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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - AUTONOMIA
Em 2010, surgem os documentos secretos (1)

Arquivos da polícia política dos tempos da repressão aparecem no Palácio da Polícia em Santos
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Matéria publicada no jornal Folha de São Paulo na sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010, nas páginas 1ª e A-8:
 


Imagem: reprodução parcial da primeira página do jornal Folha de São Paulo de 26/2/2010

Arquivo secreto do Deops é encontrado em Santos

Mário Cesar Carvalho

Enviado especial a Santos

Documentos secretos do extinto Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) foram encontrados em uma sala da Polícia Civil em Santos (litoral de SP).

São cerca de 600 pastas e caixas infestadas por cupins, que incluem relatos sobre um show de Chico Buarque e sobre o guerrilheiro Carlos Marighella. Segundo delegado, elas serão transferidas para o Arquivo do Estado.


Mapa da polícia para identificar paradeiro de Marighella
Foto: Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem, publicada com a matéria

 


Sala onde foram achados os documentos
Foto: Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem, publicada com a matéria

Abandonado, arquivo secreto da ditadura é achado em Santos

Documentos estão armazenados fora de ordem, infestados por cupins, traças e poeira, em cerca de 600 pastas e caixas

Ato descumpre resolução que determina que papéis fossem abertos a consulta; delegado diz que dossiês irão par o Arquivo do Estado

Mario Cesar Carvalho
Enviado especial a Santos (SP)

Espiões nazistas podem entrar disfarçados de latino-americanos no porto de Santos, alertava a polícia em 1943. Romeu Tuma, então chefe da polícia política, é informado sobre um show de Chico Buarque em 1972. Relatos de dois pescadores e de um funcionário público dão conta de que Carlos Marighella, líder guerrilheiro da ALN (Ação Libertadora Nacional) prepara uma ação no litoral paulista em 1969.

Essas histórias estão guardadas num arquivo secreto do Deops-SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), abandonado pela Polícia Civil em Santos e que nunca havia sido aberto a consultas.

A reportagem da Folha entrou pela primeira vez no arquivo. Numa sala com cerca de 18 m², trancada com cadeado, duas estantes de madeira guardam cerca de 600 pastas e caixas, que abrigam entre dez e 15 dossiês cada uma, tudo infestado por cupins, traças e poeira. A sala fica no segundo andar do Palácio da Polícia, atrás de dois elevadores.

Numa estimativa grosseira, o arquivo teria de 6.000 a 9.000 dossiês. O Deops foi a polícia política no Estado à época da ditadura militar (1964-1985).

Os investigados são sindicalistas, comunistas, guerrilheiros, políticos, padres e líderes estudantis. Não há ordem alfabética ou cronológica no armazenamento. As pastas são organizadas por temas - sindicato dos estivadores, movimento estudantil, Marighella, Jânio Quadros, e assim por diante.

O documento mais antigo encontrado pela Folha é de 1943, sobre os riscos de infiltração nazista no porto; o mais recente, de 1982, sobre lideranças estudantis.

O Deops foi extinto em 1983 e sua documentação deveria ter sido entregue ao Arquivo do Estado a partir de 1994, segundo uma resolução do então secretário da Cultura do governo paulista, Ricardo Ohtake, que criou as normas de consulta a esses papéis. Essa resolução determinava que os arquivos do Deops fossem abertos a consulta pública e que ficariam sob a guarda do Arquivo do Estado.

Santos - O historiador Rodrigo Rodrigues Tavares, autor de dois livros sobre a história política de Santos contada a partir de documentos do Deops, diz que a polícia da cidade sempre negou que tivesse esse arquivo: "Pedi umas quatro ou cinco vezes para consultar essa documentação e a polícia dizia que não tinha mais nada".

Os livros escritos pelo historiador (O Porto Vermelho e A Moscouzinha Brasileira) foram pesquisados na documentação que a polícia de Santos enviava para São Paulo e está guardada no Arquivo do Estado. Nesse arquivo, há cerca de 50 pastas sobre Santos, segundo ele, menos de 10% do que está abandonado nas 600 pastas que estão naquela cidade.

As 50 pastas existentes em São Paulo não traduziam a importância política que Santos teve no país, na avaliação dele.

A cidade era um dos principais pólos dos anarquistas no país e uma base histórica do Partido Comunista Brasileiro. Tão importante que o escritor Jorge Amado dedicou um dos livros da trilogia Os Caminhos da Liberdade a Santos - o volume intitulado A Agonia da Noite. "Os velhos comunistas diziam que deveria haver muito mais material do Deops do que aquele que eu achei em São Paulo", relata o historiador.

Um desses velhos comunistas, Anibal Ortega, 64, militante do PCB desde 1961, diz que o arquivo encontrado agora estava escondido porque os policiais temiam retaliações após a redemocratização do país.

"Muitos comunistas de Santos foram procurar dossiês em arquivos para entrar com pedidos de indenização e não acharam nada", conta Ortega. A possibilidade de presos políticos serem indenizados foi instituída em 1995 pelo governo federal e, seis anos depois, pelo governo paulista.

