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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Demografia-1913
Mudanças no crescimento populacional (1)

Os problemas de um recenseamento, apesar dos critérios adotados

Em 1914, foi publicada pela Prefeitura Municipal de Santos a obra Recenseamento da Cidade e Município de Santos em 31 de dezembro de 1913, que faz parte do acervo do historiador santista Waldir Rueda. Além de uma análise sobre o estado do município nesse ano, o livro apresenta a metodologia e os resultados do censo, e faz ainda comentários sobre os recenseamentos anteriores (ortografia atualizada nesta transcrição):

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PRIMEIRA PARTE
PREMIÈRE PARTIE

I - Histórico e marcha da operação

O Município de Santos, sob o regime republicano, apenas fora recenseado duas vezes: no primeiro censo geral a que se procedeu, em 1890, após a instalação da nova forma de governo; e em 1900.

Tais recenseamentos foram, contudo, antes tentativas malogradas, do que um serviço real. As operações, por falta de recursos orçamentários suficientes, de plano metodizado, e de pessoal numeroso e capaz, foram mal executadas em todo o território nacional.

Em Santos, no censo de 1890, encontrou-se uma população de 13.012 almas (N.E.: número assim corrigido pela errata da publicação), quando, 4 anos antes, o censo provincial de 1886 acusara a existência de mais de 15.000 habitantes.

Sobre as cifras de 1890 e as de 1900, evidentemente aquém da veracidade, era impossível fazerem-se cálculos aproximativos do aumento da população no transcorrer dos tempos. Nenhum cálculo razoável pode-se fazer do crescimento normal de uma população qualquer, sem a existência de um censo anterior regularmente executado.

Além disso, os dados do movimento da população, concernentes ao registro civil neste Município, só de um decênio para cá é que começaram a merecer crédito aos profissionais da estatística, pois antes disso eles eram falhos e não exprimiam, nem ao menos relativamente, a verdade procurada. Ora, se não se podem fazer cálculos do crescimento de um dado povo, sem um recenseamento anterior, também sem algarismos exatos sobre a natalidade e a mortalidade é igualmente impossível executar tais cálculos.

Contudo, era urgente que a Administração local conhecesse a base numérica da população, cujos destinos sociais e econômicos cumpria-lhe encaminhar patrioticamente no seio do progresso e da civilização paulista.

Após o advento da República, e a partir, sobretudo, do ano de 1907, o Município de Santos principiou a despertar do seu longo torpor de tantos anos de estagnação e de marasmo, e a desenvolver-se prodigiosamente.

O impulso inicial fora dado pelo Governo do Centro, com a construção do cais, obra que, além de facilitar o atracamento, e a carga e descarga dos maiores transatlânticos em nosso porto, estabelecendo rápidas comunicações comerciais e internacionais com todo o mundo, contribuiu poderosamente para o saneamento do lameirão infecto que contornava extensamente o litoral da cidade.

Veio depois o Governo do Estado, premido pela inadiável necessidade de forrar S. Paulo aos perigos das invasões epidêmicas da febre amarela, e atacou resolutamente o problema do saneamento do solo santista. Todas as Municipalidades timbraram em auxiliar, na medida de sua competência, os esforços da administração estadual; e as Câmaras que surgiram, de 1907 para cá, mostraram-se absolutamente inexcedíveis nesse elevado propósito.

Diante do interesse que os três governos manifestavam pelos melhoramentos do segunto porto da República, o nosso povo sentiu-se na obrigação de facilitar a tarefa dos agentes do poder e a atividade particular associou-se entusiasticamente à obra governamental, num esforço solidário e comum. Santos cresceu rapidamente, desenvolveu-se, tornou-se uma cidade bela, salubre, sociabilizada, habitável, em uma palavra.

Mas com o seu progresso, as suas necessidades aumentaram proporcionalmente e tornaram-se imperiosas. À cogitação dos administradores se impôs um conjunto de problemas a resolver, atinentes às suas rendas, que não crescem na proporção das despesas; à sua higiene, à sua instrução, à sua estética, à sua assistência oficial, à sua caridade privada, às diversas modalidades, enfim, que dizem respeito ao bem-estar de uma população em pleno desenvolvimento geral.

