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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [08-K]

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Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 96 a 99, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte

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Desenhos antigos: 1) Um "lundu"; 2) Dança de negros; 3) Boiadeiros de Goiás; 4) Plantação de chá no Jardim Botânico
Imagem publicada com o texto, página 95. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

História (K)

Por Arnold Wright

Capítulo XVIII

A História Contemporânea

O dr. Prudente José de Moraes e Barros, que havia sucedido ao marechal Floriano Peixoto, nas circunstâncias já descritas, há muitos anos desempenhava papel saliente na vida pública do Brasil. Por ocasião da proclamação da República, havia competido com o marechal Deodoro da Fonseca para o cargo de supremo magistrado da Nação e, para se mostrar a grande influência de que dispunha, basta dizer que obtivera 97 votos contra 129 dados a Deodoro. Foi o fato de ser paisano que prejudicou o dr. Prudente de Moraes nas primeiras eleições. Mas, em 1895, a população já estava cansada de ditadores militares e dos distúrbios provocados pela sua presença no poder.

Prudente de Moraes organizou um forte ministério do qual cada membro, como o próprio presidente, gozava de uma sólida reputação de probidade. Os primeiros atos do novo presidente tornaram logo manifesto que era sua intenção seguir uma linha política tão afastada quanto possível da influência militar de que o Brasil tinha sido vítima desde que se tornara República.

O estado das finanças era o de absoluta desorganização, e uma depressão comercial avassalava o Brasil. Infelizmente, quando começava a fazer-se sentir o efeito da sua administração na massa compacta de dificuldades que entravavam a marcha progressiva do país, caiu Prudente de Moraes doente e foi obrigado a passar temporariamente o governo ao vice-presidente, dr. Manoel Victorino Pereira. Este demonstrou ser um substituto competente, levando avante a obra patriótica, pelo período de alguns meses, que durou a incapacidade do presidente.

Havia tal ardor pelas reformas, por parte dos membros influentes das classes governantes, que, sob todas as probabilidades, as finanças do país se teriam restabelecido em sólida situação e num período relativamente curto, se não fosse um acontecimento imprevisto que, embora de pequena monta em sua origem, veio perturbar gravemente todo o maquinismo administrativo.

Referimo-nos ao levantamento chefiado por um tal Antonio Maciel, mais conhecido por Antonio Conselheiro. Este indivíduo, espécie de doido fanático, que proclamava o seu dom de fazer milagres e era adorado por grande número de habitantes do interior do estado de Pernambuco ("jagunços") como um novo Messias, chamou a atenção pública em princípios de 1895. Já, porém, antes, a extraordinária história ou lenda da sua vida era geralmente conhecida em Pernambuco, onde nascera. Contava-se que a mãe de Antonio, para o separar de sua esposa, lhe dissera que esta tinha um amante; e para acabar de o persuadir, se vestira de homem, uma noite, tendo atraído a caluniada a uma simulada entrevista amorosa. Antonio, prevenido pela mãe, armou-se duma espingarda e dirigiu-se ao local; e enxergando os vultos denunciados atirou contra eles e assim matou as duas mulheres. Por esse duplo assassinato, foi condenado, mas foi, depois, posto em liberdade.

Resolveu então expiar o seu crime por uma vida de piedade e de privações; retirou-se para o interior e fez-se missionário entre os jagunços. As suas doutrinas cada dia granjeavam novos adeptos; e dentro de poucos anos havia Antonio Conselheiro assumido a maior autoridade e influência sobre os jagunços, que lhe prestavam honras extraordinárias e de cujas vidas e propriedades ele dispunha completamente.

Primeiro desaguisado do Conselheiro com as autoridades brasileiras, deu-se, quando, no seu papel de mestre e chefe religioso, ele veio, com os seus discípulos, para um lugar denominado Canudos, a 400 milhas da Bahia, no interior do país. Quando estabelecia a sua colônia nesse lugar, o governador do Estado, irritado com o tom ousado dos fanáticos para com as autoridades, mandou ordens para que o Conselheiro se retirasse dali, com os seus discípulos. A esta intimação, responderam eles com uma recusa formal, e a conseqüência foi que, em princípios de 1897, se tornou necessário enviar uma expedição militar para os forçar à obediência.

