Alves Feitosa, procurador do Serviço Social, e Xisto Pereira de Carvalho, advogado-chefe da Procuradoria do Serviço Social em S. Paulo

Dia 11 de novembro – 3ª sessão da Semana Médico-Social às 21 horas, na sala do Consistório, sob a presidência do professor emérito dr. Clementino Fraga, falando o prof. Alipio Corrêa neto sobre o tema "Queimaduras", estando a apresentação do orador a cargo do dr. Emilio Navajas Filho, do corpo clínico da Santa Casa.

Dia 12 de novembro – 4ª sessão da Semana Médico-Social, às 21 horas, no Consistório, sob a presidência do prof. emérito dr. Clementino Fraga, sendo orador o dr. Benedito Montenegro, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo, apresentado ao auditório pelo dr. Carlos Moreira Gomes, médico do corpo clínico da Santa Casa.

Dia 13 de novembro – 5ª sessão da Semana Médico-Social, às 21 horas, na sala do Consistório, sob a presidência do prof. emérito dr. Clementino Fraga, falando o dr. Francisco de Sales Gomes Junior, diretor geral do Serviço Social do Estado, fazendo a apresentação o dr. Humberto dos Santos Silva, médico, vice-presidente do Conselho Deliberativo da Irmandade.

Dia 14 de novembro – Sessão de encerramento da Semana Médico-Social, às 21 horas, no Consistório, sob a presidência do prof. emérito dr. Clementino Fraga, com uma conferência pelo prof. Ernesto de Souza Campos, do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil e da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo, apresentado e saudado pelo dr. José da Costa Sobrinho, presidente do Instituto Histórico de Santos.

Dia 15 de novembro – Às 9 horas, visitação pública ao novo hospital; às 10 horas, colocação de uma placa comemorativa da passagem do 4º centenário, no hospital em construção, discursando, em nome da Irmandade, o dr. Silvio Fortunato, secretário da Mesa; às 13 horas, almoço oferecido pela Prefeitura Municipal, no Hotel Parque Balneário, em homenagem à celebração do 4º centenário da Santa Casa, falando o dr. A. Gomide Ribeiro dos Santos, prefeito municipal, o dr. Gervásio Bonavides, secretário da Mesa Administrativa, e o embaixador José Carlos de Macedo Soares; às 17 horas, na capela da Santa Casa, solene Te Deum oficiado pelo exmo. bispo diocesano, d. Idilio José Soares; às 21 horas, no Consistório da Irmandade, sessão solene de encerramento das festividades, sob a presidência do embaixador José Carlos de Macedo Soares, com entrega de medalhas de ouro aos irmãos jubilados, pelo presidente do Conselho Geral, discurso do prof. Candido Mota Filho, da Faculdade de Direito de S. Paulo, saudado pelo dr. Lincoln Feliciano; e encerramento do ato, com oração de agradecimento pelo sr. Benedito Gonçalves, provedor.

As  solenidades comemorativas do IV Centenário da fundação do hospital da Santa Casa da Misericórdia de Santos tiveram início no dia 7 de novembro de 1943, e se prolongaram até o dia 15 de novembro, inclusive.

Para assistir às cerimônias constantes dum programa  previamente organizado, vieram a Santos personalidades em destaque na administração pública, na ciência e nas letras, entre as quais o embaixador José Carlos de Macedo Soares, presidente da Academia Brasileira de Letras, o professor Clementino Fraga, o professor Ernesto Souza Campos e outros.

Missa Campal

A fachada do antigo edifício hospitalar se apresentava enfeitada com bandeiras das diversas associações esportivas, trabalhistas e beneficentes de Santos, com o que a Santa Casa rendeu suas  homenagens a essas entidades. Altas autoridades civis, militares e eclesiásticas estiveram presentes à cerimônia religiosa, que foi celebrada às 9,30 horas, pelo padre Lino dos Santos, cura da Catedral Diocesana, com a assistência pontifical de d. Idílio José Soares, bispo diocesano de Santos. Serviram, como diácono, o padre Emilio Vioti, capelão da Santa Casa, e, como mestre de cerimônia, o padre Alfredo Pereira Sampaio. Serviu o trono pontifical o padre Benedito dos Santos, chanceler do bispado.

