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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - AUTONOMIA
Deputado Rubens Paiva, cassado e morto (1)

Nome foi dado a viaduto em Cubatão e a terminal de ônibus em Santos
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Na quinta-feira, 6 de dezembro de 2012, o jornal paulistano O Estado de São Paulo destacou, nas páginas A14 e A15, um relatório sobre as ações da ditadura militar para se eximir de culpa quanto ao desaparecimento e morte do deputado santista Rubens Paiva, em 1971 (acervo Estadão - acesso: 23/1/2013):
 


Ditadura – O ex-deputado Rubens Paiva foi sequestrado e morto em 1971

Foto: álbum de família, publicada com a matéria

Caso Rubens Paiva ganha mais detalhes

Relatório mostra mobilização da ditadura para montar história que a livrasse de responsabilidade pela morte do ex-deputado Rubens Paiva

Wilson Tosta/RIO

Documentos oficiais sobre o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado e morto em 1971 por integrantes da repressão política no País, comprovam a mobilização da ditadura para tentar montar uma história que a livrasse da acusação de responsabilidade no caso. Guardada no Arquivo Nacional, a papelada inclui correspondência entre os então ministros Orlando Geisel (Exército) e Alfredo Buzaid (Justiça).

Os papéis incluem ainda o relatório de uma sindicância da Força sobre a suposta "fuga" do ex-parlamentar e autos de uma perícia no carro que, em versão fantasiosas, conduziria Paiva quando fugiu. Contraditoriamente, parte dos papéis comprova que o oposicionista estava em poder de militares quando "desapareceu" – na verdade, morreu sob tortura, segundo grupos de defesa de direitos humanos comprovaram, há anos.

A morte de Paiva após seu sequestro é um dos focos da Comissão da Verdade, criada para investigar crimes da ditadura. O órgão recebeu na semana passada documentos entregues à Polícia Civil do Rio Grande do Sul por familiares do coronel da reserva Júlio Miguel Molinas Dias, de 78 anos, assassinado em suposto assalto em 1º de novembro em Porto Alegre. A documentação inclui registro de entrada do ex-deputado no Destacamento de Operações de Informações (DOI) do Rio de Janeiro, que o militar integrou, e pode ajudar a elucidar o caso. Sua descoberta reforça indícios já presentes no material do Arquivo, que aponta militares que poderiam ser chamados à comissão para esclarecer o caso.

Alguns dos citados nos papéis, porém, já morreram. Foi o que ocorreu com o general Orlando Geisel, que, em 23 de junho de 1971, pelo aviso 60/1, encaminha ao ministro Alfredo Buzaid uma cópia da sindicância sobre o caso, chancelando, dessa forma, a versão da fuga espetacular do prisioneiro.

O ministro já Justiça, destinatário da correspondência, também já morreu. Assim como o então chefe do I Exército, general Sylvio Frota, que, em 31 de maio de 1971, por ofício ao Superior Tribunal Militar (STM), afirma que Rubens não estava "à disposição que qualquer OM deste Exército" – uma das obsessões dos militares, que insistiam em dizer que o ex-deputado não sumira em suas instalações.


Relatório – Sindicância do DOI afirma que Rubens Paiva fugiu

Imagem publicada com a matéria

Contradições – No mesmo documento, Frota tenta explicar como o carro de Paiva fora parar com o Exército, dizendo que o veículo fora apreendido corriqueiramente. O que aconteceu foi que, ao ser sequestrado em casa, o ex-deputado foi em seu veículo, sob escolta de seus captores. O Opel virou prova de que Paiva estava com os militares, que deram à família do ex-deputado um recibo pelo automóvel. Nem Geisel nem Frota afirmam nos documentos disponíveis que o ex-deputado fora preso no DOI-RJ – o que os papéis guardados por Molina comprovam, ajudando a enterrar de vez a farsa para encobrir o homicídio sob tortura.

"(…) Esclareço; outrossim, que segundo informações de que dispõe este Comando, o citado paciente quando era conduzido por agentes de segurança, para ser inquirido sobre fatos que denunciam atividades subversivas, teve seu veículo interceptado por elementos desconhecidos, possivelmente terroristas, empreendendo fuga para local ignorado, o que está sendo objeto de apuração por parte deste Exército", afirma o general.