A falta de um recenseamento exato criava, a cada passo, dificuldades sérias, não só à Administração, mas aos próprios estabelecimentos aqui fundados e cuja função consiste em superintender e encaminhar o estudo das questões ligadas especialmente à vida econômica da nossa praça. A Associação Comercial já lembrara oficialmente à Municipalidade a inadiável necessidade de se proceder a tão importante operação.

Por sua vez, cumpria à Câmara de Santos dar execução ao disposto no art. 118 do Decreto Estadual n. 1.454, de 1907, que reza assim: "As Municipalidades procederão, pelo menos, de dez em dez anos, ao recenseamento geral da sua população, e uma vez feito com a maior clareza e minudência possível, será remetida uma cópia à Repartição de Estatística e do Arquivo".

Mandando executar esse serviço, a Municipalidade cumpria a lei; e assim votou uma verba de 100 contos de réis no orçamento do vigente exercício para a realização do censo.

A 29 de novembro deste ano, ela resolveu iniciar o serviço, pela votação da lei que transcrevemos:

Lei n. 523, de 29 de novembro de 1913

Fixa o dia 31 de dezembro de 1913,
para o recenseamento
da população do Município.


O cidadão Carlos José Pinheiro, vice-prefeito municipal, em exercício, nesta cidade de Santos.

Faço saber que a Câmara Municipal decretou e eu promulgo a lei seguinte:

Artigo 1º - Fica marcado o dia 31 de dezembro, à meia-noite em ponto, para o recenseamento da população desta cidade e Município;

Artigo 2º - Todas as pessoas presentes, nesse dia e hora, serão recenseadas, quer sejam nacionais como estrangeiras, quer aqui residam habitualmente ou estejam de passagem, quer sejam terrestres como embarcadiças;

Artigo 3º - O sr. prefeito determinará que a Comissão de Recenseamento, estabelecida para esse fim, organize, submetendo à sua prévia aprovação, as instruções indispensáveis para a boa execução da operação censitária;

Artigo 4º - Revogam-se as disposições em contrário.

Registre-se e publique-se.

Mando, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da presente Lei competir, que a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nela se contém.

Secretaria da Prefeitura Municipal, Santos, 29 de novembro de 1913.
- (a) Carlos José Pinheiro, vice-prefeito municipal, em exercício;
Amando Stockler, diretor geral interino.

A Comissão de Recenseamento, em obediência à lei municipal, tratou logo de organizar o plano censitário, e, cingindo-se ao dispositivo do decreto estadual, de 1907, acima citado, cogitou de fazer um serviço com a maior minudência possível.

Organizado esse plano, foi ele submetido à apreciação do sr. Carlos José Pinheiro, vice-prefeito municipal, que o aprovou, e mandou dar-lhe execução imediata, como se vê do Ato seguinte:

Instruções para o Recenseamento da população municipal

O vice-prefeito de Santos, em exercício, em cumprimento das disposições da lei n. 532, de 29 de novembro deste ano, que marcou para 31 de dezembro próximo o recenseamento da população desta cidade e município, resolve aprovar as instruções abaixo, relativas às regras e à marcha a seguir nas operações do referido censo.

Artigo 1º - Todo o indivíduo, brasileiro ou estrangeiro, que se achar presente em Santos, à meia noite do dia 31 de dezembro de 1913, em terra ou a bordo, será recenseado na habitação em que pernoitar, embora aqui se encontre temporariamente ou de passagem.

Também será recenseado o indivíduo que estiver ocasionalmente ausente da cidade, no dia da operação, mas que nela tenha o seu domicílio certo.

Artigo 2º - A população presente abrangerá, pois, todos os indivíduos que no dia e hora do censo aqui se acharem, e a totalidade apurada será dividida nas seguintes categorias estatísticas:

a) População efetiva ou legal;
b) População flutuante ou de passagem;
c) População contada à parte.