As forças do governo encontraram uma resistência fanática, que mais poderosa ainda se tornava pelas condições do terreno acidentado e selvagem em que tinham de ser feitas as operações. A 3 de março de 1897, travou-se um combate regular entre os rebeldes e as forças expedicionárias, com o resultado de serem estas completamente derrotadas, perdendo 600 homens e todas as suar armas e munições. Graças a tal resultado, aumentaram consideravelmente, como era natural, as fileiras dos fanáticos.

Compreendendo a gravidade da situação, o governo federal organizou um exército de 5.000 homens e enviou-o para a zona rebelde. O Conselheiro, com a sua força notavelmente aumentada, não teve dificuldade em manter as forças do governo em xeque. Novos e poderosos reforços foram enviados do Rio de Janeiro, uns atrás dos outros, ao exército expedicionário, e com eles continuou a marcha contra a praça-forte dos rebeldes. Em junho, deu-se um grande combate em que os jagunços entraram em número de 8.000; e o resultado foi então uma vitória para o governo.

Entretanto, não foi esta importante para decidir a marcha dos acontecimentos. Novos reforços foram enviados pelo governo, para a zona conflagrada, até que, em princípios de setembro, estavam em campo nada menos de 13.000 soldados, sob o comando do próprio ministro da Guerra. Sob a sua direção, foi operado o ataque às fortificações dos rebeldes e com tal habilidade, que o seu resultado pôs termo à guerra. O Conselheiro foi morto, assim como milhares de jagunços, seus adeptos. Restabeleceu-se a paz no país, mas por um preço elevadíssimo. Devido ao custo enorme das operações militares, as finanças do país ficaram tão profundamente desorganizadas que não podia haver esperanças do seu rápido restabelecimento.

Como era inevitável, esta rebelião teve uma ação desprestigiadora para o governo e serviu para estimular os elementos descontentes. Começaram a dar-se distúrbios de caráter grave, em fins de 1897, quando as tropas voltaram de Canudos. A 5 de novembro, foi o presidente ao cais, esperar o general Barbosa, que voltava da Bahia. Enquanto, em pé, no cais, conversava com diversas pessoas, foi contra ele disparado um tiro por um soldado que se achava a pequena distância. Devido à rapidez com que os assistentes se apoderaram do assassino, a infame tentativa foi frustrada; pretendendo desarmar o assassino, foi o coronel Moraes ligeiramente ferido, e o marechal Machado Bittencourt, ministro da Guerra, que se precipitou a socorrê-lo, recebeu, do mesmo criminoso, uma profunda punhalada. O marechal Bittencourt caiu nos braços dos seus amigos e foi transportado para a sua residência; mas o ferimento era de tal modo grave que lhe produziu a morte, dentro de poucas horas.

O assassino foi preso, mas suicidou-se pouco depois, na cadeia; diversos dos seus cúmplices foram descobertos, presos e condenados; outros fugiram para fora do país, antes que a polícia lhes deitasse a mão. Foi decretado o estado de sítio durante trinta dias e, terminado este prazo, voltou o país à sua vida normal. E não ocorreu nenhum outro incidente que viesse perturbar a ordem pública, durante os poucos meses que faltavam para terminar a presidência do dr. Prudente de Moraes.

Logo que deixou o governo, retirou-se o dr. Prudente de Moraes à vida privada, tendo feito jus, pela sua administração honesta e inteligente, aos aplausos gerais da nação. Foi, sob muitos aspectos, o maior dos governantes que o Brasil teve. A sua dedicação ao cumprimento do dever e a sua integridade inatacável, assim como o seu patriotismo sem mancha, constituíam qualidades raramente encontradas em tão elevado grau, entre os seus contemporâneos. Bem cedo, no princípio de sua vida política, havia Prudente de Moraes, em São Paulo, protestado contra os desmandos do governo imperial e adquirido uma reputação de honestidade a toda prova, nunca desmentida na sua carreira futura.