Na primeira fila viam-se os srs. embaixador Macedo Soares, representante do sr. presidente da República; prefeito Gomide Ribeiro dos Santos; capitão-de-mar-e-guerra Francisco Pedro Rodrigues Silva, capitão dos portos, representante do sr. ministro da Marinha; dr. Euclides Campos, diretor do Fórum, tenente-coronel Pinto Pessoa, comandante interino do Grupamento de Artilharia de Costa e representante do ministro da Guerra; João Teofilo de Medeiros, inspetor da Alfândega e representante do ministro da Fazenda; Polidoro de O. Bittencourt, prefeito de S. Vicente; professor Clementino Fraga; dr. Lourival Santos, prefeito de Campos do Jordão; dr. Afonso Celso de Paula Lima, delegado auxiliar de Polícia e várias outras pessoas de representação oficial, além de todo os membros da Mesa Administrativa, corpo clínico, provedor e mordomo do hospital.

Monsenhor Francisco Bastos, vigário da paróquia da Consolação, proferiu eloqüente sermão, referindo-se à fundação da Santa Casa da Misericórdia, alinhando comentários de fundo histórico e social exalçando a obra assistencial da casa fundada por Braz Cubas.

Depois de se referir à presença de tantos vultos eminentes, na ciência e na sociedade, pondo em relevo os nomes do embaixador José Carlos Macedo Soares e do prof. Clementino Fraga, encareceu o significado histórico do fato que se comemorava, e a sua ressonância verdadeiramente nacional, atestada pelo júbilo com que o país, pelas demonstrações de suas  entidades de cultura, respondera ao eco da celebração.

Remontando ao passado, à escola de Sagres e à epopéia dos navegadores portugueses, no tempo das descobertas de terras povoadas pelo gentio, o orador frisou que era a idéia da fé, e a preocupação de dilatar o domínio do Cristianismo, pelo mundo ainda não civilizado, que impeliu esses rudes marinheiros para regiões inóspitas, para o perigo das febre e dos ataques dos bárbaros. Essa ânsia de alargar a palavra de Cristo, pelas regiões longínquas do planeta, nos trouxe fidalgos e homens empreendedores, como Braz Cubas, que para aqui vieram e ficaram, lançando a boa semente em solo ainda virgem.

A virtude da Caridade, tão intimamente ligada ao ensino cristão, inspirou Braz Cubas, quando, tendo se fixado em terras de São Vicente, aqui chegado em companhia de Martim Afonso em 1531, procurou elevar um abrigo para os marítimos enfermos que vieram após si.

Em largos traços, o orador descreveu como surgiram o hospital e a Irmandade da Misericórdia, que o devia manter, provavelmente no dia de Todos os Santos, como pretendem F. Martins dos Santos e outros historiadores autorizados.

Em seguida, deteve-se em considerar o valor da Caridade, como elemento propulsor dos atos humanitários, cuja beleza foi bem realçada na parábola do Bom Samaritano. Ponderou que a história da Santa Casa é toda uma continuação dessa obra de Caridade que o coração magnânimo de Braz Cubas iniciou e seus sucessores têm consolidado.

Exaltando a grandeza dessa obra ímpar, verdadeiro apostolado misericordioso, que vem sendo exercido através dos séculos, terminou louvando o povo de Santos, a cidade nascida do pequeno burgo de outrora, hoje colocada na iminência de primeiro empório comercial do Estado, porta para a preamar do fruto dos cafezais verdes, tão bem identificada com a existência do seu hospital, participando do regozijo coletivo desta comemoração histórica.

O sermão do rev. monsenhor Francisco Bastos, ouvido com a maior atenção, foi mais uma excelente demonstração dos dotes de eloqüência do erudito orador.

Visita às obras do novo hospital

Após a Missa Campal, o embaixador José C. Macedo Soares e o professor Clementino Fraga, acompanhados por todos os membros da Mesa Administrativa, conselheiros, provedor, mordomo e corpo clínico, visitaram as obras do novo hospital da Santa Casa, em Vila Matias, que se acham em adiantado estado de execução.

