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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOTELARIA
Antigos hotéis e restaurantes santistas (16)

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No início do século XX, Santos teve na Praça da República um importante estabelecimento hoteleiro, o Hotel dos Estrangeiros (ex-Hotel Roma, de Elias Caiaffa), que após um grande incêndio foi reformado e se transformou no Hotel Washington (da família síria Mauá), situado na confluência com a Rua Senador Feijó. O incêndio foi assim lembrado pelo cronista Carlos Vitorino em sua obra Santos (reminiscências) 1905-1915, capítulo XIV:


Praça da República, antes de 1908, vendo-se a esquina com a Rua Senador Feijó e, do lado esquerdo dessa rua, o prédio do Hotel Roma, que depois seria rebatizado como Hotel dos Estrangeiros e, após o incêndio de 1914, ganharia o nome de Washington Hotel
Foto: Calendário de 1979 editado pela Prodesan - Progresso e Desenvolvimento de Santos S.A.

[...]

Devia ser um atropelo enorme, os habitantes dali, a braços com um incêndio e sem Corpo de Bombeiros!

Mal descansávamos do incêndio no Guarujá, e logo outro manifestava-se em Santos. Pelas caladas da noite, o cabo da Guarda Cívica n. 644 e o soldado da mesma corporação, n. 664, que estavam de guarda no edifício da Alfândega, viram que do telhado do Hotel dos Estrangeiros saíam grossos novelos de fumo. Não era decerto, aquela hora, própria para fazer-se almoço e muito menos ceia. Averiguando bem, os dois militares chegaram à conclusão de que no citado hotel manifestava-se incêndio. Lestos, deram alarme e comunicaram ao quartel do Corpo de Bombeiros.

Quando o Corpo de Bombeiros apresentou-se, já o incêndio havia tomado grandes proporções, comunicando-se à casa de fumos União, de propriedade do sr. A. F. Coelho.

O Corpo de Bombeiros lutou a princípio com a falta de água. Enquanto os registros não vomitavam o querido líquido, as chamas assolavam o prédio e ligavam-se aos vizinhos. Os heroicos soldados 664, 631, 536 e o cabo 644, revestidos de inaudita coragem, penetraram no prédio em chamas e conseguiram salvar Cezario Mauá, velho, paralítico e cego; Maria Mauá e a menina Julieta, que se embaraçavam no meio do fumo espesso, contando mais com a morte do que com a vida.

Ao serem postas na rua essas quase vítimas de morte horrorosa, os valentes soldados foram vitoriados com aplausos que se desprendiam, delirantes, da multidão estacionada em frente ao Hotel dos Estrangeiros.

Nos escombros distinguiu-se em atividade o praça 523. Creio mesmo que foi ele quem descobriu o sargento João Caetano de Souza, que lá estava soterrado. O praça João Isidoro dos Santos, perdendo os sentidos na faina da salvação, veio cair nos braços de Santos Amorim, repórter do Diário de Santos, e nos do representante do Correio Paulistano, sr. Juvenal do Amaral, que o socorreram. Militares e paisanos fundiram-se numa só alma, num só fim humanitário: acudiam uns aos outros.

Não fora sucederem-se estas cenas lamentáveis, era o caso de dar-se parabéns ao elemento fogo, que se incumbiu de destruir aquele monstrengo, representante da arquitetura antiga.

[...]


Vista do prédio, em março e abril de 2011, desde a Praça da República

Foto: site Google Maps/Street View (acesso em 10/7/2012)


O Hotel dos Estrangeiros fora reformado no ano anterior ao incêndio
Anúncio publicado no jornal santista A Tribuna, em 7 de março de 1913, página 8

O incêndio foi noticiado pelo jornal paulistano O Estado de São Paulo, em sua edição de segunda-feira, 29 de junho de 1914, página 2 (Acervo Digital Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da página 2 da edição de 29/6/1914 (Acervo Estadão)

Grande incêndio  - SANTOS, 29 - À hora em que telegrafamos, uma e um quarto, lavra com grande intensidade um pavoroso incêndio no prédio n. 44 da Praça da República.

O incêndio manifestou-se nos baixos do prédio que dá frente para a Rua Senador Feijó, numa carpintaria pertencente a um italiano.

O prédio é de dois andares, sendo os pavimentos superiores ocupados pelo Grande Hotel dos Estrangeiros, cujos hóspedes e família do proprietário puderam sair a tempo do prédio.

A parte inferior, que dá para a Praça da República, é ocupada pela fábrica de fumos "União", de propriedade do sr. A. F. Coelho.

O corpo de bombeiros compareceu imediatamente, só podendo atacar o fogo depois de 15 minutos por falta de água.

