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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - AUTONOMIA
Autonomia e imprensa (4)

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Historicamente uma cidade guerreira, que sempre lutou por seus direitos, ao ponto de ser marcada com epítetos como Moscou Brasileira e Cidade Vermelha, Santos foi duramente castigada pela Ditadura Militar, com a perda de sua autonomia política e administrativa, em função de seu enquadramento como Área de Segurança Nacional.

Essa história pode ser contada através das capas e principais páginas dos jornais locais. Uma seleção dessas páginas consta na obra Sombras Sobre Santos - O Longo Caminho de Volta, de Ricardo Marques da Silva e Carlos Mauri Alexandrino (ed. da Secretaria Municipal de Cultura, Santos/SP, 1988). Entre elas, a edição de segunda-feira, 18 de novembro de 1968, do extinto jornal Cidade de Santos:

Tarquínio deixa muita gente louca

Agora é oficial: Tarquínio foi proclamado novo prefeito de Santos. Falharam as esperanças dos que, mesmo depois do início da apuração, confiavam num milagre como último recurso. Falharam também os que duvidaram dos bons observadores, aos olhos dos quais os resultados do primeiro dia da contagem foram mais do que expressivos, e para os quais a afirmação da vitória pôde ser feita com absoluta segurança.


Em Campos do Jordão, Tarquínio deu entrevista exclusiva a Cidade de Santos

 

Os números

Saíram os números definitivos. E com eles a confirmação da pesquisa que Cidade de Santos fez logo após a votação. Veja o leitor por si mesmo. Depois de cada resultado há duas percentagens: a primeira do resultado oficial, a segunda de nossa previsão, publicada na primeira página da edição de anteontem

Tarquinio

45.210

34,7%

39,5%

Alfeu

36.378

28,2%

27,5%

Prado

24.708

19,1%

21,0%

Martins

  7.372

 5,79%

 6,0%

Brancos e nulos

15.892

 

12,21%

MDB não faz apenas o prefeito

Com a Câmara de Santos, não aconteceu o que os emedebistas temiam: maioria da Arena, dificultando o trabalho do prefeito Esmeraldo Tarquinio. Para surpresa geral, o MDB fez maioria - 10 contra 9 - e garante um início tranqüilo para o governo municipal que vai começar em abril de 1969. Os arenistas, que perderam cadeiras, ficaram também sem figuras como Álvaro Fontes e José Silvano de Andrade. O mais votado do MDB foi Nelson Antunes Mattos, o primeiro eleito da Arena foi Benjamin Goldenberg.

Esmeraldo fala ao CS: exclusivo

Esmeraldo Tarquinio, nosso novo prefeito, está em Campos do Jordão, descansando da campanha política em que gastou uma média de 200 horas, muitas já no preparo de seu esquema administrativo.

Ele deu uma entrevista exclusiva aos jornalistas do Cidade de Santos, enviados especialmente àquela cidade. Entre as várias questões abordadas, revelou as metas principais do seu governo, dedicadas à criação de uma verdadeira infra-estrutura turística para Santos, preocupando-se, ao mesmo tempo, com obras sociais de profundidade e não de fachada.


Às 22h40, de sábado, depois de viajar dezenas de quilômetros, enfrentando embaraços de toda ordem, inclusive ficando retidos num lugarejo chamado Monteiro Lobato (onde havia clima de tensão e tumulto), chegaram a Campos do Jordão os jornalistas de Cidade de Santos, incumbidos de entrevistar nosso novo prefeito, o advogado Esmeraldo Tarquínio, que descansava depois da vitória. Ele os recebeu emocionado, recordando que foram 200 horas de lutas, com reuniões, estudos e planos, cujos resultados estão no novo esquema administrativo e sobre o qual já adiantou alguns pontos importantes revelados nesta reportagem de Eymar Mascaro, com fotos de Tateo Ikura, nossos enviados especiais.

Este é Tarquínio, o novo prefeito

Em Monteiro Lobato, o clima era de agitação, ameaças de tumulto, pancadaria e perigo de haver até mesmo tiroteio em praça publica. Motivo: briga entre dois candidatos da Arena, porque um deles ganhava a eleição para prefeito com a diferença de apenas três votos.