Curiosamente, nesse trecho Frota contradiz parte da própria sindicância do Exército que comandava no Rio. O documento, de apenas duas páginas e sem depoimentos dos envolvidos, assinado pelo major Ney Mendes, praticamente reproduz outro, assinado pelo oficial de permanência, capitão Raimundo Ronaldo Campos. Ambos afirmam que Paiva foi resgatado no Alto da Boa Vista, quando voltava com Campos e os sargentos Jurandir Ochsendorf e Souza e Jacy Ochdendorf e Souza de uma diligência, em busca de um "elemento" que traria mensagens de exilados no Chile – não quando era levado para interrogatório.

Quem foi

Engenheiro civil, Rubens Paiva foi eleito deputado federal por São Paulo em 1962, na legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Com o golpe militar de 1964, teve seu mandato cassado no dia 10 de abril pela junta militar que assumiu o poder a partir da deposição de João Goulart

 

Documentos oficiais divergem sobre 'fuga" de ex-deputado

Perícia feita em carro de onde Rubens Paiva teria sido resgatado por terroristas contradiz outro relatório militar

Rio

O suposto resgate de Rubens Paiva por terroristas em dois carros teria ocorrido em meio a tiroteio, às 4h de 22 de janeiro de 1971. Sem detalhes como locais por onde o preso e sua escolta teriam passado, diz o documento: "O Sr. RUBEM (sic) não conseguiu identificar a casa e, ao regressarem, na pista de descida do Alto da Boa Vista, lado da Usina, o Volkswagen da equipe do DOI foi interceptado por dois outros Volks, um branco e outro verde ou azul-claro. Estes, violentamente, contornaram a frente do carro do DOI, cujos ocupantes (sic) dispararam as suas armas de fogo contra a Equipe. Esta abandonou o carro rapidamente, refugiou-se atrás de um muro e respondeu ao fogo".

O documento continua: "O Sr. RUBEM fugiu pela porta da esquerda, atravessou a rua e abrigou-se atrás de um poste, enquanto os elementos estranhos dispararam suas armas por trás dos seus carros sobre o carro do DOI. O carro do Destacamento incendiou-se. O Sr. RUBEM correu para dentro de um dos carros que logo partiram em alta velocidade".

A papelada do Arquivo Nacional sobre o ex-deputado Rubens Paiva e sua "fuga" inclui o resultado da perícia feita no carro incendiado de onde o ex-deputado teria fugido. O documento é assinado pelos então primeiro-tenente Armando Avolio Filho, comandante do Pelotão de Investigações Criminais, do 1º Batalhão de Polícia do Exército (Batalhão Zenóbio da Costa), pelo terceiro-sargento perito Lucio Eugênio de Andrade e pelo comandante da unidade, coronel José Ney Fernandes Antunes. Aponta 18 perfurações, "com os bordos voltados para o interior", e diz que foram encontrados no local estojos de munição calibre 45.

Essa última afirmação contradiz outra dos próprio s militares. No relatório de 22 de janeiro sobre a suposta fuga, o capitão Campos afirma que no momento em que a equipe do DOI saiu do carro, durante o suposto tiroteio, "foram deixados n seu interior dois carregadores de metralhadora 9 mm Beretta". Décadas depois, já como coronel, Avolio foi acusado de tortura. Ele negou a acusação.

A documentação do Arquivo Nacional inclui a "Informação nº 571/71-S/103-CIE", produzida pela Agência Central do Centro de Informações do Exército e difundida para a Agência Central do Serviço Nacional de Informações (CIE) e para a Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça (DSI-MJ).

O documento, de 19 de março de 1971, critica a participação do líder do MDB, partido de oposição consentida ao regime militar, na reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana no dia 10 anterior, que tratara do desaparecimento de Rubens Paiva.

Reunião – O CIE reclama que Horta, por dar entrevistas sobre o assunto, quebrara de sigilo do encontro que tratara do que chama de "apenas uma denúncia". Àquela altura, o desaparecimento de Paiva já mobilizava o meio político.

"Terminada a reunião, o deputado PEDROSO HORTA, além de fazer declarações públicas criticando a forma de funcionamento do Conselho, distribuiu à imprensa cópia dessa denúncia, que, antes de quaisquer diligências, tece considerações incriminatórias ao I Exército", diz o documento. / W. T.

