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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [26-b]

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Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 313 a 318, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte

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Agricultura em Minas Gerais: 1) Fazenda perto de Carangola; 2) Fazenda perto de Guanhães
Foto publicada com o texto, página 313. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

Agricultura e pecuária (cont.)

As pequenas lavouras – Para o estudo mais apreciável de suas produções agrícolas, convém dividir o Brasil em 5 zonas ou regiões geográficas distintas.

A 1ª - Brasil Setentrional ou Amazônia – compreende os estados do Amazonas e Pará e o território do Acre. É uma região com 3.138.000 km², atravessada pelo Rio Amazonas, seus afluentes e outros. Zona fertilíssima, de clima quente e úmido, suas principais produções são a borracha, cacau e madeiras.

A 2ª - Nordeste – abrange a zona que vai do baixo Tocantins ao baixo São Francisco, compreendendo territórios dos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Clima seco e ameno; produções: algodão, cana-de-açúcar, gado vacum e cavalar.

A 3ª - Brasil Oriental – entre o oceano e a cordilheira central, compreende territórios dos estados de Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Zona riquíssima, de variados e ameníssimos climas, produz: café, cacau, algodão, cana-de-açúcar, fumo, couros, cereais, madeiras de construção e de tinturaria. É principalmente nesta zona que se encontram, também, as grandes riquezas minerais do Brasil.

A 4ª - Brasil Meridional – constituída pelos estados de Paraná, Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, é, certamente, a mais saudável por seu excelente clima. Produções: erva-mate, charque, couros secos e salgados, madeiras de construção etc.

A 5ª - Brasil Central – abrange Mato Grosso e Goiás. Clima quente e úmido, produz: gado vacum e suíno, mate, borracha e madeiras.

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Uma casa de campo típica, Prudente de Morais, Minas
Foto publicada com o texto, página 313. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

A agricultura no Brasil não tem, como facilmente se depreenderá, o mesmo desenvolvimento, nem pode ser uniforme  em todos os estados, devido à diversidade de climas e de latitudes do país. Assim é que, em alguns, a produção agrícola é maior do que em outros, dada a composição especial do terreno para o artigo ou os artigos que se pretende cultivar.

A vida agrícola no Brasil se manifesta, entretanto, altamente remuneradora em todas essas diferentes divisões, não obstante a escassez de braços para os trabalhos rurais.

Em artigos especiais, nos ocupamos largamente da cultura do café, do cacau, do algodão e do fumo, as quatro grandes produções agrícolas do país (visto como não se pode chamar agricultura a exploração da borracha e do mate, tais como elas se fazem, presentemente, no Brasil).

É preciso, porém, dizer algumas palavras sobre as lavouras menores, as que suprem, propriamente, as primeiras necessidades da alimentação e que, por isso, constituem a forma mais disseminada da agricultura no Brasil, embora – como facilmente se verifica pelas estatísticas de importação – não bastem ainda para o próprio consumo do país.

O feijão e a farinha de mandioca, pode-se dizer que constituem a base da alimentação no Brasil, sendo todas as classes, desde as mais pobres até as mais ricas. A cultura do feijão se faz em todo o Brasil, mas principalmente nos estados do Centro, que exportam para os do Norte e os do Sul as suas sobras, sendo a produção nesses outros insuficiente para o próprio consumo.

Das suas variedades, a mais cultivada, e portanto a mais geralmente consumida, é o feijão preto, que por sua vez apresenta muitos tipos. Dos feijões de cor, o mais cultivado é o mulatinho, cuja cultura oferece a vantagem de ser pouco exigente; mas o enxofre, não só pela exuberância da sua produção, quando plantado em terreno bem adubado, como por sua composição química, é reputado o melhor dos feijões de cor.

O feijão é plantado no Brasil em duas épocas: em setembro, para ser colhido no verão; ou de janeiro a março, para ser colhido no inverno ("feijão das águas"), sendo, porém, esta produção inferior à do verão, tanto na quantidade como na qualidade. O tempo de maturação varia geralmente de três a quatro meses, ao fim dos quais as vagens, secas, são batidas à vara, num terreiro limpo, para separarem-se as sementes, o grão, da palha.