Devido ao contratempo da guerra de Canudos, não foi possível ao seu governo fazer o que em outras circunstâncias decerto faria, pela reorganização dos negócios públicos do país. Entretanto, esse presidente deixou exemplo de sentimentos políticos e de dedicação ao cumprimento do dever, que foi de incalculável valor para o Brasil e que no futuro não terá provavelmente pequena influência na história política do país. O dr. Prudente de Moraes morreu a 3 de dezembro de 1902.

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O Rio de ontem: 1) Praia de Botafogo; 2) A construção da Avenida Rio Branco (Central); 3) Cena de rua; 4) O Quartel General; 5) Praia da Lapa (Avenida Beira Mar)
Foto-montagem publicada com o texto, pág.97. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

O sucessor do dr. Prudente de Moraes foi o dr. Campos Salles, também civil, que havia conquistado alta posição na vida pública. Depois da sua eleição, em março, fez o dr. Campos Salles uma visita à Europa, e em Londres concluiu um acordo com os portadores de títulos brasileiros para a suspensão provisória do pagamento de juros em dinheiro. Ficou resolvido que, de 1º de julho de 1898 em diante, o pagamento de juros da dívida externa brasileira seria feito em títulos, com o compromisso, porém, de recomeçar o Brasil o pagamento em moeda, a partir de 1901. Este acordo foi de enorme importância para o estado pouco satisfatório em que então se achavam as finanças do país.

De regresso da Europa, o dr. Campos Salles tornou pública a sua intenção de se opor a todas as influências exercidas contar a volta rápida da nação ao serviço normal da dívida pública. Em 1899 foi decretada a extinção de dois arsenais navais e três arsenais de guerra; e nos outros ramos da administração, foi igualmente observada a mais rigorosa economia. Todavia, estas medidas, conquanto extremamente rigorosas, representavam apenas um paliativo perante a situação, à qual não bastavam remédios de ordem administrativa.

A verdade é que, por muitos anos, mesmo anteriormente à fundação da República não houvera equilíbrio nas finanças nacionais; déficits sucessivos haviam aumentado uma dívida pública já muito volumosa; e só o maravilhoso poder reconstitutivo do país lhe havia evitado até então o desastre, que, afinal, estalou em 1900.

Tornou-se notável este ano pela crise financeira do vale do Amazonas, a qual produziu conseqüências mais graves e desastrosas que nenhuma outra das que até então havia sofrido o Brasil. Diversos bancos suspenderam os seus pagamentos e grande número de casas comerciais ficaram em terríveis embaraços, enquanto que o crédito público sofria também um grave abalo. Com relação ao comércio do Pará e Amazonas, foi a crise atribuída às extremas variações no mercado de câmbio.

O câmbio, que estava a 7 d. em princípios de 1900, na primeira semana de julho atingiu 14¼ d, e no fim de julho caiu a 10¼. Num país como o Brasil, onde as transações são efetuadas a prazos longos, essas flutuações acarretaram uma crise financeira agudíssima. Em período, porém, extremamente curto, passou essa depressão; e tal melhora se produziu na situação que, a 3 de maio de 1901, quando o presidente Campos Salles apresentou a sua última mensagem presidencial, pôde anunciar que o governo estava em condições de recomeçar os pagamentos, em dinheiro, dos juros da dívida pública brasileira.

Esta evidência da seriedade do governo brasileiro e da sua firme determinação em reabilitar o crédito público, causou em todo o mundo a maior satisfação. O dr. Joaquim Murtinho, ministro da Fazenda, cooperou com o presidente na obra da reabilitação econômica do Brasil; e o dr. Campos Salles fez-lhe, nessa ocasião, pressente duma estátua representando a Fama, em reconhecimento dos valiosos serviços por ele prestados em tal circunstância.