Compromisso

"Agora é preciso aprofundar essa análise. O impacto da ditadura na área parlamentar foi profundo. Quem mais sofreu foi a Câmara, a casa do povo"

Luiza Erundina
Deputada, presidente da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça

Câmara devolve mandato de cassados na ditadura

Ato simbólico homenageia 173 deputados federais, dos quais 26 estão vivos; Almino Affonso e Plínio de Arruda devem participar do evento hoje

Roldão Arruda

A Câmara dos Deputados promove hoje, em sessão solene, a devolução simbólica dos mandatos dos 173 deputados federais que tiveram os mandatos cassados no período do regime militar (1964-1985). Desse grupo, 26 estão vivos e 17 confirmaram presença na cerimônia, segundo informações do cerimonial do Legislativo.

Familiares dos parlamentares mortos foram convidados para participar da sessão, que começa às 15 horas. Representantes da Comissão Nacional da Verdade também estarão presentes.

Os militares começaram a cassar os opositores do regime autoritário logo após sua implantação. O Congresso chegou a ser fechado em três ocasiões.

A primeira lista de cidadãos que tiveram direitos políticos cassados foi anunciada no dia 10 de abril de 1964. Continha 102 nomes, dos quais 41 eram deputados federais. Da primeira lista faziam parte Rubens Paiva, Almino Affonso e Plínio de Arruda Sampaio, que apoiavam o governo deposto de João Goulart. Os dois participarão da cerimônia de hoje. A maior parte das cassações ocorreu por meio do Ato Institucional nº 5, editado em dezembro de 1968. Da longa lista dos punidos também fizeram parte Mário Covas, Leonel Brizola, Ivete Vargas, Chico Pinto e Alencar Furtado.

Ao analisar a lista, a deputada Luiza Erundina, presidente da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, observou que parte significativa dos cassados exercia o primeiro mandato. "Eram os mais idealistas, os que tinham menos medo e que disseram não ao autoritarismo", assinalou a deputada.

Ainda de acordo com Erundina, essa é a primeira vez que a Câmara analisa sua história naquele período. "Agora é preciso aprofundar essa análise. O impacto da ditadura na área parlamentar foi profundo. Quem mais sofreu foi a Câmara, a casa do povo", afirmou.

A deputada ainda assinalou que o regime cassava todos os que se opunham de maneira clara aos desmandos do Executivo. Mantinha, no entanto, o Congresso em funcionamento, para garantir uma imagem democrática. "Foi sob essas condições que conseguiram aprovar em 1979 a Lei da Anistia, em vigor até hoje, embora seja esdrúxula, manca e alheia àquilo que os democratas queriam na época", disse.

A homenagem não distingue parlamentares que tiveram o mandato cassado por oposição daqueles que perderam o mandato sob suspeita de corrupção. "O que imperava nas cassações era o arbítrio, a ausência de qualquer participação do parlamento nas decisões", afirmou.

Dragões – O cerimonial da Câmara deve reproduzir hoje quase todos os atos que ocorrem nas cerimônias comuns de diplomação de deputados. Estava prevista até a participação de um grupo da guarnição dos Dragões da Independência, normalmente convocada para cerimônias solenes no Palácio do Planalto, no Itamaraty e no Congresso.

O comando do Exército informou ontem, porém, que os militares não participarão da homenagem aos cassados. Segundo a instituição, a ausência se deve a problemas na agenda dos Dragões, sempre muito solicitada nessa época do ano.

O jornal santista A Tribuna publicou, na edição de 20 de janeiro de 2013, nas páginas A-1, A-4 e A-5:


Ex-deputado santista Rubens Paiva e a esposa, Eunice (à esq.), tiveram cinco filhos, entre eles Maria Eliana Facciola Paiva (em pé), que foi presa aos 15 anos, juntamente com a mãe

Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-1

Rubens Paiva. A verdade, enfim

Estudo da Comissão da Verdade revela que ex-deputado santista foi assassinado

Hoje faz 42 anos que o ex-deputado federal santista Rubens Paiva foi retirado de sua casa por militares e encaminhado a uma unidade de repressão da ditadura, de onde nunca mais retornaria. Durante muitas décadas Rubens foi dado como desaparecido. Estudo recente, porém, revela que ele foi assassinado. Em entrevista exclusiva a A Tribuna, a filha Maria Eliana Paiva conta sua versão da história.