Acompanharam os distintos visitantes mais os srs. Aristides Bastos Machado, diretor da Repartição do Saneamento; João Teófilo de Medeiros, inspetor da Alfândega; Ismael Coelho de Souza, inspetor geral da Cia. Docas; Augusto Drumond, assistente do inspetor da Alfândega, e jornalistas.

As principais dependências do imponente edifício hospitalar do Jabaquara foram percorridas pelo embaixador Macedo Soares e prof. Clementino Fraga, os quais se informaram de todo os detalhes técnicos e científicos da majestosa obra.

Almoço no Parque Balneário Hotel

A Mesa Administrativa da Santa Casa da misericórdia ofereceu às 13,30 horas, no Parque Balneário Hotel, um almoço íntimo ao embaixador José Carlos de Macedo Soares e à sua comitiva. À cabeceira, além do representante especial do presidente da República, sentaram-se os srs. Benedito Gonçalves e senhora; dr. Ciro de Ataíde carneiro, presidente do Conselho Geral da Santa Casa, e sr. Henrique Soler, presidente do Conselho Deliberativo, e senhora. Achavam-se também presentes os membros do corpo clínico, vários conselheiros e representantes da imprensa.

À sobremesa o dr. Gervásio Bonavides, oferecendo o almoço em nome da Mesa Administrativa, pronunciou o seguinte discurso:

"Sr. embaixador Macedo Soares, digníssimo representante do exmo. sr. presidente da República; sr. dr. Abelardo Vergueiro Cesar, digníssimo secretário da Justiça e representante do exmo. sr. interventor federal em São Paulo; exmo. sr. d. Idilio José Soares, nosso estimado bispo diocesano; ilustradas autoridades civis e militares; exmas. sras., meus senhores, meus queridos companheiros da Mesa Administrativa da Santa Casa de Santos.

"Alteia-se o meu espírito, nos extremos remígios de minha inteligência, para saudar em nome da Mesa Administrativa da Santa Casa de Santos o exmo. sr. embaixador José Carlos de Macedo Soares, como lídimo representante do chefe da Nação, nas cerimônias comemorativas do 4º centenário desta nossa piedosa instituição.

"Ao fausto evento que a solenidade simboliza como culto de caridade nos seus verdadeiros rumos de solidariedade humana, a ele se associa o poder público para que, cedendo às doces influências do bem, se harmonizem os sentimentos mais profundos de verdadeira compreensão social do coletivismo, na terra fertilizante e produtiva da filantropia, bem compreendida e bem orientada.

"Certo, não poderia a homenageada de hoje aspirar maior júbilo do que as honras da representação do sr. presidente da República, dirigindo-se à figura insigne do sr. embaixador José Carlos de Macedo Soares, intimamente ligado aos destinos da nossa Irmandade pelo título de seu irmão benfeitor, a que fez jus pelos impulsos de sua bondade e pelas forças incoercíveis de sua abnegação generosa, antes e principalmente inspirado por um sentimento nobre, por uma ação afetiva, real e espontânea do que por uma exagerada exibição honorífica, da qual se abstrai a sua retraída sensibilidade de homem público.

"A sua formação mental, trabalhada diuturnamente nas elevadas vigílias e culminâncias do poder do pensamento, atira-o de golpe na galeria imortal da intelectualidade indígena pela força de sua obra literária, elegante na forma, robusta em substância e castiça e impecável no seu linguajar e isso bem demonstra o equilíbrio sadio de sua inteligência, ornada pelo brilho e fulgor de sua graça e pela riqueza esplêndida de sua espiritualidade.

"E a Academia de Letras o acolheu, com louvores, em disputa rigorosa e livre, para que prevalecesse o mérito na exata medida de suas proporções. E a sua cultura e o seu desvelo e o seu carinho obstinado pelas coisas sérias do pensamento foram, a pouco e pouco, ganhando altura, espraiaram-se na amplidão em opulentas ressonâncias para lhe dar hoje um lugar de justo destaque, areópago das letras.

"Vemo-lo, meus senhores, na presidência do sodalício, dirigindo inteligências, orientando o poder mental do Brasil.