Nem a perturbação financeira, nem a depressão comercial, impediram o Brasil de celebrar condignamente o 4º centenário do seu descobrimento. Como era natural, Portugal tomou parte nas diversas cerimônias, tendo enviado um delegado especial, a quem foram dispensadas, pelo governo brasileiro, as maiores atenções.

Tudo se fez para que a comemoração representasse também a união fraternal entre os dois grandes ramos da família lusitana; efetivamente, tiveram os festejos um verdadeiro cunho de fraternidade e determinaram um sentimento afetuoso, como não havia ainda existido, desde a separação entre o Brasil e Portugal. Inaugurou-se, por essa ocasião, o monumento a Pedro Álvares Cabral, obra de Rodolpho Bernardelli, escultor brasileiro, admirável pela eloqüência com que interpreta o assunto.

Outro episódio internacional digno de nota, nesse período de governo, foi o que constituíram as visitas oficiais trocadas entre os presidentes do Brasil e República Argentina. Foi o presidente argentino, general Julio Roca, que resolveu dar o primeiro passo para esta troca de amabilidades entre as duas grandes confederações sul-americanas. Chegou ao Rio de Janeiro em julho de 1899, e foi recebido com todas as honras pelo governo e com a maior cordialidade por parte do povo. Quando, em retribuição, no ano seguinte, o presidente Campos Salles foi a Buenos Aires, teve um acolhimento igualmente entusiástico.

Nos últimos anos do século que findava e nos primeiros do novo século, ocuparam a atenção do governo várias questões de limites. Às questões com a Guiana Francesa e com a República Argentina, já antes resolvidas, por arbitragem, favoravelmente ao Brasil, vieram juntar-se outras, com a Inglaterra a respeito da Guiana Inglesa, com a Holanda a respeito da Guiana Holandesa, e ainda com a Bolívia e o Equador, em relação às linhas divisórias das fronteiras comuns.

Algumas destas questões ameaçaram, por algum tempo, tomar um caráter grave, mas o princípio de arbitramento havia já lançado raízes profundas no solo sul-americano e finalmente foi resolvido recorrer a esse princípio, para se resolverem todas essas questões, por acordos firmados entre os países respectivos. O Brasil teve, na discussão desses negócios delicados, a vantagem de dispor dos serviços valiosos do barão do Rio Branco, filho do distinto estadista que deu o seu nome à lei do Ventre Livre. Diplomata de grande experiência e inteligência peregrina, o barão do Rio Branco fez prevalecer em cada uma destas negociações as influências dum discernimento profundo e dum tato admirável, donde resultou que os interesses do Brasil fossem tão brilhantemente defendidos.

A questão com a Grã-Bretanha, para a qual foi escolhido como árbitro o rei da Itália, versava sobre grande extensão de território, onde deveria estar situado o fabuloso lago de Parnia e a cidade de ouro Manoa, à procura da qual andaram Raleigh e outros famosos aventureiros do período elizabetano. Pontos importantes e de difícil exame ocuparam por muito tempo a atenção do árbitro e só em 1904 foi conhecida a sua sentença, que em geral adotava o ponto de vista inglês; e assim a Grã-Bretanha obteve acesso aos afluentes setentrionais do Amazonas.

Na questão com a França, fez o arbitramento o Conselho Federal Suíço. A sentença foi quase absolutamente em favor do Brasil. Do território disputado, de cerca de 150.000 milhas quadradas, obteve o Brasil 147.000, e o restante ficou para a França.

O acordo definitivo com a Bolívia foi, porém, o mais importante e vantajoso para o Brasil. Há muitos anos o Brasil e a Bolívia disputavam a propriedade da área hoje conhecida pela denominação de Território do Acre, e que compreende uma vasta extensão de terras situadas no vale do Amazonas, abrangendo as mais produtivas zonas de borracha de todo o mundo. A situação agravou-se em 1901, quando a Bolívia resolveu arrendar os seus direitos territoriais a uma empresa denominada "Bolivian-Syndicate". O Brasil alarmou-se com a introdução projetada desta empresa com direitos territoriais.