Em Campos, foi difícil localizar a pensão de dona Olga, onde está hospedado o novo prefeito, Esmerado Tarquínio, em companhia de sua esposa e filhos. Esmeraldo procura recuperar as 200 horas atrasadas de sono, por culpa da campanha eleitoral. Campos do Jordão é de formação geográfica completamente irregular, daí a dificuldade de localizar a pensão de dona Olga, que fica a 1.608 metros de altitude. Mesmo acostumado a dar entrevistas, Esmeraldo se sentiu bastante emocionado quando viu o carro da reportagem. Esta é sua primeira entrevista como prefeito de Santos.

Ao telefone - Quando entramos na pensão, Esmeraldo falava ao telefone com Carlos Paiva, o coordenador de sua campanha. A essa altura ele já tinha os últimos resultados das urnas e sabia que em Santos muita gente comemorava sua vitória. Como o telefone está instalado numa dependência perto da cozinha, ficamos por ali mesmo, onde, pela primeira vez como prefeito, ele falou de sua futura administração. Desculpou-se por não poder revelar tudo, já que parte dos estudos não foi ainda concluída.

O administrador - Reafirmou sua disposição de governar Santos baseado em quatro pontos fundamentais: administração planejada, racional honesta e dinâmica.

Planejada: com realizações definitivas, nada deverá ser feito errado para ser corrigido depois. Quanto à parte de racionalização de serviços, declarou que vai aproveitar a máquina administrativa de modo a eliminar os desperdícios de pessoal e demais recursos. Honesta, em termos de realizar o que o povo realmente quer e precisa, obras de profundidade e não de fachada. Dinâmica: de se realizar num mínimo de tempo o máximo de serviços.


As dificuldades

Esmeraldo sabe que vai encontrar muitas dificuldades pela frente, por exemplo: o que prevê o orçamento para 1969, isto é, uma arrecadação de aproximadamente 49 milhões novos. Entende que a peça encaminhada para apreciação da Câmara "é excessivamente otimista", sobretudo na parte que trata de "impostos sobre serviços". É que o orçamento, segundo disse, prevê um aumento nesse imposto de 200%. Exemplo: atualmente, o município arrecada 1 milhão e meio novos e o orçamento de 69 está prevendo uma arrecadação de 4 milhões, também novos.

Sabe ainda que as expropriações efetuadas pelo atual prefeito, para imitir-se na posse das quais o governo depositou o que lhe parece ser o valor, acabará em suas mãos. É que houve constestação em juízo, buscando um valor bem maior do que o preço depositado. Algumas dessas ações já foram decididas em favor dos contestantes, admitindo-lhes uma diferença assustadoramente maior do que o preço oferecido. A maior parte dessas ações ainda está em tramitação.

Outra dificuldade: a reformulação do sistema tributário interno na competência dos Estados também afetou Santos. Para Esmeraldo, os números ilustram bem:

"No tempo do IVC - diz ele - o orçamento de Santos recebia cota pela participação na diferença entre o arrecadado pelo Estado no Município. Com o ingresso na era do ICM deslocou-se o fato gerador da participação para outras regiões, caso do café, onde o imposto de exportação não entra mais para o Município".


Humilde nas soluções

Tarquínio acredita que para solucionar estes problemas, há necessidade de impor uma mentalidade nova: humildade no reconhecimento de que Santos é hoje uma cidade pobre, por isso acha que devem ser criados novos setores no mercado de trabalho. E mais: o incremento à hotelaria, preparação de gente especializada para servir comercialmente, aparelhamento da cidade para atrair e hospedar, recrear e fixar quem for atraído. Em resumo: "É preciso criar a infra-estrutura necessária, para o turismo, que ainda não temos", disse.

E o jogo?

"O jogo não é a solução, mas é uma solução, ainda que não concordemos com ele como filosofia de desenvolvimento econômico".

"O grande problema - acrescentou - é o social, causado pelas dificuldades apontadas. Entre outras, para que o êxodo do santista para o planalto não passe do esboço já existente. É necessário que o fixemos em nossa terra, com trabalho farto e bem pago, com condições de moradia condizentes com o conceito de dignidade humana pacificamente adotado, não só nas encíclicas papais mais recentes, mas também no entendimento já assustado dos que detêm o poder econômico entre nós".

Sem esgotos - "Há bairros velhos de Santos - disse Esmeraldo - de séria densidade demográfica proletária, onde ainda se amassa lama com os pés, não há esgotos, mas valas, mosquitos, caramujos portadores de esquistossomose. Há morros e terrenos, na maioria alugados, onde não há quase lugares públicos, onde quase tudo é particular, a reclamar urbanização e humanização".