Apuração - A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) vai pedir que o Ministério Público apure as razões pelas quais os dossiês não foram entregues ao Arquivo do Estado em 1994. O conselheiro Arley Rodrigues diz que a Secretaria de Segurança violou uma norma do próprio Estado. "Se descobrirmos que houve ação ou omissão de algum delegado, ele pode ser punido", diz. Rodrigues foi informado da existência do arquivo pelo radialista João Carlos Alckmin.

O delegado responsável por Santos, Waldomiro Bueno Filho, diz que não sabia da existência do arquivo, mas que vai transferir a documentação para o Arquivo do Estado. Bueno Filho foi acusado de ter participado de sessões de tortura do jornalista Vladimir Herzog (1937-1975), o que ele nega.


Dossiês feitos pela polícia política em mesa à frente do arquivo com cerca de 600 pastas abandonadas no Palácio da Polícia em Santos; documentos vão dos anos 40 aos 80
Foto: Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem, publicada com a matéria

Ficha revela bilhete redigido em Morse por Marighella

Do enviado especial a Santos (SP)

O arquivo do Deops em Santos guarda uma história de pescadores e guerrilheiros.

Dois pescadores e um funcionário público caçavam passarinho no morro dos Itatins, em Peruíbe, e, no meio de uma trilha, dizem ter achado um bilhete escrito em código Morse cuja autoria é atribuída pela polícia ao líder guerrilheiro Carlos Marighella (1911-1969).

O bilhete, arquivado no dossiê de Marighella, estava numa clareira, segundo o trio, onde havia latas de sardinha e de pêssego em calda. A polícia achou que havia encontrado uma pista do guerrilheiro, um dos homens mais procurados pelos militares em 1969.

Traduzido "com algumas dúvidas", como anota a polícia, o bilhete menciona a movimentação de cem homens - "distribua homens em grupo na Baixada dia 5 para ? [ação] no porto e o restante na serra Xixova e na Baixada dia 7". É assinado por "Maringhela".

Foi encontrado em setembro de 1969, um mês quente para a ALN (Ação Libertadora Nacional), que adotava a estratégia de focos guerrilheiros preconizada por Che Guevara. Nesse mês, o grupo participou junto com o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick no RIo de Janeiro.

Com base no bilhete a polícia criou uma estratégia de defesa, descrita num documento de três páginas assinado pelo delegado Adalberto dias de Almeida. Fez um mapa dos supostos pontos que Marighella poderia atacar, deduzidos a partir do bilhete em código Morse: uma usina na serra Pouso Alto, o porto de Santos e a fortaleza de Itaipu. Os locais são descritos como "objetivos relevantes para um grupo de audaciosos terroristas que pretendesse, em ação simultânea, a eclosão de três atentados".

O jornalista Mário Magalhães, que prepara há sete anos um livro com a história de Marighella, diz que o guerrilheiro cultuava códigos, mas nunca viu algo escrito por ele em código Morse. Por causa do culto, ele acha que Marighella poderia ter escrito o bilhete.

Em setembro de 1969, Marighella passava a maior parte do tempo na zona Norte do Rio, de acordo com o jornalista. A ação poderia ter sido planejada por militantes da Baixada Santista. Havia militantes da ALN em Cubatão e Mongaguá, segundo Agenor Ortega, militante do PCB em Santos à época.

Completamente improvável, segundo Magalhães, seria imaginar um foco guerrilheiro da ALN no litoral paulista: "A ALN nunca conseguiu viabilizar uma base rural", afirma, apesar das tentativas que fez em Goiás, no Maranhão e no Pará. [MCC]


Documento do Quartel-General do Exército de Santos de 10 de junho de 1969 com a ordem de prisão preventiva contra o guerrilheiro Carlos Marighella. A ALN, grupo comandado por Marighella, tinha militantes na Baixada Santista
Imagem: reprodução, publicada com a matéria


Bilhete em código Morse assinado por Marighella, que a polícia diz ter encontrado em setembro de 1969 em Peruíbe (SP). Segundo a tradução "com algumas dúvidas", havia um plano de um grupo de cem homens se encontrar com outros militantes para ações na região" (N.E.: a palavra em dúvida é [ação], sem acento e com cedilha representada por um ponto acrescentado à letra [c], o que resulta em [.-   -.-..   .-   ---]. No início do bilhete, a palavra [..  -.  ..-.  ---], transcrita com rasura, é [info].)
Imagem: reprodução, publicada com a matéria


Informe da Polícia Federal de Santos traz relato detalhado de um show de Chico Buarque em 28 de outubro de 1972 naquela cidade para um público de 2.000 pessoas. O cantor teria ficado com 80% dos 12 mil cruzeiros, segundo a PF. Com o valor arrecadado em dois shows, daria para comprar um fusca 1972 (N.E.: o local citado é o Instituto de Educação Estadual Canadá)
Imagem: reprodução, publicada com a matéria

 

"Pedi umas quatro ou cinco vezes para consultar essa documentação e a polícia dizia que não tinha mais nada"

Rodrigo Rodrigues Tavares - historiador e autor de dois livros sobre a história política de Santos (O Porto Vermelho e A Moscouzinha Brasileira)


Imagem: reprodução da página A-8 do jornal Folha de São Paulo de 26/2/2010

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