A situação, por algum tempo ameaçadora, resolveu-se finalmente, de modo pacífico, pela retirada do "Bolivian-Syndicate" e pela conclusão dum acordo amigável entre o Brasil e a Bolívia, a respeito da soberania na região disputada. Por este acordo, celebrado pelo Tratado de Petrópolis em 1903, foi o território dividido, ficando os distritos em que a população falava o português, sob a jurisdição do Brasil; e aqueles em que vigorava o espanhol, sob a jurisdição da Bolívia.

Como compensação às vantagens financeiras que houvesse perdido a Bolívia, e em consideração à desigualdade das áreas respectivamente atribuídas a cada um dos países, concordou o Brasil em pagar dois milhões de libras esterlinas à Bolívia e  comprometeu-se a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Depois de feito este contrato, o Brasil dividiu a nova zona adquirida em três departamentos, a saber: Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá.

Antes de se resolver a última questão de fronteiras, tinha já subido à presidência o dr. Rodrigues Alves, um dos mais conhecidos e respeitados políticos brasileiros. O dr. Rodrigues Alves nasceu e iniciou a sua carreira política em São Paulo, onde, no tempo do Império, foi membro da Assembléia Provincial. Tomou parte saliente na campanha para a abolição da escravatura; e foi um dos abolicionistas que provaram a sua sinceridade, dando a liberdade aos próprios escravos antes da lei de 13 de Maio. Por diversas vezes, havia o dr. Rodrigues Alves ocupado cargos elevados e de responsabilidade, incluindo o de presidente do Estado de São Paulo, no qual se achava por ocasião da sua eleição para presidente da República.

O dr. Rodrigues Alves cercou-se de ministros de valor, e o seu programa de governo era vasto: encerrava o plano da transformação e modernização da Capital Federal; tratava da ampliação e engrandecimento do comércio brasileiro; cogitava do desenvolvimento, em linhas seguras, das relações exteriores da República.

As medidas postas em prática para a transformação do Rio de Janeiro estão detalhadamente descritas em outra parte desta obra e basta dizer-se aqui que, excetuando o caso de Paris, onde Haussmann executou o seu vasto plano de melhoramentos, nenhuma outra cidade sofreu transformação tão vantajosa como a que foi realizada no Brasil, durante os quatro anos em que o dr. Rodrigues Alves ocupou a cadeira presidencial.

Não foi sem causar atritos, que estas obras gigantescas se levaram a efeito. O arrasamento de milhares de casas desprovidas de boas condições de higiene, medida essa que deslocava, às vezes de repente, grande número de moradores, produziu descontentamento em certa parte da população. E, quando foi apresentado ao Congresso Nacional um projeto tornando a vacinação obrigatória, os agitadores organizaram uma violenta campanha de oposição, de que certos descontentes procuraram tirar partido.

Certa madrugada, veio para a rua uma força de mil soldados, chefiados pelo general Travassos e coronel Lauro Sodré, para marchar em direção ao palácio presidencial. Foi o dr. Rodrigues Alves aconselhado a fugir, pois que, na emergência, julgavam alguns não ser possível reunir-se imediatamente força suficiente para se opor aos rebeldes. O presidente, porém, recusou-se a sair do palácio, declarando que "era ali o seu lugar", e que portanto ali ficaria, enquanto vivo. O movimento foi dominado dentro d'algumas horas e sem grande dificuldade.

Além desta tentativa de deposição, no Rio de Janeiro, deram-se em Mato Grosso distúrbios que tornaram necessário o emprego de forças federais, para serem dominados. Em geral, entretanto, foi o governo do presidente Rodrigues Alves isento dos embaraços de monta, tão freqüentes nos governos dos seus predecessores. No ramo da administração, introduziu o presidente Rodrigues Alves várias reformas de grande utilidade e que foram executadas sem atritos. As finanças foram conservadas em base sólida; os direitos respectivos da União e dos Estados cuidadosamente observados; e a situação internacional do Brasil consideravelmente firmada, graças à judiciosa política do seu ministro das Relações Exteriores, o eminente barão de Rio Branco.