Na edição de terça-feira, 30 de junho de 1914, página 5, o mesmo jornal paulistano registra (Acervo Digital Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial página 5 da edição de 30/6/1914 (Acervo Estadão)

O incêndio de ontem - O "Hotel dos Estrangeiros", a fábrica de fumo União e outros estabelecimentos reduzidos a cinza - Dois bombeiros feridos gravemente - Outras informações

Santos, 29 - Conforme ontem telegrafamos, violento incêndio manifestou-se às 23 horas e 50 minutos, no sobrado n. 41 da Praça da República, reduzindo-o a um montão de escombros e cinzas.

No antigo sobrado funcionava o Hotel dos Estrangeiros, de propriedade da sra. d. Maria Mauá; nos baixos, num armazém com frente para a Praça da República, a fábrica de fumos União, do sr. A. F. Coelho; no lado da Rua Senador Feijó, uma oficina de carpintaria de Antonio Tinto, uma de [...]ria, de Nabuco Mariz & Comp., os escritórios de despachos dos srs. Fernando Abilio e Antonio Moreira de Araújo, e uma quitanda pertencente a João Escura.

O fogo, como ontem telegrafamos, irrompeu com violência, tomando em pouco tempo conta de todo prédio.

O Corpo de Bombeiros, que compareceu prontamente com todo o seu material rodante, estendeu seis linhas de mangueiras, que infelizmente só começaram a funcionar 15 minutos depois, devido à falta de água.

Durante esse tempo os bombeiros procuravam remover os armários, mesas e outros utensílios da carpintaria.

Vindo a água, que foi reclamada à Companhia City, o ataque começou logo e violento pelo lado da Rua Senador Feijó e Praça da República.

Uma outra dificuldade surgiu - a rede de energia elétrica que impedia, em parte, a ação das mangueiras. Também esse mal foi algum tempo depois removido com a presença de um eletricista da City, que isolou a rede.

Instantes depois, parte do telhado ruía com grande estrondo. O fogo ameaçava os prédios vizinhos. As vistas dos bombeiros voltam-se então para esse ponto, e trataram de circunscrever o fogo. Nessa luta terrível o diminuto efetivo de praças da disciplinada corporação fazia prodígios de heroísmo, que era observado por compacta massa de populares, mantidos a distância regular por praças da guarda cívica e de cavalaria sob a direção do alferes Arthur de Oliveira Caldas.

Já era dia alto, quando os bombeiros deram por finda a sua tarefa.

Compareceram ao local os srs. dr. Bias Bueno e Vieira de Campos, respectivamente delegados da polícia de 1ª e 2ª circunscrição, e major Amando Stockler de Lima, diretor da prefeitura municipal.

Às 8 horas, o sargento José Caetano de Souza, chefe de linha do corpo de bombeiros e o praça da mesma corporação Alfredo Pereira Caldas, n. 29, foram vítimas de um lamentável desastre. Aquele inferior, auxiliado pela praça n. 29, estava na parte dos fundos com uma mangueira, atacando o fogo. Nessa ocasião desabou a parede de um terraço, soterrando os dois bombeiros.

Os companheiros procuraram socorrê-los imediatamente, tratando o dr. Bias Bueno de fazê-los conduzir para o hospital da Santa Casa, onde foram recolhidos em estado gravíssimo.

Naquele hospital, onde pouco depois comparecemos em companhia do dr. Bias Bueno que ali fora inteirar-se do estado dos dois bombeiros, foram estes logo ao entrar tratados pelo dr. Virgilio de Aguiar.

- O dr. Bias Bueno deteve para explicações a proprietária do Hotel dos Estrangeiros, o gerente do mesmo estabelecimento, o turco Jacob Nieulatt Adle e o russo Alberto Horowsky, empregado da carpintaria.

- Ainda não está averiguada, a causa do incêndio.

- As pessoas que estavam no hotel logo que o fogo irrompeu saíram para a rua em trajes noturnos. O antigo negociante desta praça, sr. Cesario Mauá, filho da proprietária do hotel e que é paralítico, foi retirado a braços pelos guardas civis de ns. 631 e 536, que resolutamente penetraram no quarto onde estava aquele enfermo e onde o fogo já havia chegado.

- Os prejuízos, já dissemos acima, foram quase totais.

O escritório do sr. Antonio Moreira de Araújo, que não estava no seguro, teve um prejuízo de 2 contos de réis.

O hotel estava seguro em 30 contos na companhia Atlas.

A quitanda de João Escuro e carpintaria de Antonio Tinto não estavam no seguro.

- Os bombeiros que durante o ataque foram dirigidos pelo seu comandante, capitão Gustavo Sulzer e alferes Marcelino Cruz e Innocencio Cruz, ao se retirarem deixaram no local uma turma para o serviço de rescaldo. Essa turma foi às 12 horas substituída por outra turma que às 13 horas pedia socorro ao quartel, pois o fogo, que parecia extinto, reaparecia novamente. Compareceram então algumas praças sob o comando do alferes Cruz, aas quais extinguiram o fogo em poucos minutos.