Depoimento

"Vi o que era o DOI-Codi por dentro e sabia que a versão oficial era uma balela"

Maria Eliana Facciola Paiva, filha de Rubens Paiva

Coordenador da Comissão Nacional da Verdade divulgará texto revelando o que aconteceu ao ex-deputado santista

Leonardo Costas

Da Redação

20 de janeiro de 1971. Há exatos 42 anos, a equipe do Centro de Inteligência da Aeronáutica (Cisa) invadia a casa do ex-deputado federal santista Rubens Paiva (PTB), no Rio de Janeiro. Ele foi levado para uma unidade do DOI-Codi (sigla para Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) do I Exército, órgão de repressão da ditadura.

Durante muitos anos – ou melhor, décadas –, Rubens foi dado como desaparecido. Porém, segundo estudos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), não restam dúvidas de que o ex-parlamentar foi torturado e morto na unidade.

As primeiras informações apareceram em novembro do ano passado. No começo daquele mês, o coronel Júlio Miguel Molinas Dias, ex-comandante do DOI-Codi, foi morto a tiros em Porto Alegre (RS). A polícia recolheu papéis da casa dele para tentar encontrar uma pista dos criminosos e acabou localizando dois documentos sobre o ex-deputado.

"Um traz informações de quando o Rubens Paiva é entregue ao DOI-Codi pelos agentes da Cisa. O outro fala sobre o carro do parlamentar que ficou nas dependências da unidade", explica o coordenador da CNV, Claudio Lemos Fonteles.

Esse foi o pontapé inicial de uma pesquisa profunda sobre o caso por parte do coordenador. "A partir daquele momento, mergulhei no Arquivo Nacional para buscar outras documentações alusivas à história do Paiva e consegui. E, diante da análise, não tenho dúvidas de que ele foi torturado e morto no DOI-Codi do I Exército do Rio de Janeiro".

No início de fevereiro, Fonteles deve divulgar um texto com mais dados sobre o que aconteceu com Paiva. Entre as informações, deve constar a data de seu falecimento, que, de acordo com o pesquisador, ocorreu "próximo ao dia da captura". Porém, não há detalhes do que aconteceu com o corpo. "Não sei. Não tenho documentos sobre isso", afirma.

As informações enterram de vez a falsa versão divulgada pelo Governo da época. "O discurso sustentado era de que o Paiva foi levado, uma noite, para fazer o reconhecimento de uma casa em um carro dirigido por um capitão, que tinha ao seu lado um sargento. Atrás estariam o ex-deputado e outro sargento. Na volta para a unidade, dois carros interceptam o veículo. Há uma troca de tiros e ele consegue fugir. Segundo a versão oficial da época, o estado dele era de foragido. Mas isso nunca aconteceu".

Para Fonteles, Paiva não representava perigo à ditadura militar. Ele compara a história do santista com a do operário metalúrgico Manuel Fiel Filho, que foi morto e torturado no DOI-Codi de São Paulo, em 1976. "O Paiva não era visto como ameaça e, por isso, assemelho esse caso ao do Manuel, que foi preso ao distribuir o jornal Voz Operária. Prenderam, bateram e o mataram. Acho que com o Paiva aconteceu a mesma coisa. Alguns aguentam, mas outros não. Batiam tanto, atingiam pontos vitais, que o sangue jorrava, veias se rompiam e pessoas morriam. Acho que aconteceu algo semelhante a isso".

Longe de ser ameaça, o coordenador da CNV diz que o ex-deputado santista era "uma pessoa fiel ao seu ideal político" e o classifica como "um exemplo para os políticos de hoje".

A prisão - Momentos antes de ser capturado, o telefone da casa de Rubens Paiva tocou. Uma mulher informava ter uma carta do Chile e precisava entregá-la. A correspondência seria de Helena Bocayuva, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).

Ela foi fiadora da casa onde, em 1969, o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick foi mantido durante seu sequestro.