Um acontecimento, que atraiu a atenção do mundo para o Brasil, foi a reunião do 3º Congresso Pan-Americano, no Rio de Janeiro, em 1905, sendo esta a primeira vez que o Congresso funcionava numa capital sul-americana. Foi votada, nele, importante moção em favor do arbitramento e em continuação da política adotada nas duas conferências anteriores; e foram dadas instruções aos delegados à segunda Conferência de Haia para que advogassem a inclusão, nas questões a tratar, duma convenção geral de arbitramento. O resultado mais importante do Congresso foi, porém, do ponto de vista prático, a passagem duma moção em favor da construção duma grande estrada de ferro Pan-Americana, ficando acordado que cada país se encarregasse da construção do trecho que atravessasse o seu território, completando-o dentro do menor prazo possível. Muitos representantes distintos das várias repúblicas americanas tomaram parte no Congresso, entre os quais o sr. Elihu Root, secretário de Estado norte-americano.

Foi com verdadeiro pesar que a nação brasileira viu chegar o termo do governo do presidente Rodrigues Alves. Era, por assim dizer, universalmente reconhecido que nele tinha o Brasil um estadista e um administrador muito acima da média comum de habilidade política. Nunca, em período algum da sua história, o Brasil ocupou lugar tão elevado na escala internacional como ao cabo do seu governo. Um Exército melhorado e uma Marinha reforçada adquiriram para o Brasil o respeito dos seus vizinhos; e uma sã administração financeira elevou o crédito da nação nos mercados monetários da Europa. Quase por toda a parte a velha desconfiança quanto à possibilidade de governos estáveis no Brasil desapareceu, para dar lugar a uma crença firme no seu futuro.

Sucedeu-lhe o dr. Affonso Augusto Moreira Penna, que havia sido vice-presidente da República, no seu governo. A direção dos negócios públicos não sofreu portanto alteração notável, e o novo presidente, no seu manifesto inaugural, tornou conhecidas as suas intenções de tomar para alvo principal da sua administração o melhoramento das condições econômicas do país.

Descendo a detalhes, o presidente Penna mostrava a necessidade de se animar a imigração; melhorar o ensino profissional; estabelecer uma tarifa preferencial; desenvolver o comércio nacional e estrangeiro; reorganizar o sistema monetário; e construir estradas de ferro; O caminho, que o país devia seguir em seus negócios internacionais - disse ele - era o de promover o desenvolvimento do comércio e o abandono de prejuízos e concepções errôneas. O Brasil havia sempre compreendido a importância de manter relações mais estreitas com os Estados Unidos. Era esta a sua política tradicional. Com as outras repúblicas irmãs não existiam questões que não pudessem ser facilmente resolvidas, sem necessidade de conflito.

O ano de 1908 tornou-se notável no Brasil como marco do início da sua moderna política naval. Quando se soube, na Europa, que o Brasil encomendara na Inglaterra trinta navios de guerra, dos quais três dreadnoughts, houve grande sensação. Chegou-se a dizer que os novos navios seriam usados contra um país vizinho; tal insinuação, repeliu-a, porém, o governo brasileiro, explicando que o Brasil tinha uma costa extensíssima a proteger.

Não completou o presidente Penna o seu quatriênio. Em junho de 1909, foi acometido de grave doença e faleceu a 14 deste mês, entre demonstrações de pesar da nação brasileira. Conforme a disposição constitucional, subiu à suprema magistratura do país o vice-presidente, dr. Nilo Peçanha, natural de Campos e que fazia parte do Congresso há vinte anos. Contava o dr. Nilo Peçanha apenas trinta e oito anos, mas gozava já de grande reputação, pelas suas aptidões.