Artigo 3º - A população efetiva ou legal é representada pelo número de indivíduos com residência permanente no município, tanto ausentes, como presentes.

A população flutuante ou de passagem compõe-se:

a) das pessoas que aqui estiverem temporariamente habitando casas particulares;

b) dos hóspedes dos hotéis, residindo habitualmente fora de Santos;

c) dos passageiros e tripulações dos navios surtos no porto;

d) dos pescadores e pequenos agricultores de outros municípios que aqui vêm vender os seus produtos e habitam nas suas canoas e barcas;

d) dos mercadores ambulantes, que vão de uns a outros municípios, vendendo suas mercadorias;

f) dos vagabundos sem domicílio certo que dormem nos postos policiais.

A população contada à parte é aquela que não contribui para a aplicação das leis de impostos e de outras leis municipais, já pela natureza oficial de sua organização, já porque os seus elementos, embora estacionem prolongadamente no município, podem ser, de repente, removidos para fora dele, como, por exemplo, os destacamentos policiais e os corpos de exército.

Consideram-se, pois, como constitutivas da população contada à parte, as seguintes pessoas e coletividades:

a) os corpos de exército e os de polícia e as forças de mar, que deverão ser recenseadas nos respectivos quartéis e navios;

b) os presos, cumprindo pena ou esperando julgamento;

c) a Escola de Aprendizes Marinheiros;

d) os orfanatos e internatos gozando de favores públicos;

e) o Asilo de Mendicidade;

f) os hospitais;

g) as comunidades religiosas, cujos membros fizeram voto de renúncia.

Artigo 4º - Observar-se-ão as exceções constantes do presente artigo.

O Corpo de Bombeiros, que será recenseado em seu quartel, fará parte da população municipal efetiva.

Os diretores e empregados da Escola de Aprendizes Marinheiros, do Asilo de Mendicidade, dos internatos, dos orfanatos e dos hospitais, que residirem em tais estabelecimentos com as respectivas famílias, serão aí recenseados, mas farão parte da população municipal efetiva.

Os doentes hospitalizados, com residência fixa nesta cidade, serão também computados como elementos integrantes da população efetiva.

Os membros das comunidades religiosas que desempenharem funções permanentes a serviço das escolas ou dos hospitais, serão também incluídos na totalidade da população efetiva ou legal.

Artigo 5º - A operação censitária será feita por meio de listas de família, cuja distribuição pelos domicílios, a cargo de agentes remunerados, começará a 10 de dezembro. A arrecadação terá seu início a 2 de janeiro seguinte.

Das listas constarão:

a) o nome da rua;
b) a numeração da casa;
c) o número de andares de cada casa;
d) o nome de cada habitante (que pode ser substituído pelo número de ordem);
e) o sexo;
f) o grau de instrução;
g) a cor;
h) o estado civil;
i) a idade;
j) a naturalidade dos brasileiros;
k) a nacionalidade dos estrangeiros;
l) a adoção, ou não, por parte destes, da nacionalidade brasileira;
m) a religião;
n) a profissão;

No rosto das listas serão impressas instruções claras para o bom preenchimento delas.

Artigo 7º (N.E.: notada a ausência de um Artigo 6º, não explicada no texto original) - Para os fins do recenseamento, as profissões ficam assim divididas:

Agricultura (compreendendo a grande e a pequena lavoura e a horticultura);
Piscicultura e Avicultura;
Indústria extrativa (mangues, pedreiras e carvoeiras);
Indústria fabril e outras;
Transportes por terra e por mar;
Comércio (comissários, banqueiros, exportadores, corretores, atacadistas, varejistas, hoteleiros, taverneiros etc.)
Administração pública (funcionários em atividade, estaduais, federais e municipais, militares ou civis);
Sacerdócio (católico e acatólico);
Classes inativas (aposentados e reformados);
Profissões liberais (magistrados, juristas, jornalistas e escritores, magistério público e privado, médicos e classes assessórias);
Profissões técnicas (engenheiros em geral, arquitetos, agrimensores etc.);
Pessoas que vivem de suas rendas (capitalistas e proprietários);
Profissões sujeitas à polícia de costumes (donos de casas de tolerância, mulheres públicas);
Serviço doméstico (criados em geral);
Os vagabundos e os mendigos serão considerados como não tendo profissão alguma.