Os de vagem tenra são também aproveitados para a alimentação antes de amadurecer, mas o que constitui a base da alimentação no Brasil é a semente seca, que se cozinha freqüentemente com a carne-seca, apreciada mesmo por muita gente das classes abastadas.

Não se pode fazer uma estatística da produção de feijão no Brasil, sendo a sua cultura geralmente feita concomitantemente com qualquer das outras – e até em pequenas hortas, para o consumo pessoal do plantador e do pessoal das suas propriedades. O que é de estranhar, porém, é que, apesar de ser ele a base da alimentação nacional e ser a sua cultura possível, e com vantagem, em quase todo o território do país, o Brasil importa ainda uma média anual de 7.000 toneladas de feijão, com o valor médio de dois mil contos, papel.

Os países de onde o Brasil recebe maior quantidade de feijão são, por ordem: Portugal, Argentina e Estados Unidos; e os estados que o importam em maior quantidade são, por ordem, Pará, Rio de Janeiro e Amazonas.

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Mandiocal em Minas Gerais
Foto publicada com o texto, página 314. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

A mandioca é originária da América do Sul, onde nasce espontaneamente. Mas essa mandioca selvagem tem raízes lenhosas, não servindo pois para a alimentação. A cultura é que transforma essas raízes nos preciosos tubérculos, a respeito dos quais escreve, com justeza, o dr. Monteiro da Silva: "A mandioca, que constitui um paiol debaixo da terra, uma garantia para a população quando perde a colheita de cereais e se vê ameaçada de fome, é o verdadeiro pão tropical, constitui a base da alimentação dos brasileiros e representa o mesmo papel do trigo na Europa".

Ao tempo do descobrimento do Brasil, já os índios Guaranis e Tupinambás faziam a cultura da mandioca, o que representa sem dúvida um relativo adiantamento agrícola, pois, só depois de repetidas culturas, é que ela deixa de ser a raiz tóxica e fibrosa, tal como se apresenta espontaneamente. Mesmo depois de cultivada, ela não perde sempre o suco tóxico, que só o alto calor inutiliza.

Assim é que se distinguem, vulgarmente, duas espécies de mandioca: a brava, ou venenosa, cujo tubérculo é amargoso e cuja rama é avermelhada; e a mansa, de tubérculo mais ou menos doce e rama verde.

A mandioca é uma das plantas de que se pode tirar maior quantidade de proveitos. Cozida ou assada, a mandioca mansa, particularmente o aipim, é um alimento saboroso, contendo 23% de amido e outras substâncias necessárias á vida. Ainda com ela se fazem muitos doces e bolos delicados. O caule é aproveitado para a replanta, e as folhas servem para alimento dos porcos. Do seu suco extrai-se o polvilho, com que se faz excelente mingau, muito nutritivo, útil para as crianças e convalescentes, e se produz uma goma própria para endurecer e lustrar a roupa branca. Com polvilho, por sua vez, pode-se preparar a tapioca, um alimento leve, nutritivo e de fácil digestão, muito consumido no país e que já começa a ser exportado, em pequena escala, para a Europa.

Mas a aplicação maior da mandioca é o fabrico da farinha, que se mistura com quase todo o resto da alimentação no Brasil. A farinha é quase exclusivamente fabricada com a mandioca brava, não só por se desenvolver muito mais e mais depressa que a outra, como porque ela produz maior quantidade de farinha e polvilho. Mas a mandioca brava não pode ser aproveitada na culinária, porque, mesmo bem lavada e cozida, ela pode perder as qualidades tóxicas, mas conserva sempre o amargo.

Se a mandioca em si e a sua fécula, aproveitada em doces e mingaus, são muito alimentícias, a farinha de mandioca, apesar de alguns defensores extremados, é um alimento fracamente nutritivo: falta-lhe, por exemplo, o glúten, de que o trigo é rico. E a prova de que ela é um mau alimento é que as populações mais pobres, que se servem dela quase exclusivamente, apenas com um pouco de carne seca ou alguma migalha de peixe, pescado preguiçosamente, num momento de fome,no riacho mais próximo, são populações anêmicas, miseráveis de saúde e energia, duma indolência e uma incapacidade que provocam menos a piedade pela sua miséria do que a revolta contra a sua preguiça.