"Esses e outros desafios do presidente - diz Tarquínio - exigirão de nossa administração esforços dos maiores. Esperamos que a eles acorram os poderes estaduais e federais, sem preocupações mesquinhas de ordem partidária". "Não nos assustaremos ante uma indiferença, remota embora, desses poderes. É muito mais importante a força da vontade popular. Iremos até o exterior, se necessário, para não frustrar as esperanças que se manifestaram nas urnas".

Prodesan - Sobre a sociedade de economia mista, criada no governo de Sílvio Fernandes Lopes, Esmeraldo declarou textualmente:

"Enfrentamos sempre a pergunta de como agiríamos com ela. Respondi com pesquisas na mão (71% da população acolhem bem essa empresa) que tornaria efetiva sua atividade como empresa, pois não posso compreender que ela haja atraído tão pequeno volume de capital privado, fato que descaracteriza de certa forma sua natureza mista, e que haja logrado, no movimento de 2 milhões novos, um resultado de apenas 2%. A Prodesan tem que ser posta nos seus trilhos, com suas próprias locomotivas. Esperamos poder fazê-lo".

Cor - "Acredita que encontrará alguma reação como prefeito de Santos, por ser um homem de cor?"

"Acredito, não. Tenho certeza de que ela já está existindo. Embora numa faixa minoritária da sociedade, numericamente pouco expressiva, mas econômica e socialmente poderosa. Como, porém, este país vive proclamando ao mundo sua alegada condição de democracia racial única, espero poder ajudar o Brasil a confirmar a alegação".


Eis o homem

Nome: Esmeraldo Soares Tarquínio de Campos Filho. Nascimento: 12 de abril de 1927. Cidade São Vicente. Pai: Esmeraldo Soares Tarquínio de Campos (de Salvador). Mãe: Iracy Moura Campos. Esposa: Alda Terezinha Tarquínio de Campos. Dois filhos: Esmeraldo e Débora.

Seu pai veio da Bahia com 14 anos. Fixou-se em São Vicente, indo trabalhar como gráfico no jornal da época, O Progresso. Ali aprendeu a escrever, fazendo-se jornalista. Depois veio para Santos, trabalhar no Jornal da Noite, Diário da Manhã e Praça de Santos. Neste último fez a revolução de 30, contra Washington Luiz. Uma noite, quando estava na redação, foi obrigado a sair pela clarabóia, para não se haver com a polícia. Mas em 32 voltou a fazer nova revolução, desta vez por São Paulo. As lutas o levaram à tuberculose. Morreu dois anos depois (1934), em Campos do Jordão. Quando seu pai morreu, Esmeraldo tinha 7 anos e já sabia ler. Sua mãe ensinou. A situação financeira da família não andava bem, não tardou que se mudassem para São Paulo. Na capital, começou o drama do menino pobre.

Aos 9 anos, tornou-se aprendiz de marceneiro. Sobrava tempo ainda para estudar no Grupo Escolar Eduardo Prado. Seu segundo emprego foi como aprendiz de gráfico. Mas, ficou pouco em São Paulo. Em 37, dia 13 de janeiro, mudou-se novamente para Santos, com sua mãe.

Arranjou serviço no Jornal da Noite, de propriedade de Mário Amazonas, como contínuo de redação e oficina. Esmeraldo lembra ainda hoje o episódio da calandra, o "trote" que sofrem todos os novos em jornal. Um dia um redator pediu que ele fosse à oficina buscar uma calandra embrulhada. A calandra é uma máquina que tem três toneladas. Ele voltou à redação acabrunhado com a brincadeira.

Hoje, em Campos do Jordão, aguardando o momento da posse, Esmeraldo recorda alguns companheiros dessa época. Entre eles, Rosinha Mastrangelo e Pedro Peressin, o popular Barbado.

Com advogado - Do Jornal da Noite foi para a agência de mensageiros. Durou pouco esse emprego. O seguinte foi no escritório do advogado Cleóbulo Amazonas Duarte, como office-boy, para ganhar 50 mil réis. Tinha dez anos.

Além do escritório, fazia alguns serviços no Fórum. Isso significava uns cobres a mais. O convite partiu de Paulo Gasgon, na época escrivão da 1ª Vara. Esmeraldo lembra de uma passagem daquele tempo. Dia 11 de outubro de 1937, foi a um parque de diversões e ganhou uma garrafa de vinho tinto. Como recebera 12 mil réis para sortear os jurados, aproveitou para almoçar com um amigo, no Bairrada. Pediram uma mariscada americana, acompanhada pelo bom vinho ganho no parque. Depois não foi trabalhar. Tem preferência a uma pelada no campo do infantil do Vasco da Gama. Mas não teve forças para isso e acabou dormindo até as 7 da noite. Era fatal: no dia seguinte, quando chegou às 8h30 para abrir o escritório, encontrou um bilhete do dr. Amazonas Duarte. Era o bilhete azul.