Helena teve ajuda do ex-deputado para fugir ao território chileno. Mandou uma carta de agradecimento por meio de uma conhecida, que foi presa logo após desembarcar no Rio.

Às 11h30, seis homens à paisana, fortemente armados, invadiram a casa de Paiva. Disseram ter ordens da Aeronáutica para levá-lo. Ele trocou de roupa e saiu dirigindo o próprio carro. Não voltaria.


Rubens Beyrodt Paiva, nascido em Santos em 1929, foi engenheiro civil e se elegeu deputado federal, em 1962, pelo PTB do então presidente da República, João Goulart. Após o golpe que resultou na deposição do mandatário, os militares que assumiram o Governo editaram seu primeiro Ato Institucional, no qual Paiva foi cassado e teve os direitos políticos suspensos

Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-4

Para contemporâneo, um homem "idealista"

O ex-deputado estadual Oswaldo Rodrigues Martins (do MDB, atual PMDB) foi cassado em 1969. Nascido em Santos, ele ressalta que teve pouco contato com Rubens Paiva, mas o enxergava como fiel aos seus princípios políticos.

"Convivia mais com o irmão dele, Carlos Paiva (morto em 1971). Porém, nas vezes em que via o Rubens, encontrava uma pessoa alegre, bem disposta, de bom humor e idealista, pois fazia política através de suas convicções", ressalta.

O ex-parlamentar aproveita para comparar os princípios políticos de Rubens Paiva com os do falecido ex-governador Mario Covas – a quem o grupo de Martins, na época, apoiava para deputado federal.

Atualmente com 83 anos, ele relembra um momento de encontro com Paiva, pouco antes do início da ditadura militar. "Estava saindo do prédio do Ministério do Trabalho, e ele estava entrando. Nos cumprimentamos, conversamos e me lembro muito bem da frase que me disse: 'Oswaldo, a corda esticou'. Ele queria dizer que um grupo sairia vencedor, e outro, perdedor".

Após a prisão de Rubens Paiva, Osvaldo afirma que evitava tocar no assunto com a família dele. "Era algo muito delicado. O Carlos não tinha informações, e eu respeitava a dor que a família sentia".

Documentos e impressões

"Não tenho dúvidas de que ele (Paiva) foi torturado e morto no DOI-Codi do I Exército do Rio"
"(A morte) Foi próxima ao dia da captura (do ex-deputado). Não sei o que houve com o corpo"
"(Paiva é) Um exemplo para os políticos de hoje"

Claudio Lemos Fonteles, coordenador da Comissão Nacional da Verdade


Depois que foi cassado, Paiva dedicou-se à Engenharia e teve mais momentos felizes com a família. Na foto, suas quatro filhas, Vera Silvia, Ana Lucia, Maria Eliana e Maria Beatriz, ainda bebê (Marcelo, o único menino, não está na imagem), em uma casa da Alameda Tietê, em São Paulo

Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-4

Ele prova o que diz

O coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Claudio Lemos Fonteles, que apura a morte de Paiva, faz questão de comprovar a veracidade das informações que divulga. "A construção dos meus textos tem demonstração probatória, ou seja, o que falo, provo com documentos descobertos no Arquivo Nacional e que foram produzidos pelo próprio estado militar ditatorial. Eram documentos secretos e que agora são públicos".

Ele diz, ainda, que o objetivo da comissão é impedir que, um dia, volte a haver ditaduras no Brasil. "Há uma frase na minha sala que eu adoro e se aplica a nossa missão: 'Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça'. É justamente isso o que queremos".


Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-4

Devolução simbólica

Eleito deputado federal pelo PTB para exercer a legislatura entre 1963 e 1967, Rubens Paiva conquistou 13.440 votos, mas seu mandato foi cassado em 10 de abril de 1964, na primeira leva de cassações anunciada pelo novo regime.

Em dezembro de 2012, teve, junto com outros 172 parlamentares cassados no período militar, seu mandato devolvido simbolicamente em sessão solene na Câmara dos Deputados.

Além dele, outros quatro homenageados eram ligados a Santos: Paulo Jorge Mansur (PTB), pai do deputado federal e ex-prefeito de Santos Beto Mansur (PP); o ex-governador Mário Covas (MDB); Alberto Marcelo Gato (MDB); e Gastone Righi (MDB), o único vivo entre eles.