"Porém, por outro lado, não se havia de deter aí o homem na marcha ascensional e irrequieta do seu temperamento sóbrio de atitudes, mas sempre cheias de ternura e simplicidade: restava-lhe galgar outras elevações condoreiras no ápice das quais fulgem também o seu exemplo e os seus ensinamentos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 'a mais patriótica das nossas instituições sábias', que o foi buscar para dirigir perpetuamente os seus superiores desígnios.

"Se, por esta face, derrama-se a sua gloriosa carreira de homem de letras e de homem do pensamento, ajustando-se as suas obras em variadas direções de cultura, não é menos certo que se alteia, também, a mais perfeita organização do homem público, na direção do governo.

"Chanceler do Brasil em momentos culminantes da nossa história, a sua passagem pelo Itamarati se assinalou por uma série brilhante de fatos notáveis que lhe dá inquestionavelmente uma grande irradiação de prestígio e de simpatia pessoal que, ainda agora, se alastra aqui e alhures, por muito além das fronteiras da pátria.

"E a sua vida individual se enastra com esses rígidos atributos, numa retilínea conduta moral que lhe admiramos em todas as suas passagens.

"Realizamos, meus senhores, a festa de quatro séculos de luz intensa de amor e de piedade para com a humanidade sofredora. Aqui se fincaram, em primeiro lugar, os marcos da assistência social que se haveriam de alongar no Brasil e em todo o continente americano. A manifestação compassiva desses nossos sentimentos se mistura sem dúvida com a índole da formação do nosso caráter e as eternas oblações da filosofia cristã.

"Já se disse, e com razão, que 'o ideal moral da solidariedade, na complexidade infinita de suas variadas fórmulas, determina, modifica e ocasiona aplicações novas e extensivas da sua ação e da sua efetividade. A idéia moral de caridade, e a idéia política de fraternidade, abrangem o problema total. Fato, sentimento ou dever a filosofia da solidariedade presume concepção sintética e apura a liberdade, purifica a igualdade e assegura a ordem social'.

"Esses princípios sublimes de solidariedade humana enchem de muito clarão a alma sensível da nacionalidade e bem justificam, senhor embaixador Macedo Soares, o cuidado da escolha de vossa brilhante comitiva, aliada a esses admiráveis propósitos, e da qual faz parte essa egrégia figura de mestre inconfundível, professor Clementino Fraga, para a qual se voltam, neste momento final, as nossas saudações calorosas, como um vinculo intangível, de nossa grandeza e das pujantes esperanças da terra fecunda e imortal de Santa Cruz".

Agradecimento do embaixador Macedo Soares

O embaixador Macedo Soares agradeceu as palavras do porta-voz da Santa Casa. Referiu-se à primeira visita que fizera, quatro anos passados, ao hospital do Jabaquara. Fora-lhe grata a impressão e tivera oportunidade de louvar a tenacidade dos mesários, dos médicos e dos engenheiros encarregados da grande obra.

Na visita que acabara de fazer momentos antes, tal o vulto da construção e seu expressivo adiantamento, a impressão que colhera ultrapassava sua expectativa e mais uma vez lhe cabia elogiar o esforço, a inteligência e a dedicação dos homens da Santa Casa, dos médicos e dos engenheiros e de quantos, enfim, cooperam no levantamento do belo e imponente edifício hospitalar.

E resumindo seu pensamento: "Há quatro anos experimentei a sensação do respeito. Hoje, senhores, a sensação que me inspirou foi a de orgulho por essa grandiosa obra – honra de Santos e glória do Brasil".

Agência postal especial no recinto do hospital

Para comemorar o IV centenário da fundação do hospital da Santa Casa de Santos, foi instalada no seu recinto uma agência postal especial, que funcionou durante toda uma semana, a começar de 7 de novembro, para a venda de selos da taxa de Cr$ 1,00, bem como "envelopes" comuns aéreos, cartões "Braz Cubas" e "Hospital da Misericórdia", e folhinhas comemorativas. Essa agência foi criada por iniciativa do Clube Filatélico e Numismático de Santos, que assim colaborou nas homenagens alusivas à data.