A vida continuou difícil, a família precisava daqueles mil réis. Tarquínio não podia dizer à mãe que estava desempregado. Então, corre as casas comerciais e deixa o nome em todas elas.

Em 25 de outubro de 1938, recebeu o primeiro cartão de sua vida que o chamava de "Senhor Esmeraldo". Era de João Antonio Mendes, tradicional comerciante de livros em Santos. O convite foi aceito e lá foi ele vender livros e fazer entregas. Esmeraldo diz hoje que foi este um dos principais empregos de sua vida. Tem certeza de que os livros de João Mendes o ajudaram a aprender até o inglês.

Em 4 de setembro de 39, uma segunda-feira, logo após o início da guerra, começou a trabalhar com o advogado Álvaro de Cunha Parente, ganhando 140 mil réis. Em 4 de fevereiro de 1944, foi para o escritório de despachos aduaneiros de Olímpio dos Santos Lima, por 250 mil réis. Em setembro do ano seguinte, com 450 cruzeiros, passou para o escritório de despachos de Domingos Pierri. Mas só em 14 de novembro do mesmo ano viu que dava para cantor: Esmeraldo abafou na orquestra de "Nardi e os seus rapazes". Sua estréia foi no baile do Jabaquara.

Em 1º de julho de 1946, foi para a firma Ennor & Cia., cujo despachante era Henrique de Araújo. Como chefe de exportação, Esmeraldo passou a ganhar 800 cruzeiros. Em 47, foi aumentado para 1.200 cruzeiros.

Em fins desse ano, para ganhar 1.600, passou a trabalhar com João Mazeli. Em 48, tornou-se contador no José Bonifácio. Depois, foi fazer um curso no Centro Cultural Brasil-Estados Unidos, sempre trabalhando.

Favorecido por uma lei de Dutra, em 1950, que beneficiava os que se formavam na época em contabilidade, fez um cursinho e prestou vestibular para Faculdade de Direito em Niterói. Entre 1.753 candidatos, conseguiu ingressar com uma boa média. A partir de 1957 abandonou todos os empregos, dedicando-se exclusivamente à advocacia. Seu primeiro companheiro de banca foi o advogado Luciano Barbosa.


E agora o político

Sua carreira política começou depois da guerra, com a derrocada de Getúlio, quando se formavam os partidos políticos. Esmeraldo ingressou no Partido Social Sindicalista, com 18 anos, levado por Álvaro Parente. Na mesma época, Ademar de Barros fundou o Partido Republicano Progressista. Não demorou muito para as cúpulas dessas duas agremiações resolverem fundir-se num só partido. Assim surgiu o PSP. Mas Ademar resolveu ser o "dono", sozinho, do novo partido. Esmeraldo, quando viu que social progressista só tinha ademarismo, retirou-se.

Em 54 ingressou no PSB, fazendo a campanha de Jânio Quadros para o governo de São Paulo. Quando Getúlio se suicidou, Esmeraldo ficou impressionado com o relato de Carlos Lacerda sobre o chamado "mar de lama", porém se assustou ainda mais com a "república do Galeão" que fez o IPM reservado da Aeronáutica. Esmeraldo analisou bem a carta deixada por Getúlio e resolveu ingressar "na prática do nacionalismo acima dos partidos".

Em 59, candidatou-se a vereador pelo PSB, sendo eleito com 689 votos, tomando posse em janeiro de 60. Na disputa de Jânio com Lott, Esmeraldo Tarquínio, contrariando a cúpula do PSB, apoiou o primeiro. Por isso, deixou o partido e fundou com amigos a Ação Socialista, sob a presidência do prof. Alípio Correia Neto. Durante o tempo em que José Gomes foi o prefeito, Esmeraldo foi seu líder na Câmara, somente saindo dali para ocupar uma cadeira na Assembléia Legislativa, eleito que fora em 62, com 7.192 votos.

Já no MTR, nessa altura, disputou a Prefeitura de Santos contra Sílvio Fernandes Lopes e, embora derrotado, obteve a espantosa soma de 35 mil votos, aproximadamente. Um ano depois, foi reeleito para a Assembléia com expressiva votação de 32.520.

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