Rubens Paiva e a esposa, Eunice, tiveram cinco filhos: Vera Silvia Facciolla Paiva (hoje com 59 anos), Maria Eliana Facciolla Paiva (57), Ana Lucia Facciolla Paiva (55), Marcelo Rubens Paiva (53) e Maria Beatriz Facciolla Paiva (52). Eliana, a menina que está em pé na foto, foi presa aos 15 anos juntamente com a mãe, no dia seguinte à detenção do ex-deputado, e agredida por militares

Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-4

Entrevista

Maria Eliana Facciolla Paiva, filha de Rubens Paiva.

"Presa, eu meio que sabia que o papai tinha morrido"

Leonardo Costas

Da Redação

Rubens Beyrodt Paiva nasceu em Santos, no dia 26 de dezembro de 1929. Hoje teria 83 anos, caso não fosse torturado e morto no DOI-Codi do I Exército do Rio de Janeiro, no início de 1971. Casou-se com Maria Lucrécia Eunice Facciolla, que está com 83 anos, mas com a saúde debilitada, pois sofre do Mal de Alzheimer.

O casal teve cinco filhos: Vera Silvia Facciolla Paiva (59 anos), Maria Eliana Facciolla Paiva (57), Ana Lucia Facciolla Paiva (55), Marcelo Rubens Paiva (53) e Maria Beatriz Facciolla Paiva (52). Recentemente, veio a público a informação que a esposa e a segunda filha do casal foram presas em 21 de janeiro de 1971, um dia após Rubens Paiva.

Em entrevista reveladora para A Tribuna, Maria Eliana Facciola Paiva, que atualmente reside no Rio de Janeiro, conta o que viveu dentro do DOI-Codi e os motivos que a levaram a segurar por tanto tempo sua história. Até poucos anos os irmãos desconheciam sua prisão.

Como você e seus irmãos lidam com a história do seu pai?
Cada um tem uma relação diferente quanto a isso. Fomos ficando mais velhos, outras prioridades nos tomavam. Tanto que só resolvi falar sobre o tema recentemente, até porque minha mãe não vai entender, pois está com Mal de Alzheimer. De qualquer forma, nem eles (os irmãos) sabiam o que tinha acontecido comigo dentro do DOI-Codi.

Por que motivo?
Eles não sabiam da história da minha prisão e também nunca me perguntaram. Isso aconteceu porque fui presa aos 15 anos. Nessa época, minha mãe estava absolutamente lúcida e assumiu todo o trabalho familiar. Mudamos para Santos, para a casa de meu avô Jaime Almeida Paiva (o local abrigou o antigo Clube XV e hoje é sede da Caixa Econômica Federal, no Gonzaga). A família do meu pai era uma família burguesa de Santos. E comentar problemas políticos tinha certas resistências. Não cabia a mim discutir este tipo de assunto na minha idade. E como minha mãe gerenciou a situação, eu não comentava nada com meus irmãos. Além disso, estávamos em uma época de ditadura e muita coisa não podia ser dita. Até porque a maioria da população não iria acreditar.

Quando e por que resolveu se manifestar?
Em 2011, houve a exposição Rubens Paiva, em São Paulo. Foi algo que mexeu muito comigo, tanto que não fui em um primeiro momento, pois chorava muito. Chorava o dia inteiro porque voltou tudo na minha cabeça. Só fui lá nos últimos dias. Antes, por uma série de circunstâncias, não era importante falar. Agora, abri a boca e falei.

Você não havia contado sua história anteriormente em nenhuma situação?
A única vez que falei estava em um Carnaval na Bahia com o Rogério Ramos, neto do (escritor) Graciliano Ramos. Estávamos na casa do James Amado, irmão do (escritor) Jorge Amado. Um pessoal comunista, ligado à esquerda. Eu não bebia, mas o Rogério ficou me enchendo o saco para que eu contasse esta história. Aí, virei uma garrafa de cerveja e falei. Só que ele passou a ter uma crise de choro na minha frente. Depois disso, não falei pra ninguém. Não queria ter amigos tendo crise de choro. Aí, o tempo foi passando, meu irmão sofreu um acidente. Enfim, tinha coisas muito mais sérias naquele momento, em termos familiares, do que ficar contando como tinha sido presa pelo DOI-Codi.