- O dr. Bias Bueno nomeou peritos para procederem a exame nos escombros os srs. dr. Maurilio Porto, Alcebiades Pereira de Queiroz e comendador João Esteves Martins que, às 14 horas, visitaram o prédio, examinando-o detalhadamente, devendo amanhã procederem a novo exame, para depois, decorrido o prazo que lhes foi concedido, apresentarem o respectivo laudo.

- À hora em que telegrafamos o estado dos dois bombeiros recolhidos à Santa Casa continua gravíssimo.

- A polícia guarda o prédio incendiado, que até tarde da noite era objeto da curiosidade pública.

- No inquérito já depuseram várias testemunhas.

- Também o sargento dos bombeiros João Egydio Gomes, ferido na clavícula esquerda em consequência de ter sido apanhado por uma trave, está sendo medicado na Santa Casa.

A praça 27 da mesma corporação também foi recolhida ao hospital sem fala e exausto de forças.

- O prédio incendiado pertencia ao dr. João do Amaral, advogado aí residente.

A fábrica de fumos do sr. A. F. Coelho, estava segurada em 15:000$000 à Companhia Aachen de Munich.

O mesmo O Estado de São Paulo registrou, na edição de 1º de agosto de 1914, página 4 (Acervo Digital Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagens: reprodução parcial das colunas 5 e 6/página 4 da edição de 1/8/1914 (Acervo Estadão)

Relatório policial sobre o incêndio do Hotel dos Estrangeiros - SANTOS, 31 - O sr. major Ernesto de Mello, delegado de polícia interino da 1ª circunscrição, apresentou hoje ao dr. Francisco de Paula e Silva, juiz de direito da 1ª vara sobre o inquérito aberto relativamente ao incêndio do Hotel dos Estrangeiros, o seguinte relatório:

"Verifica-se do presente inquérito que, na madrugada de 29 de junho do mês próximo findo, manifestou-se violento fogo na carpintaria de Antonio Tinto, à Rua Senador Feijó, propagando-se o incêndio ao Hotel dos Estrangeiros, de propriedade de d. Maria Mauá, altos da casa incendiada. O incêndio que teve início na referida carpintaria ateou-se ato seguido no segundo andar do prédio onde estava estabelecido o hotel.

Após a verificação do fato e das medidas preventivas tomadas pela polícia, foi aberto rigoroso inquérito para apurar e verificar as causas do sinistro. Em primeiro lugar prestou declarações Maria Mauá, dona do hotel, que em suas declarações disse ignorar a causa do incêndio e que fora acordada pela madrugada com a fumaça que partia do prédio e daí retirada.

Declarou mais que o mobiliário e mais pertences do hotel avaliava em 28:000$000 a 30:000$000 e que tinha o seu seguro na Companhia Atlas na quantia de 30:000$000.

Chamado a prestar declarações, Antonio Tinto, dono da carpintaria, onde teve início o fogo, este declarou que na véspera do sinistro havia ido ao Guarujá com a sua família, onde no dia imediato soube do caso, não podendo determinar nem esclarecer quais as causas determinantes do fogo que destruiu o seu estabelecimento.

Esta delegacia, impressionada com os constantes incêndios que se têm verificado nesta cidade, e no intuito da descoberta da verdade, ordenou exame pericial de fls. com quesitos suplementares. Procedendo os peritos ao exame rigoroso e minucioso no prédio incendiado apresentaram o seu laudo que se acha a fls. destes autos.

Infelizmente, por melhores que fossem suas investigações, por maiores que fossem suas cautelas no interesse da justiça e da verdade, não puderam apresentar um laudo que nos trouxesse a convicção de que se tratasse de um incêndio proposital, embora as considerações feitas.

Nos crimes de incêndio para apuração do fato delituoso é primordial "a verificação da matéria que produziu o fogo e modo por que foi produzido". Entretanto, os peritos não puderam determinar qual esta matéria e quanto ao modo por que foi produzido, acham que ele teve início na carpintaria, propagando-se ao segundo andar do prédio, sem que, entretanto, pudessem determinar o modo ou meio por que daí se estendeu ao segundo andar do referido prédio.

Além de várias declarações tomadas foram ouvidas doze testemunhas.

Em algumas delas há indícios de criminalidade, mas, logo destruídas pelos depoimentos e acareações que se veem a fls. e fls. destes autos.

Esta delegacia tem a convicção de que a maioria dos delitos desta ordem são propositais.

Não tem poupado esforços para a descoberta da verdade, de modo a evitar ou opor um paradeiro no intuito de reprimir delitos de semelhante espécie, procurando descobrir a verdade em indagações rigorosas.

Foram neste inquérito ouvidas todas as testemunhas que podiam esclarecer o fato, praticadas todas as diligências tendentes à descoberta da verdade.

M. juiz, em sua alta sabedoria, diante da verificação que dos autos consta, resolverá como de direito."

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