O ato inaugural foi efetuado às 16 horas, sendo presidido pelo embaixador Macedo Soares, com a presença dos mesários e conselheiros da Santa Casa, diretores do Clube Filatélico e inúmeros filatelistas da cidade.

Em nome do Clube Filatélico e Numismático de Santos, usou da palavra o dr. João Ramos Bacarat, que proferiu o discurso abaixo:

"O Clube Filatélico de Santos quis colaborar com a Irmandade da Santa Casa de Santos, na celebração do 4º centenário da fundação do hospital que tão alto eleva o nome da cidade, por ser o primeiro criado nas duas Américas; para isso pleiteou junto ao governo a emissão de um selo postal especial e comemorativo da efeméride, conseguindo ver realizado o seu intento.

"Agora, participando ainda das festas comemorativas do grato evento, hoje iniciadas, celebra a inauguração da agência especial do correio, no recinto do próprio hospital da Santa Casa de misericórdia, agência essa também instituída graças aos seus esforços junto á autoridade competente, o sr. diretor geral dos Correios e Telégrafos.

"Auspicioso é o empreendimento. E por dois motivos todos relevantes: o primeiro porque nos é particularmente cara a emissão do novo selo e da abertura da nova agência postal; e o segundo porque se comemora nessa data a fundação do hospital e da cidade de Santos.

"Filatelicamente, para nós, santistas, sócios do clube, esse selo é de notável interesse. Os selos postais do Brasil classificam-se em três categorias: ordinários, alegóricos e comemorativos. A velha divisão de selos do Império e da República nada significa e tem de ser substituída. Os selos postais de 1843 – o Brasil foi o segundo país no mundo a criar selo para o serviço postal – até 1864, eram pedacinhos de papel, impressos, que porteavam correspondência.

"Nessa data surgiu o alegórico, com o retrato do imperador d. Pedro II. Com a República, foram emitidos os alegóricos com a efígie da Liberdade e posteriormente, desde 1889 até agora, muitos comemorativos: os de 1900, 4º centenário do descobrimento do Brasil; os de 1908, celebrando o centenário da abertura dos portos, o mais lindo selo brasileiro, obra-prima de Bernardelli, verdadeira obra de arte; os da Independência, em 1922; os das Revoluções; os do decênio do governo Vargas; os de Caxias; os da Feira Mundial de N. York, e muitos outros.

"O comemorativo da Santa Casa de Santos constitui, realmente, fato de extraordinária importância. O centenário dessa instituição tem repercussão nacional, quiçá continental. O hospital nasceu com a cidade de Santos, nasceu com a colonização do Brasil.

"O assunto merece considerações. Em primeiro lugar, força é confessar que se comemora a fundação de Santos com a afirmativa de que ela surgia em conseqüência da fundação do hospital e da irmandade. Cumpre, porém, indagar por que motivo Braz Cubas, que aqui chegara em 1531 com Martim Afonso, o fundador da vila de São Vicente, que se estabelecera com seus irmãos Catarina Cubas, Antonio Cubas, Gonçalo Cubas e Francisco Nunes Cubas, no sítio Jurubatuba, na Ilha dos Padres, hoje Barnabé, e com eles cultivara cana-de-açúcar, arroz e outros gêneros de primeira necessidade, destinados não só à própria mantença como às transações do comércio, que aqui estabelecera o uso do "monjolo" que vira na China, por que motivo resolvera Braz Cubas fundar um hospital?

"Fale a história. A 25 de setembro de 1536, dona Ana Pimentel, mulher e precursora do donatário Martim Afonso de Souza, então ausente nas Índias Orientais, no pleno uso dos poderes de que legalmente dispunha, mandou passar a Braz Cubas carta de sesmaria das terras que ele ocupava e benfeitorizava na ilha referida: tal documento, confirmado mais tarde pelo donatário, chegou às mãos do beneficiado em 1540.