E outro depoimento contra a farinha de mandioca é que os colonos estrangeiros, trabalhadores e sadios, os quais adquirem facilmente o hábito do feijão, por julgarem-no um bom alimento, desprezam a farinha de mandioca às primeiras tentativas, substituindo-a geralmente pela farinha de milho, incomparavelmente mais substancial.

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Colonos em demanda dos novos lares, em Minas
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Depois do feijão, é o milho o mais cultivado dos cereais no Brasil. Oriundo da América inter-tropical, ele já era cultivado no Brasil ao tempo do descobrimento. Os índios denominavam-no abati ou avati, e faziam com ele uma farinha (abati-vu) e uma bebida (abati-ig), muito apreciada nos seus dias de festas.

No Brasil, o milho é cultivado desde o Amazonas ao Rio Grande do Sul, apresentando inúmeras variedades, cada uma das quais oferece as suas vantagens relativas: umas por sua precocidade, outras por sua produtividade, e ainda outras por sua especial adaptabilidade às condições de terreno. As mais cultivadas, todavia, são o caiana, o catete, o amarelo, o vermelho, o roxo e o anão, sendo, porém, que o branco é considerado mais resistente aos períodos de seca.

Algumas variedades estrangeiras, particularmente americanas, têm sido tentadas, mas sem resultados satisfatórios. Comercialmente, os milhos brasileiros não conservam os seus nomes agrícolas, passando a ser denominados por sua procedência: milho amarelo do Norte, milho do Rio Grande, milho mineiro etc.

O milho dá bem em todos os estados do Brasil, sendo, porém, o seu plantio feito ainda rudimentarmente, sem cuidados particulares no preparo da terra como na colheita. Como o feijão, o milho é plantado e colhido duas vezes por ano, sendo mesmo vulgar plantar-se feijão nos claros do milharal. As espigas secam geralmente entre 3 e 4 meses, havendo, porém, a variedade "de 60 dias", que seca nesse tempo. As espigas secas são quebradas à mão e expostas ao sol, até ficarem completamente secas. Tiradas as palhas que envolvem as espigas, estas são "debulhadas", isto é, descaroçadas, à máquina, ou mais geralmente à vara.

O custo de produção está dependente de tantas circunstâncias (particularmente a natureza do terreno) que todos os cálculos a respeito não passam de conjecturas arbitrárias.

Também o milho oferece grande número de aplicações no Brasil: quando ainda verde, é comido assado ou cozido, ou serve para a preparação de uma "papa" (nalguns estados denominada "canjica"), que é muito saborosa e nutritiva; a palha seca e fina é aproveitada para mortalha de cigarros; o sabugo serve para combustível de engenhos movidos a vapor; o grão seco é o alimento por excelência de todos os animais domésticos; o grão moído, reduzido a pó (fubá de milho), é um dos alimentos básicos das populações rurais, que o preparam em pirão ("angu de milho"), broas, pão e bolos delicados; e o próprio fubá torrado é comido como farinha, muito mais sadia que a de mandioca.

Os estados cuja produção de milho dá para o consumo local e sobra para a exportação para outros estados são os de Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Espírito Santo, Minas, S. Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; os demais importam, não só dessas procedências, como de países estrangeiros.

O Brasil exporta também um pouco do seu milho, porém muito menos do que importa. Em 1902 e 1903, essa exportação foi animadora, tendo a Inglaterra recebido, respectivamente, 2.768 e 6.112 toneladas de milho do Brasil. Também a Bolívia e o Peru recebem, com certa regularidade, pequenas quantidades de milho brasileiro. Mas o fato é que ainda não se produz no país todo o milho necessário para o consumo local, pois a importação anual ainda é considerável. A maior fornecedora é a República Argentina que, em 1901, exportou para o Brasil mais de 12 mil toneladas e lhe fornece anualmente uma média de 2 a 4 mil toneladas. Além da Argentina, o Brasil recebe ainda importações consideráveis do Uruguai e dos Estados Unidos.