Artigo 8º - O município será dividido em tantos distritos urbanos e rurais quantos forem necessários para maior exatidão e rapidez do trabalho.

Artigo 9º - Cada distrito será dirigido por um chefe, a quem compete fiscalizar os trabalhos dos agentes, instruí-los nos seus deveres e elucidar quaisquer dúvidas levantadas por qualquer munícipe.

Artigo 10 - A apuração será feita por distritos censitários, adotando-se para seu bom resultado o processo que for julgado mais seguro e célere.

Artigo 11 - A Comissão de Recenseamento executará todo o serviço censitário, desde a distribuição das listas até a apuração final.

Artigo 12 - Terminando esta, os resultados serão sujeitos à apreciação da Prefeitura, que, se os julgar exatos, mandará dar-lhes publicidade em volume redigido em português e francês, ilustrado com diagramas elucidativos.

Artigo 13 - Esta Prefeitura solicitará das autoridades federais e estaduais, e das empresas de navegação e outras, o seu auxílio para o bom êxito do censo.

Artigo 14 - Todas as autoridades e funcionários municipais serão obrigados a auxiliar o trabalho dos agentes recenseadores e a atender aos pedidos de esclarecimentos por parte de cada munícipe.

Artigo 15 - Aos munícipes que se negarem a ministrar as informações pedidas, ou que as derem evidentemente falsas, será aplicada a multa de 10$ a 50$000.

Artigo 16 - Os chefes de distritos perceberão um vencimento mensal que lhes será marcado ulteriormente e os agentes terão uma diária arbitrada pela Comissão de Recenseamento, sob aprovação desta Prefeitura.

Artigo 17 - As listas de família, depois de sua apuração final, serão incineradas.

Artigo 18 - Os agentes e chefes de distritos serão escolhidos entre cidadãos inteligentes e bem educados e qualquer falta que porventura cometam para com o público deverá ser comunicada ao diretor da Comissão de Recenseamento, que os punirá depois de averiguar a procedência da queixa.

Artigo 19 - A cada agente será dada uma caderneta-inventário para lançamento das casas que visitar e dos números de boletins que deixar em cada uma delas.

Artigo 20 - A Comissão de Recenseamento contratará o número de empregados necessários aos trabalhos da apuração final.

Artigo 21 - Ficam aprovadas as instruções que a Comissão elaborou para o fácil preenchimento das listas de família, cujo modelo fica igualmente aprovado.

Artigo 22 - Tanto o modelo das listas (em tamanho reduzido) como as instruções impressas no seu rosto, deverão ser igualmente publicadas na imprensa para o público familiarizar-se com elas.

(Assinados): Carlos José Pinheiro, vice-prefeito municipal, em exercício; Amando Stockler, diretor geral interino.

Modelo da lista de família, a que se referem as instruções acima


(ROSTO)
Prefeitura Municipal de Santos
Comissão de Recenseamento
Lista de família para o censo de 31 de dezembro de 1913 - Instruções para o preenchimento da presente lista

........distrito........................................................................................
Bairro de..............................................................................................
Prédio n...............................................................................................
Rua.....................................................................................................
É térreo?............ É assobradado?............................................................
É de um andar?........ É de dois?...............................................................
De três?.......... de mais de três?..............................................................


Os agentes declararão quais os prédios vagos, em ruínas, em reconstrução ou construção.

NOMES - É conveniente que todas as pessoas dêem seus nomes por extenso, não se admitindo pseudônimos nem apelidos. Aquelas, porém, que não quiserem, por motivos particulares, dar o seu nome, basta que respondam aos demais quesitos, na ordem numeral estabelecida na lista. O n. 1 compete sempre ao chefe da família ou à principal pessoa da casa, seguindo-se as demais conforme a hierarquia natural. As pessoas maiores de 90 anos darão seu nome por extenso para constituírem um quadro especial.