Você e sua mãe foram presas no dia seguinte. Então, melhor do que ninguém, você pode dizer o que era o DOI-Codi...
Era um inferno total e absoluto. Fomos presas no dia 21 de janeiro de 1971. Fui liberada 24 horas depois, mas a sequência foi complicada. Foram 12 dias com a mamãe presa e eu segurando a barra da família, esperando que soltassem pelo menos um dos dois. Mas, ao mesmo tempo, eu meio que sabia que o papai tinha morrido. Vi uma série de circunstâncias dentro do DOI-Codi que mostraram um pouco isso.

Então, o que você achava da versão oficial do Governo em relação ao desaparecimento de seu pai?
Nunca me convenceu, porque eu vi o que era o DOI-Codi por dentro e sabia que a versão oficial era meio que uma balela.

Você foi torturada?
Fiquei com capuz, tomando cascudos na cabeça e era chamada de comunista o tempo todo.

E sua mãe?
Ela nunca falou, mas tenho a impressão de que foi um pouco mais respeitada do que eu. Acho que sua pior tortura foi saber que eu havia sido libertada somente depois de dois dias. Perguntava sobre ela, e os guardiões falavam que a mamãe estava estirada no colchão e não se mexia. Dentro do DOI-Codi, a encontrei uma vez, na sala de interrogatório, mas estávamos encapuzadas.

Como foi o período até a libertação de sua mãe?
Quando saí da prisão, me reunia todos os dias com os amigos do meu pai tentando fazer um movimento pela imprensa internacional para ver se conseguíamos pressionar e, assim, obter algum tipo de informação. Cheguei a ir com meu avô levar roupas para meus pais. Doze dias depois, minha mãe chega em casa de táxi. E, como me deram a bolsa dela dentro do DOI-Codi, a primeira coisa que ela perguntou era onde estava a bolsa.

Você viu a prisão de seu pai?
Eu acordei e ele estava na minha casa com Raul Ryff, jornalista que foi assessor de imprensa do João Goulart. Dei um beijo nele, fui para a praia (no Rio de Janeiro). Quando voltei, por volta de 13h30, ele já tinha sido preso.

Como era a relação de Rubens Paiva com Santos?
Papai adorava Santos. Sempre foi santista, assim como meus avós. Os Paivas eram santistas e os Facciollas tinham uma casa em São Vicente.

Após o assassinato do coronel Júlio Miguel Molinas Dias, ex-comandante do DOICodi, em novembro de 2012, a polícia encontrou na casa dele dois documentos relacionados a Rubens Paiva. O que representa para você?
A descoberta do documento de Molinas é muito importante em termos jornalísticos, mas em termos jurídicos parece que não acrescenta muita coisa.

O que você espera do final deste processo?
Quero que exista uma documentação factual e, não, uma documentação imaginária. Espero que a realidade dos fatos seja contada de uma maneira histórica e objetiva.


Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-5

Viu e viveu

"Eu vi o que era o DOI-Codi por dentro e sabia que a versão oficial (sobre o desaparecimento de Rubens Paiva) era meio que uma balela"

"Dei um beijo nele (Paiva), fui para a praia (no Rio de Janeiro). Quando voltei, por volta 13h30, ele já tinha sido preso"

"(Na prisão) Fiquei com capuz, tomando cascudos na cabeça e era chamada de comunista o tempo todo"

"Espero que a realidade dos fatos seja contada de uma maneira histórica e objetiva"

"Papai adorava Santos. Sempre foi santista, assim como meus avós"

Maria Eliana Facciola Paiva, filha de Rubens Paiva


Rubens Paiva e a esposa, Eunice, tiveram cinco filhos: Vera Silvia Facciolla Paiva (hoje com 59 anos), Maria Eliana Facciolla Paiva (57), Ana Lucia Facciolla Paiva (55), Marcelo Rubens Paiva (53) e Maria Beatriz Facciolla Paiva (52). Eliana, a menina que está em pé na foto, foi presa aos 15 anos juntamente com a mãe, no dia seguinte à detenção do ex-deputado, e agredida por militares

Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria, na página A-4

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