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Colônia Rodrigo Silva, no município de Barbacena
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O arroz espalhou-se pela América Central e do Sul depois de cultivado na América do Norte, onde foi introduzido no século XVII pelo governador Thomaz Schmit. No Brasil, o primeiro arroz cultivado o foi no Maranhão, tendo provindo, ao que parece, das ilhas de Cabo Verde. Quase todos os estados do Brasil apresentam terrenos próprios para a cultura do arroz, tendo-se mesmo encontrado arroz silvestre nas margens de alguns rios do Norte. Mas a cultura do arroz, como a dos outros cereais, é ainda feita, geralmente, de modo rudimentar no Brasil, não se escolhendo e preparando convenientemente o terreno, nem se tendo cuidado na seleção de sementes a deitar na cova.

Em geral, o arroz plantado em setembro produz duas colheitas, consistindo a colheita do arroz em cortas as espigas maduras (o que se reconhece quando elas tomam uma cor amarelada), deixá-las secar num terreno limpo e batê-las à vara para separar os grãos da palha.

Os estados onde a cultura do arroz se faz com maior aproveitamento são os de S. Paulo e de Minas. Em Minas, é notável o seu desenvolvimento na zona denominada do "Triângulo", principalmente nas proximidades do município de Uberaba, onde são instaladas grande número de máquinas para beneficiamento do arroz, na sua maioria movidas à força hidráulica. As safras aí já são bastante grandes e as áreas de cultivo estendem-se continuamente, estimulando-se a cultura com os altos preços que alcança o produto.

Em S. Paulo, o maior desenvolvimento da cultura de arroz observa-se no litoral, principalmente no vale do ribeiro de Iguape e municípios vizinhos, começando a desenvolver-se também no município de Campinas e na zona do Oeste que margeia o Rio Grande, divisa com o estado de minas. Em S. Paulo é onde a cultura está mais adiantada, tendo sido já introduzidos, em muitos pontos, os últimos processos científicos de cultura, assim como os mais aperfeiçoados maquinismos para beneficiamento do produto.

No estado do Rio, os municípios produtores são os de Miracema, Monte Verde, S. Fidelis, Macaé, Madalena, Campos, Itabapoana e Rio Bonito. Existem pelo estado cerca de 30 máquinas de beneficiamento, das quais a mantida pela Leopoldina Railway em Campos beneficia 120 sacos de arroz em dez horas de serviço.

No Rio Grande do Sul, vai se desenvolvendo a cultura do arroz, principalmente no município de Canguçu, com grande adiantamento, como nos processos de cultura como nos de beneficiamento.

No Paraná, o arroz tem tido grande desenvolvimento, e a produção de Santa Catarina já dá para a exportação. Em Pernambuco, Alagoas e Sergipe, o solo se mostra muito favorável ao desenvolvimento do arroz, especialmente nas margens do Rio S. Francisco. No Maranhão, que foi um dos maiores produtores de arroz no Brasil (em 1856, a sua exportação foi de 130.000 arrobas), a cultura tem decrescido consideravelmente nos últimos tempos.

Apesar de disseminada a sua cultura, como vimos de ver, e apesar de fazer-se uma pequena exportação, pode-se dizer que a produção do arroz no Brasil não basta ainda para o consumo local. Em todo caso, já é um testemunho promissor o decrescimento progressivo da importação que, em 1902, era ainda de 100.985 toneladas, no ano seguinte baixou a 73.588 e em 1907 já era de 11.581 apenas, sem que o consumo interno houvesse diminuído.

Os maiores fornecedores de arroz ao Brasil são a Grã-Bretanha e possessões britânicas, a Alemanha e a Itália; e os estados que mais o importam são alguns dos que mais o produzem, como Rio de Janeiro, S. Paulo, Rio Grande do Sul, aos quais se seguem Pará e Amazonas.

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1) Jabuticabas; 2) Limões doces; 3) Jabuticabeira
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A cultura do trigo no Rio Grande do Sul já foi, em tempos coloniais, de tamanha importância que esse estado era então o fornecedor de trigo da República Argentina e dos Estados Unidos, países que são hoje os maiores produtores do mundo. Pelos fins do século XVIII, a sua cultura era próspera, não somente no Rio Grande, como em Santa Catarina, S. Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. De 1790 a 1822 a produção do trigo em grão, no Brasil, alcançou a 1.667.033 alqueires e em farinha 10.637 arrobas; em 1816, ela foi de 226.981, decrescendo gradualmente, a partir daí, até extinguir-se por completo, algum tempo depois.