SEXO - Um simples M ou F designará respectivamente se o recenseado é homem ou mulher.

IDADE - Dizer quantos anos completos, meses ou dias tem.

COR - Informar se é branco, preto, caboclo ou pardo.

ESTADO CIVIL - Responder se é solteiro, casado ou viúvo. Os separados legalmente devem responder que são casados.

NATURALIDADE DOS BRASILEIROS - Nesta coluna os naturais do Brasil declararão em que Estado nasceram.

NACIONALIDADE DOS ESTRANGEIROS - Dizer o país em que nasceram.

ACEITOU A NACIONALIDADE BRASILEIRA? - Os estrangeiros responderão SIM ou NÃO a esta indagação.

SABE LER E ESCREVER - Os que só souberem ler, ou os que só souberem assinar o nome, responderão negativamente a este quesito, que é destinado apenas aos adultos.

FREQÜENTA ESCOLAS? - Esta coluna é para os meninos em idade escolar: de 7 a 14 anos. Responder SIM ou NÃO.

RELIGIÃO - Declarar qual o culto religioso que segue.

PROFISSÃO - Não se deve declarar profissão alguma às seguintes pessoas:

1º - As senhoras que cuidam exclusivamente de seus afazeres domésticos.

2º - Os filhos vivendo à custa de seus pais.

3º - Os que vivem da assistência privada ou pública, como por exemplo os mendigos, os reclusos etc.

Quando o recenseado exercer mais de uma profissão, inscreverá na lista apenas a sua profissão principal. É indispensável que cada indivíduo, ao declarar sua profissão (comércio, indústria etc.), declare também se é patrão, empregado ou operário.

OBSERVAÇÕES ESPECIAIS - Esta coluna é de muita importância para o resultado final do recenseamento. Se na noite de 31 de dezembro qualquer pessoa residente na casa pernoitar fora dela, o seu nome será incluído na lista com os dos demais habitantes, declarando-se naquela coluna a casa em que o recenseado passou a noite. Esta declaração é indispensável para evitar que uma mesma pessoa seja recenseada duas vezes.

Se na residência do chefe da família estiver hospedado ou em visita, na noite do recenseamento, qualquer indivíduo, será ele incluído na lista, declarando-se, porém, na coluna das Observações Especiais, qual o seu domicílio, nesta cidade ou fora dela. Esta declaração é imprescindível, já para evitar duplicatas, já para que elementos da população flutuante não sejam incorporados à população residente.

Não se incluirá na lista pessoa alguma nascida depois da meia noite de 31 de dezembro.

Os hotéis declararão o domicílio habitual de cada hóspede.

Em hipótese alguma deixará de ser recenseado quem quer que se ache em Santos na noite do censo.

Se uma família inteira estiver ausente no dia do recenseamento, a presente lista será preenchida com informações dos vizinhos ou pessoas de relações da dita família.

A lista será sempre cheia e assinada pelo chefe da família, mas se este não souber ler nem escrever, ou tiver outro impedimento, será substituído por um parente, por um vizinho, ou por uma autoridade pública, na ordem acima declarada.

Aos hospitais, internatos, asilos etc., serão distribuídas duas listas, uma das quais para o pessoal administrativo. Os enfermos hospitalizados que residirem nesta cidade, declararão esas circunstância nas Observações Especiais.

Os agentes entregarão em cada casa o número de listas que forem necessárias.