"Alberto Souza, o historiador dos Andradas, após demorados estudos, lembra que por esse tempo 'os navios fundeavam no ancoradouro onde o Rio Santo Amaro desemboca no canal da Barra Grane. Braz Cubas compreendeu logo o inconveniente que nisso havia para os embarcadiços, porque eram forçados a permanecer em porto solitário; e para os lavradores, porque tinham de conduzir em canoas, para S. Vicente, suas mercadorias mais pesadas, ora pela Bargosa (N.E. SIC: aqui houve truncamento do texto original transcrito, que é "pela Barra Grande, cuja travessia era perigosa"), principalmente em certas épocas do ano; ora por dentro, contornando toda a ilha... Foi então que concebeu a idéia de fundar um outro porto no lado oposto a Santo Amaro e quase em frente à ilha desse nome, para o que tratou de adquirir parte das terras pertencentes a Pascoal Fernandes e Domingos Pires. Reparando Braz Cubas o quanto sofriam os marinheiros quando chegavam doentes, após longas e penosíssimas travessias, ou aqui enfermavam, lembrou-se que era urgente fundar um hospital que os acolhesse e tratasse, e uma Irmandade que o administrasse' (págs. 77 e 81, Os Andradas).

"Chegamos, pois, à conclusão de que os marinheiros que aportavam em Santos vinham sempre enfermos, ou aqui enfermavam. E de tal forma isso se dava que o fundador se viu na contingência de fundar um hospital para os medicar. Todos os historiadores afirmam isso. Logo, diremos: de Portugal só nos vinha gente doente?

"Se assim era, que moléstia seria essa que não perdoava a marinhagem dos navios que aqui chegavam? Sairia já de Portugal enferma a tripulação, ou seria a enfermidade aqui adquirida ou adquirida em viagem? Estamos que a resposta não foi dada, a bem dizer, até agora, nos seus devidos termos. Não que nos faltem elementos para isso, mas porque os historiadores, preocupados na solução de questões que consideram de suma importância, como a de se saber ser fora Braz Cubas o fundador da cidade, ou se foram os moradores do lugar da sua ereção, Domingos Pires e Pascoal Fernandes, os seus fundadores, deixam de responder a essa pergunta, maravilhosamente sensacional.

"Ninguém com ela se preocupou, ninguém, que nos conste, até agora, cuidou de nos dar a resposta necessária a essa empolgante pergunta. Pois bem, a enfermidade que dizimava a marinhagem das naus portuguesas, que levara o fundador a erigir o hospital, a 'Casa de Deus para os Homens, Porta Aberta para o Mar', fora nem mais nem menos que o escorbuto, a desvitaminização do organismo pelas demoradas, longas travessias do Atlântico, de Portugal até Santos, a 'doença crua e feia' de que nos fala Camões.

"A primeira descrição desse mal, consta que foi devida aos Cruzados do século XIII, 'nova pestis', descrita em latim medievo por Jacob de Vitry, e em 1249 por Joinville, ao descrever o mal que sobreveio às tropas de S. Luiz (Luiz IX), no cerco do Cairo- 'et nous vint la maladie de l'ost qui étoit telle que la chair de nos jambes secheoit et tannée de noir ett de terre...'

"Dois séculos depois, iniciada a era dos descobrimentos, eram as grandes expedições marítimas acompanhadas pelo escorbuto: a de Vasco da Gama, a viagem à Índia contornando o Cabo da Boa Esperança, descrita nos Lusíadas, durou 790 dias (dous anos & dous meses, segundo Castanheda), e dos 148 homens que levara, tornaram á pátria somente 55, ficando 93 pelo caminho... vitimados pelo escorbuto!

"A segunda circunavegação de Francisco Drake, em 1578, que durou 1.051 dias, e a terceira, de Cavendish, em 1586, que demoraria 779 dias, entregaram inúmeras vítimas à doença. A causa do mal, conhecida já no século XII, como se vê em Guilherme de Nangeac, era devida às conservas alimentares corrompidas, 'de ce que nous avions mangé de ces poissons...'

"Barros e Camões a ela se referem:

"'Corrupto já e danado o mantimento

danoso e mau ao fraco corpo humano.'

"'Engulindo  o corrupto mantimento temperado com um árduo sofrimento.'

"Castanheda assim descreve o mal: "o que foy feyto em trinta & dous dias, & os consertarão muyto bê: e neste passárão os nossos assaz de trabalho com hua doença que lhes sobreveo (parece que do ar daquela região) que muytos lhes inchavão as mãos, & as pernas & os pees'.