Costuma-se atribuir esse abandono da cultura do trigo ao aparecimento de várias enfermidades - principalmente a ferrugem, o carbúnculo e a caril - que atacaram os trigais.

O sr. Paul Walle observa com justeza que "essa razão não basta para explicar o fenômeno, o qual tem certamente outras causas explicadas pela evolução econômica do Brasil no século XVIII". "A nosso ver - continua - o abandono da cultura do trigo, em regiões que o produziam outrora em quantidade, foi determinado por um acontecimento sociológico que teve sua importância. As primeiras gerações dos portugueses chegados após a descoberta consagravam todos os seus esforços à procura do ouro e não se ocupavam, ou só se ocupavam muito pouco, de cultura.

"Abrasileirados pelo meio primitivo, amestiçados com os índios, eles adotaram, conforme as circunstâncias, a alimentação indígena e a pouco e pouco, ajudados pela indolência das gerações, esqueceram a alimentação habitual de seus avós europeus, e adotaram o uso de outros cereais que crescem mais facilmente e sem grandes cuidados no país. Daí, a conversão dos antigos comedores de trigo em comedores de mandioca e de feijão e, quando não, de milho, o que representa sem dúvida um regresso à farinha de trigo. Referimo-nos aqui às classes populares dos campos, porque o uso do pão de trigo tornou-se geral em todas as cidades e aglomerações, e vimos que o Brasil importava enormes quantidades de trigo, quando ele poderia produzir, não somente para seu consumo, mas para a exportação".

Apesar dos incentivos feitos pelo governo, não foi possível reanimar essa próspera cultura decaída, que se alastrava até pelas províncias do Norte, onde as condições de temperatura não lhe eram tão favoráveis.

Nestes últimos anos, tem-se procurado introduzir novamente no Brasil a cultura do trigo, que dá admiravelmente nos estudos do Sul até Minas. Até agora, porém, essa cultura é de todo insuficiente para o consumo do país, que importa grandes quantidades de trigo em farinha ou em grão, sendo este moído em moinhos instalados no país, dos quais os mais importantes são o Moinho Inglez, no Rio de Janeiro, e o Moinho Mattarazzo em S. Paulo.

O maior fornecedor de trigo em grão do Brasil é a República Argentina; e o de farinha de trigo são os Estados Unidos. O estado do Rio Grande do Sul espera, porém, em breve, poder suprir a todas as necessidades do país, e os algarismos de estatísticas sobre o cultivo do trigo nesse estado são deveras animadores.

Em 1908, subia já a 26.124 o número de plantadores, ocupando a cultura do trigo uma área de 44.695 hectares; e em 1911 já havia 43.000 famílias matriculadas no registro de plantadores de trigo, calculando-se em cerca de 40.000 toneladas a produção. É tão animador o desenvolvimento dessa cultura no Rio Grande do Sul, que o governo federal cogita em criar, no município de Bagé, um campo experimental para a cultura do trigo, tendo anexo um laboratório para exames químicos e biológicos, além de dois campos de demonstração e propriedades particulares.

Em relatório que escreveu, em fins de 1912, após uma cuidadosa inspeção aos estados meridionais, o dr. Pedro Toledo, ministro da Agricultura, constatava que a cultura do trigo no Sul do Brasil já não era uma simples experiência, mas uma realidade prática, de que tais estados constituirão, em breve, uma considerável fonte de riquezas. O aumento da produção nestes últimos cinco anos, especialmente de 1910 para cá, tem sido o mais animador, como se depreende dos seguintes algarismos:

Anos Toneladas
1908 17.787
1909 17.922
1910 22.409
1911 40.000
1912 60.000

Cultivam-se no Brasil duas espécies de batata: a denominada "doce", que apresenta muitas variedades, e a denominada "inglesa", por ser a Inglaterra que supria desse tubérculo as cidades marítimas do Brasil.

A inglesa dá perfeitamente por toda a parte que não seja beira-mar ou baixada; mas são principalmente os planaltos das serras do Mar e da Mantiqueira que lhe são mais propícios, permitindo mesmo fazer duas colheitas por ano. Os estados de Minas e do Rio já produzem bastante batata inglesa e poderiam facilmente produzir para abastecer os mercados internos; mas, apesar disso, a batata inglesa é importada em grande escala, no Brasil.