(COSTAS)

Na residência do chefe da família, pernoitaram, de 31 de dezembro de 1913 para 1º de janeiro de 1914, as seguintes pessoas [Nº de ordem - Nomes - Sexo - Idade - Cor - Estado Civil - Naturalidade dos brasileiros - Nacionalidade dos estrangeiros - Aceitou a nacionalidade brasileira? - Sabe ler e escrever - Freqüenta escolas? -  Religião que professa - Profissão - Observações especiais]:

As indagações não foram tão minuciosas como poderiam ser, mas foram-no tanto quanto o permitiram o nosso estado de cultura e a circunstância de ser esta a primeira vez que se fazia em Santos um trabalho de tal ordem e responsabilidade. Mesmo assim, o nosso inquérito foi mais minudencioso que o do Distrito Federal (N.E.: na época, Distrito Federal era o que incluía a cidade do Rio de Janeiro), em 1906, que se limitou a sete indagações apenas.

Adotamos o critério de permitir que os recenseados pudessem substituir, na lista censitária, os seus nomes pela simples ordem numeral. Tivemos em vista colocar à vontade as pessoas que tivessem vexame em declarar a sua cor, idade ou grau de instrução.

Bem sabemos que o Congresso Internacional de Estatística, reunido em 1870 em Petrograd, exigiu, como condição essencial para o bom êxito de um recenseamento, a declaração, por extenso, dos nomes e prenomes de cada recenseado, a fim de poder o governo verificar a exatidão dos informes e retificar os dados que lhe parecessem duvidosos ou falsos.

Mas isso só é eficaz entre os povos sujeitos ao despotismo dos governos militaristas; entre nós, porém, onde a concepção da liberdade individual é mais ampla e mais humana, não se lograria jamais um bom resultado por meio de compressões abusivas.

Quando, em 1905, o sr. Ramos de Azevedo apresentou ao Senado paulista um projeto de lei, autorizando o governo a proceder ao censo geral no território do Estado, dispôs nele que não se fariam indagações a respeito de filiação legítima ou ilegítima, para não vexar, nos recatos de sua consciência íntima, grande número de recenseados, que se veriam, até, forçados a ocultar semelhante circunstância, com grave prejuízo da operação censitária.

Quem escreve estas linhas teve oportunidade de combater na imprensa a opinião do sr. Ramos de Azevedo, fazendo ver ao ilustre senador que assim como há pessoas que não responderiam ser filhos ilegítimos, há também muitas outras que não responderiam ser pretas ou pardas e nem dariam exatamente a sua idade. A estatística demonstra, irrecusavelmente, que as mulheres, de certa idade em diante, diminuem o número de anos quando respondem aos quesitos dos recenseamentos.

Ora, se para não vexarmos os cidadãos, fazemos suprimir o quesito da legitimidade, ou não, de sua filiação, devêramos, pela mesma razão, suprimir os que se referem à cor, à idade, ao analfabetismo etc. O resultado seria reduzirmos o censo a uma simples contagem do número de pessoas, e nada mais.

Entretanto, como observa o especialista tudesco, sr. Jorge Mayr, na sua obra A estatística e a vida social, quanto mais civilizada é uma época, tanto mais se torna ela amiga da estatística; e quanto mais amiga da estatística, tanto menos importuno julga inquiri-la sobre o maior número de detalhes das condições pessoais, domésticas e cívicas que lhe são familiares.

O meio, pois, de se conseguir um bom recenseamento, não é suprimir perquirições úteis, com receio de que sejam falsamente respondidas; é colocar o cidadão à vontade para que responda, sem constrangimento, às mais delicadas perguntas. E como colocá-lo à vontade? Dando-lhe o direito de substituir, na lista, a ordem nominal pela ordem numeral. Foi o que fizemos em Santos, mas poucas pessoas se aproveitaram desse recurso, preferindo a maioria declarar por extenso os nomes e sobrenomes de todos os membros da família.

Apesar da clareza com que foram redigidas as Instruções, dúvidas apareceram a respeito de certos detalhes. Quanto ao estado civil, por exemplo, nós indagamos apenas dos recenseados se eram casados, solteiros ou viúvos. Os separados legalmente deveriam responder que eram casados.

