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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOSPITAIS - BIBLIOTECA
Hospital Anchieta (4-f48)

 

Clique na imagem para voltar ao índice do livroEste hospital santista foi o centro de um importante debate psiquiátrico, entre os que defendem a internação dos doentes mentais e os favoráveis à ressocialização dos mesmos, que travaram a chamada luta antimanicomial. Desse debate resultou uma intervenção pioneira no setor, acompanhada por especialistas de todo o mundo.

Um livro de 175 páginas contando essa história (com arte-final de Nicholas Vannuchi, e impresso na Cegraf Gráfica e Editora Ltda.-ME) foi lançado em 2004 pelo jornalista e historiador Paulo Matos, que em 13 de outubro de 2009 autorizou Novo Milênio a transcrevê-lo integralmente, a partir de seus originais digitados:

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Na Santos de Telma, a vitória dos mentaleiros

ANCHIETA, 15 ANOS (1989-2004)

A quarta revolução mundial da Psiquiatria

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 VITÓRIA DE CARRANO NA LUTA ANTIMANICOMIAL BRASILEIRA

 

O bicho de 7 cabeças, na luta antimanicomial

 

Ele quer indenização para as vítimas, como na anistia política. Ficou dos 17 aos 21 anos em 4 hospitais psiquiátricos – chiqueirinhos psiquiátricos, chama -, tomou 21 sessões de eletrochoque "com seqüelas físicas e psicológicas". Saiu, escreveu um livro que deu um filme – antes enfrentou processos indenizatórios, proibições judiciais dos donos dos hospícios que denunciou. E comprovando o sucesso popular e humanitário desta luta, o filme O bicho de sete cabeças é o mais premiado da cinematografia brasileira -, com 43 prêmios nacionais e 8 prêmios internacionais.

 

A direção foi de Lais Bodanzky (seu primeiro longa-metragem) e o filme extraído do livro O canto dos malditos – um texto biográfico de Austregésilo Carrano Bueno, mandado para um hospício pelos pais – Hospital Bom Retiro - nos anos 70, após a descoberta de que era usuário de maconha. Com ele, Carrano se tornou um dos expoentes da luta antimanicomial no país.

 

Adaptado por Luiz Bolognesi para o cinema e transferido para os dias de hoje, o filme narra a história real de Carrano, que na fita é Wilson Neto, um rapaz da periferia paulista alienado e cabeça-oca, que não trabalha, não estuda e passa a maior parte do dia reunido com os amigos e ouvindo música alta e fumando baseado, como explica o comentarista Bruno Ghetti – e por isso permanece 3 anos e meio encarcerado.

 

O resultado é o martírio do jovem, que não é louco mas tem que conviver com doentes mentais e médicos insensíveis e viciados - e toda a imundície do submundo manicomial. Por causa do livro, Austregésilo, militante da causa antimanicomial que sofreu na carne a experiência do manicômio, foi processado por um lobie de psiquiatras do Paraná foi réu da ação número 839/2001, da 5ª Vara Cível de Curitiba, tendo feito abaixo-assinado a seu favor e em defesa da lei federal de Reforma Psiquiátrica, obtendo uma dupla vitória: a lei foi aprovada e ele absolvido.

 

O livro, que fala da primeira ação indenizatória por erro médico psiquiátrico no Brasil, repetindo o Caso Donaldson nos Estados Unidos, foi cassado através do desembargador Vidal Coelho, e seu autor, por denunciar as condições desumanas dos internados em instituições psiquiátricas. E ameaçado pela Federação Espírita do Paraná, dona destas instituições, de ter que pagar cinco mil reais diários se continuasse a denunciá-las publicamente, com pena de prisão caso não pagasse.

 

O livro desferia, aduziu a acusação, ataques contra o já falecido médico dr. Alô Ticoulat Guimarães, figura expressiva de profissional da Medicina e professor, ex-prefeito de Curitiba, secretário de Estado da Saúde, deputado federal e senador da República – que tivera, segundo a peça acusatória, denegrida a sua imagem e causado sofrimento à família por artigos publicados no jornal O Estado do Paraná desde 1987.

 

Mas, julgado em 3 de outubro de 2003, Austregésilo teve a sentença proferida em 15 de outubro - com um resultado inédito e positivo para a luta antimanicomial, pois nenhuma das acusações, julgou o juiz, poderia ter sido ato de ofensa, mas como correto uso da liberdade de expressão, com imposição de multa aos que processaram Carrano como indenização.

 

E isso gerou inúmeros convites para palestras em universidades e foi indicado por professores nos cursos de Psicologia, Humanas, Assistência Social, Terapias Ocupacionais e Direito na USP, Universidade de Brasília, São Marcos, FMU, UEL e outras. O escritor foi homenageado pelo Ministério da Saúde e pelo presidente Lula em 28 de maio de 2003, pela sua luta pela Reforma Psiquiátrica no Brasil. Carrano lançou um manifesto em 2001, com a pauta do Movimento Antimanicomial.

 

A Laranja Mecânica

 

A cidade é Nova Iorque, abril de 1989: a ficção A Laranja Mecânica (Clockwork Orange), filme de Stanley Kubrick extraído do livro de Anthony Burgess, conta uma ficção futurista, a estória de aplicação de um tratamento que objetivava a regeneração e cura da violência no jovem criminoso Alex. Mas a experiência behaviorista, de tentar moldar comportamentos, erra na dose - substituindo a absoluta liberdade de instintos pela completa repressão, a ponto das cenas de sexo e violência provocarem vômitos em Alex. Um tratamento em que se aniquila sua personalidade e após o qual ele tenta o suicídio.

 

É a Laranja Mecânica porque o jovem se torna, em uma referência metafórica, um ser paralisado e desumanizado, como resultado da experiência, defendida então como fórmula institucional que utilizava Alex, o jovem, como cobaia. Algo como as tentativas positivistas da psiquiatria institucional que se prolongaram e se prolongam na história mundial, as terapias violentas que tentam mudar as pessoas por métodos autoritários.

 

Santos, maio de 1989, pura coincidência, um mês depois da ficção Laranja mecânica: a realidade da intervenção na Casa de Saúde Anchieta põe fim às experiências que utilizavam seres humanos como cobaias para tentar sua cura, que nunca dera resultados.

 

Nesse dia, a prefeita Telma, psicólogos, psiquiatras, militantes sociais, jornalistas e entidades populares invadem um hospício em que eram presos e torturados centenas de pacientes, submetidos a condições lastimáveis de existência, com fome, doenças e tratamentos desumanos, nada ficando a dever aos campos de concentração nazistas. Ficção e realidade se cruzam nesta história que, se não for escrita, pode parecer irreal e própria de um filme de terror.

 

"Uma mente brilhante"

No recorrente e destacado tema da Saúde Mental, vale dizer deste filme que ganhou o Oscar e de seu personagem real John Nash, que ganhou o prêmio Nobel de Matemática por seu trabalho para o governo dos Estados Unidos. Ele ocupou altos postos na hierarquia do Pentágono, após formular um teorema que o fez aclamado em seu meio, aos 21 anos, decifrando códigos secretos em plena Guerra Fria. Mas enfrenta uma fase esquizofrênica, que supera e volta à sociedade.

E acaba ganhando a láurea mundial, provando que a loucura não transforma as pessoas em incapazes – desde que não sejam eletrocutadas. Ao contrário, deles podem resultar mentes criativas e brilhantes, desarticulando toda a visão que se teve do problema através dos séculos. É a história do filme Uma mente brilhante, de 2001, do diretor Ron Howard, que ganhou 4 Oscar, inclusive o de melhor filme.