"Em Camões, nos Lusíadas, no canto V, lá se encontram as três estâncias:

'E foi que de doença crua e feia

a mais que eu nunca vi, desampararam

muitos a vida, e em terra estranha e alheia

Os ossos para sempre sepultaram.

Quem haverá que sem o ver o creia?

Que tão disformemente ali lhe incharam

as gingivas na boca, que crecia

a carne e juntamente apodrecia.

 

Apodrecia cum fetido e bruto

cheiro, que o ar vizinho inficionava

Não tinhamos ali medico astuto,

sururgião sutil menos se achava;

mas qualquer neste oficio pouco instruto

pella carne já podre assi cortava

como se fora morta; e bem convinha,

pois que morto ficava quem a tinha.

 

Em fim que nesta incognita espessura

deixámos pera sempre os companheiros,

que em tal caminho e em tanta desventura

foram sempre comnosco aventureiros.

Quam facil é ao corpo a sepultura!

Quaisquer ondas do mar, quais quer outeiros

estranhos, assi mesmo como aos nossos

receberão de todo o ilustre os ossos.'

"E Barros, nas Decadas:

'...per espaço de hu mês que aly estiverã no corregimento dos navios, adoeceu muyta gente, de q morreu algua. A maior parte foi de herisipollas, e de lhe crescer tanto a carne das gengivas, que quasi não cabia na boca aos homes, e asy como crecia apodrecia, e o cortavão nella como em carne morta...'

"As viagens de Portugal ao Brasil eram longas, demoradas. Cabral partira a 9 de março, só desembarcando em terra a 23 de abril. Américo Vespúcio, misto astrônomo e aventureiro, que viera à América com Aloenso de Ojeda, um ano antes de Cabral, que ligou o nome ao continente, em 1501, nas costas do Brasil, batizou, com André Gonçalves, numa frota de três navios, os acidentes da costa brasileira, desde o Cabo de S. Roque até S. Vicente, de acordo com o calendário cristão.

"A 28 de agosto viram eles o cabo 'Santo Agostinho', a 4 de outubro a foz do rio 'de S. Francisco', a 1 de novembro a baía de 'Todos os Santos', a 1 de janeiro o falso 'rio de Janeiro', a 6 a 'Angra dos Reis'. S. Sebastião no dia 20 e S. Vicente a 22. As viagens eram lentas. Quando da conferência dos chanceleres das Américas, no Rio de Janeiro, os jornais descreveram o hidroavião que nos trouxe, Summer Welles, dos Estados Unidos: maior que as caravelas de Colombo. Não é de estranhar, portanto, que há quatro séculos, naqueles frágeis e pequeninos barcos, fossem os navegantes vítimas do escorbuto, ficando pelo caminho, vitimados pela doença crua e feia, para que Camões exclamasse:

"'Quam facil é ao corpo a sepultura!'

"Aí fica esboçada a resposta à pergunta que fizemos – por que Braz Cubas fundara o hospital?

"Outras considerações vêm a pelo. Descoberto o Brasil, foi imediatamente iniciada a sua colonização. Para se compreender bem o motivo que levara o fundador de Santos a tal empreendimento, é necessário analisar a forma de colonização portuguesa no Brasil.

"Em nossa raça, como se sabe, foi um governo central e católico o diretor da colonização. Na América do Norte, um poder aristocrático e protestante é que presidiu ao movimento colonizador. No Norte,os colonos fugiam da metrópole, e não invocaram a Carta Régia que lhes servisse de norma; o pacto do Mayflower, considerado a primeira constituição escrita do mundo, é a prova de que eles desejavam a inteira separação entre a colônia e a metrópole.

"Na colonização portuguesa, o colono jamais desejou o isolamento, a separação da colônia. A comunicação com o reino, principalmente no primeiro século, foi sempre o sentido da organização do Brasil agrário da costa.

"Braz Cubas, aqui chegado em 1531, com Martim Afonso, tendo iniciado a cultura da cana-de-açúcar, arroz e ouros gêneros de primeira necessidade, 'destinados não só à própria mantença como às transações do comércio', tinha por imprescindível de, no seu exílio voluntário e honroso, comunicar-se com a metrópole.