Estrangeiros, que se tinham divorciado em seu país de origem, julgaram-se embaraçados para responder convenientemente dentro das estipulações do nosso quesito, e interpelaram-nos pelos órgãos locais de publicidade. Respondemos que em nosso Direito Positivo não existe o instituto jurídico do divórcio pleno: há apenas a separação de corpos e de bens. Os estrangeiros, divorciados segundo o regime legal de seu país, não podem contrair novas núpcias no Brasil; e o recenseamento de uma população qualquer é sempre planejado e executado de acordo com a legislação nacional. Não são as leis estrangeiras que regulam os atos dos poderes públicos no Brasil.

A estatística tem que exprimir numericamente a verdade dos fatos demográficos existentes em um dado país; mencionar, pois, em nosso recenseamento um estado civil que efetivamente não existe entre nós, seria dar ao público uma informação evidentemente falsa.

O resultado final dos nossos trabalhos - ponderamos então - vai circular em língua francesa, pelas diferentes nações do mundo, e nós não podemos levar, inveridicamente, aos povos estrangeiros, a convicção de que existe no Brasil o instituto do divórcio, com a ruptura completa dos laços conjugais.

Assim, pois, os estrangeiros que, na sua pátria, se divorciaram, mas que, no Brasil não podem contrair novamente matrimônio, foram equiparados aos brasileiros legalmente separados, conforme as disposições vigentes no nosso Direito Civil.

Dessa maneira procedeu o Distrito Federal, no recenseamento de sua população, em 20 de setembro de 1906, e, apesar do Rio de Janeiro ser uma cidade onde habitam milhares de estrangeiros, ninguém se lembrou de reclamar que fosse aberta, nas listas de família, uma coluna para a absurda averiguação de um estado civil que não existe dentro das fronteiras do nosso Direito.

Todavia, por mera tolerância, permitimos que os estrangeiros, divorciados em seu país, declarassem tal circunstância na coluna das Observações Especiais, e nós a consignaríamos numa nota em separado, só devendo, porém, figurar nos mapas gerais do recenseamento os estados civis reconhecidos expressamente pela nossa legislação.

Parece que os fundamentos de nossa resposta esclareceram completamente a dúvida, porque nenhum estrangeiro fez nas listas declaração alguma de ser divorciado legalmente em seu país.

Outra dúvida surgiu também a respeito das pessoas que, embora exercendo sua atividade em Santos, moram com suas famílias, habitualmente, noutro município. Entendiam alguns que essas pessoas deviam ser incorporadas à massa de nossa população efetiva.

Nós entendemos que não e determinamos que elas, se por qualquer eventualidade passassem aqui a noite do censo, deveriam declarar na lista qual a sua residência habitual, para serem incluídas na população flutuante. Caso não pernoitassem aqui, os seus nomes não deveriam constar das listas entregues às casas comerciais ou outros estabelecimentos em que elas trabalhassem.

Há pessoas, também, que têm dois domicílios, um em Santos e outro fora de Santos e passam, alternadamente, ora num, ora noutro, temporadas mais ou menos longas. Para essas pessoas mandamos considerar como domicílio habitual aquele em que fossem registrados os respectivos filhos. Assim, pois, as famílias em tais condições que registraram os nascimentos em S. Paulo, por exemplo, foram consideradas como tendo lá a sua residência habitual e as que passaram a noite de 31 de dezembro em Santos foram integradas na população flutuante.

Exercendo tais pessoas sua atividade especial aqui, parece, à primeira vista, que deviam ser tomadas como elementos da população normal. Mas, examinando-se mais profundamente o caso, vê-se que não é assim. Se elas, durante algumas horas do dia, dedicaram à vida local a sua atividade, contribuindo para o progresso do meio e pagando impostos, é ao Município de sua residência que elas aplicam a maior soma dos resultados obtidos aqui; é lá que os gastos com a família concorrem para o consumo dos diversos produtos; é lá que elas adquirem prédios para habitação própria, terrenos, bens de todo o gênero, e pagam também impostos; é lá, em suma, que os seus filhos crescem e recebem os benefícios da instrução. Por todas essas razões, entendemos que as pessoas nessas condições não deviam fazer parte de nossa população efetiva.


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