Por ocasião da eleição presidencial em 1910, apareceram em campo dois candidatos: o marechal Hermes da Fonseca e o dr. Ruy Barbosa, ambos homens públicos muito conhecidos e respeitados. O primeiro deles foi eleito por grande maioria, pois que o resultado final do pleito lhe deu 233.882 votos contra 126.692.

Em sua plataforma, tratou o marechal Hermes da Fonseca da questão financeira, lembrando aos banqueiros europeus que o governo federal não se responsabilizava pelas dívidas contraídas pelos Estados e que freqüentemente havia feito tal declaração.

Depois da eleição, o futuro presidente fez uma viagem à Europa e por toda a parte foi recebido com a maior distinção. De regresso ao Brasil, entregou-se o marechal Hermes à tarefa de organizar o seu ministério, no qual continuou o barão do Rio Branco na pasta das Relações Exteriores, à qual há já oito anos dava a sua competentíssima direção. Para a pasta da Guerra foi o general Dantas Barreto e para a da Marinha o almirante Marques Leão.

Logo no início do governo do marechal Hermes da Fonseca deu-se um acontecimento grave que, por algum tempo, produziu grande perturbação no espírito público: a sedição das guarnições dos couraçados Minas Gerais e São Paulo, então no porto do Rio de Janeiro. O comandante do Minas Gerais e dois outros oficiais foram assassinados pelos marinheiros revoltados. Depois, os rebeldes prometeram render-se, se lhes concedessem anistia completa para os crimes cometidos; sendo-lhes esta recusada, começaram a atirar contra a cidade. Depois d'alguma luta, foram reencetadas as negociações com os amotinados, que afinal se entregaram. E a 12 de dezembro pôde o governo anunciar que a ordem se achava completamente restabelecida.

O futuro dum país é, às vezes, assunto duvidoso, conquanto interessante; no caso do Brasil, porém, representa uma verdadeira fascinação, devido à imensidade de possibilidades que jazem adormecidas no seu grande e ainda tão misterioso território. Usualmente se fala no Brasil do mesmo modo por que se menciona a França, a Itália ou a Áustria; não se faz uma idéia das distâncias majestosas que inexoravelmente isolam uma de outra parte da nação; nem dos seus rios magníficos, que estabelecem distinções geográficas entre os diversos distritos, como as que existem entre as ilhas de um arquipélago; nem das suas imensas e longínquas florestas e pântanos colossais que dão, ao interior longínquo do Brasil, uma impenetrabilidade em razão da qual são ainda tão pouco conhecidas vastas extensões do seu território.

Na realidade, o Brasil não é um país, mas sim um continente com caracteres únicos. Em nenhuma outra parte do mundo pode um transatlântico, de grande deslocamento, fazer uma viagem de mais de 3.000 milhas nas águas dum rio. Em vão se procurará em qualquer outro ponto do globo flora mais variada que a do vale amazônico. Um território como o do Brasil não pode ser julgado nos moldes comuns da apreciação. Encobre mistérios insondáveis para o atual estado dos conhecimentos humanos.

A abertura do Canal de Panamá, com toda a animosidade internacional que possa trazer e a rivalidade comercial que possa ocasionar, virá exercer grande influência no futuro do Brasil. Em vez de ficar fora do caminho, em que mais se exercem as atividades européias, ficará o país por assim dizer no centro do maelstrom político, que provavelmente se tornará o mais perigoso de quantos até aqui tem conhecido o mundo.

O período que se aproxima virá requerer, por parte do Brasil, a maior soma de habilidade política, de que possa dispor a nação. Se houver fraqueza, vacilações, falta de tranqüilidade ou, pior ainda, anarquia, será um país perdido. Mas se, pelo contrário, os homens públicos compreenderem as responsabilidades que pesam sobre os seus ombros e se o povo brasileiro se erguer, superior às invejas mesquinhas e ambições sórdidas que o rodeiam, o Brasil virá a ser um dos maiores países do mundo, grande não só na acepção geográfica, mas também nos predicados que constituem a força nacional das nações; população, comércio, riqueza e aptidão política.

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