"E para isso só existia um meio, um caminho: o mar. A navegação atlântica era feita naqueles pequeninos barcos, que quatro séculos depois constituiriam os gigantes alados dos embaixadores americanos no Rio de Janeiro.

"Era, pois, indispensável que os navios que aqui chegavam pudessem daqui partir, pejados da mercadoria produzida na colônia, para aqui novamente do reino retornando com notícias, correspondência, cartas, forais etc....

"Assim, cuidar da marinhagem enferma, constituiria a melhor política, o único meio de garantir que as naus aqui chegadas tornassem a Portugal a dar cumprimentos ao rei e ao comércio. Com a marinhagem enferma, isso era impossível. Daí a 'Casa de Deus para os homens, porta aberta para o mar'. Sim. Porta aberta para o mar, única via de comunicação entre os exilados do novo e longínquo continente e a Europa, a pátria.

"No primeiro século da colonização, principalmente aqui, esta ficara apenas na costa, no litoral. Somente mais tarde, o Norte suplantara o Sul, na cultura açucareira. A Serra do Mar, com os seus contrafortes, porém, era a barreira que impedia a penetração, no mistério insondável do interior. Só em 1560 iniciou o fundador a primeira 'entrada', transpondo a montanha, por ordem de Mem de Sá. Até essa data, todavia, era imprescindível a comunicação com o continente reinol, pelo mar. Insulados os colonos no litoral, vencer o escorbuto, curar os enfermos, a marinhagem aqui chegada, constituiria, pois, o primeiro e principal problema do fundador.

"Tanto isso é certo que, muitos anos depois,no hospital eram apenas admitidos marinheiros; só em 1726, após ter ele vivido mais de setenta anos em abandono, vivendo quase que nominalmente, quando alguns santistas resolveram cotizar-se, reerguendo-o, foi que se admitiu os enfermos da terra. Braz Cubas, o cavaleiro fidalgo da casa de el-rei, podia dizer como Ovídio:

"'Terminado se acha o monumento que nem a ira de Júpiter, nem o fogo, nem a espada,nem a velhice roaz poderá destruir. Quando vier o meu último dia, a minha parte subirá aos astros eternos e o meu nome será indelével. Em qualquer parte da terra, aonde chegar a potência romana, viverei nos lábios do povo por todos os séculos e se é que se cumprem os vaticínios dos poetas, viverei na fama dos meus versos.' (Metamorfose).

"Braz Cubas 'viverá nos lábios do povo por todos os séculos', porque a Santa Casa viverá enquanto existir a cidade de Santos.

"A inauguração de hoje, desta agência postal, para a expedição do selo comemorativo da Santa Casa, é bem a expressão da repercussão nacional do fato da fundação do hospital há quatro séculos. O dia de festa para a cidade.

"O Clube Filatélico de Santos, aqui presente, congratulando-se com a Santa Casa, aproveita a oportunidade para agradecer a v. excia. sr. embaixador, a vossa presença a esta cerimônia, não somente como representante de s. excia. o sr. presidente da República, como também, pessoalmente ao insigne filatelista que nos honra sobremaneira nesta hora de júbilo, e encerremos esta parlenga, já longa.

"Que o povo de Santos jamais esqueça a Santa Casa".

O embaixador Macedo Soares agradeceu as palavras com que o intérprete do Clube Filatélico se referia à sua pessoa e sugeriu que o primeiro exemplar da primeira folha postal comemorativa fosse enviado ao presidente da República; o segundo, ao ministro da Viação; o terceiro, ao diretor geral do Departamento de Correios e Telégrafos; o quarto, ao diretor regional dos Correios e Telégrafos de S. Paulo; o quinto, ao provedor da Santa Casa para figurar no arquivo dessa casa de caridade; o sexto, ao Clube Filatélico de Santos, e o sétimo, ao dr. João Ramos Bacarat, pela interessante lição de história filatélica, segundo expressão do embaixador Macedo Soares.

Depois de assinada a ata de instalação da agência postal especial, o embaixador Macedo Soares passou a atender a vários filatelistas, autografando folhinhas postais comemorativas da fundação da Santa Casa.