A batata doce, mais nutritiva do que a inglesa, e que parece originária da América do Sul, prefere os terrenos de baixada e planície, onde as colheitas são melhores do que nos terrenos montanhosos. A denominada "mata fome", cujo tubérculo se desenvolve muito, amadurece dentro de três meses; as outras variedades, que são muitas, exigem de quatro a sete meses, ou mesmo nove, para o amadurecimento.

A boa qualidade da batata depende da estação e das condições do terreno. Ela se apresenta de três cores: vermelha, branca e roxa. A branca, por ser muito rica de substância amilácea e se desenvolver mais que as outras, é a mais utilizada para a fabricação de fécula e sustento dos animais, particularmente para a engorda de porcos. A mais apreciada, porém, e a mais nutritiva, é a roxa, que é a mais rica em substâncias azotadas e sacarinas, mas são precisos nove meses para o seu amadurecimento.

O inhame, planta essencialmente tropical, originária da Ásia, produz grandes tubérculos alimentícios, ricos de amido, que constituem excelente alimento para a engorda de suínos e também para as classes pobres. Ele se desenvolve, espontaneamente, nos vales, requerendo terreno fresco e úmido. Das suas muitas variedades, o branco e o roxo são os preferidos pelos lavradores, por serem os mais adequados ao clima e ao solo. Quando a terra é virgem e fértil, os tubérculos precisam de seis a doze meses para se desenvolverem completamente, chegando alguns a pesar 10 quilos.

Mais delicados que o inhame, são a taioba e o mangarito, que são muito saborosos e nutritivos e dão com facilidade em todos os terrenos e climas. A sua cultura, porém, é limitadíssima, sendo difícil encontrá-los mesmo nos mercados internos. O cará é outra planta do mesmo gênero e de grande valor nutritivo, maior que o da batata e o da mandioca, a qual se encontra em estado selvagem nalguns estados do Norte. A raiz do cará, geralmente pequena, pode atingir até 2 kg; e cem gramas de raiz seca contêm mais de um grama de azoto. Também o cará é cultivado em muito pequena escala, como simples regalo de mesa, por alguns lavradores.

As principais variedades de cará cultivadas no Brasil são: a caratinga, o sapateiro ou cará do ar, o mandioca, o de Angola, o pé de anta e o branco. Um tubérculo considerado indígena do Brasil é a araruta, cujo suco já era usado pelos indígenas para curar as feridas feitas com flechas envenenadas.

A araruta exige terrenos baixos, mas sem umidade. Os seus rizomas, depois de convenientemente descascados e lavados, como a mandioca, são ralados e moídos, sendo esta polpa misturada com água limpa e passada por uma peneira, que retém as substâncias fibrosas e deixa passar a fécula com água. Numa cuba de madeira ou num cocho, a fécula é depositada, como o polvilho de mandioca. Depois de sujeita a diversas lavagens e coada em pano limpo, a fécula é exposta ao sol, para secar em flocos,que se reduzem depois a pó.

Aproveitada em biscoitos, bolos, mingaus, pudins, a araruta é um alimento saboroso, nutritivo e de fácil digestão, muito próprio para crianças e convalescentes. Sua cultura é também limitadíssima, sendo por isso a araruta freqüentemente falsificada com polvilho de mandioca, amido de batata e de sagu etc. No próprio país, ela alcança preços elevados, não bastando para a procura interna.

Como se está a ver, o cultivo de todos esses tubérculos, em grande escala, é ainda uma indústria a explorar e que pode ser muito remuneradora dentro do próprio país, onde eles medram facilmente estão muito pouco cultivados, apesar de geralmente muito apreciados.

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Tropa carregada com mantimentos, pronta para seguir para o interior
Foto publicada com o texto, página 316. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

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O mesmo local da foto acima, em foto não datada e de local não identificado, inserida no álbum "Diretoria de Agricultura - Terras e Colonização - Gabinete Photografico da Secretaria da Agricultura do Estado de Minas Gerais", anotada como "Collecção de R. Pinto - Privilegiada", tendo como autor Raimundo Alves Pinto. Visto na foto o estabelecimento A Estrella do Norte/Luiz Tempone & Cia.
Foto: acervo do Arquivo Público Mineiro, referência SA-1-001(122). Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

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