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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BIBLIOTECA - C.SANITÁRIA
A campanha sanitária de Santos (6)

Em 1919, o médico Guilherme Álvaro lançou em Santos o livro A campanha sanitária de Santos - Suas causas e seus efeitos (edição do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo/Casa Duprat), que agora ganha pela primeira vez sua versão digital (grafia atualizada - original no acervo do professor e pesquisador Francisco Carballa):

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Dr.Guilherme Álvaro


VI - 1901-1912


Ao começar o ano de 1901 Santos contava pelo menos 45.000 habitantes, alojados em perto de 5.000 casas, compreendidas as dos morros e as dos vargedos do Macuco e de Vila Mathias, para onde se haviam retirado os moradores dos numerosos cortiços desmantelados pelas campanhas da Comissão Sanitária, de 1896 a 1900. O rendimento do Município passara do meio milheiro de contos de réis de 1889 a mil e oitocentos em 1896, atingindo mais de dois em 1900, quando o movimento do porto havia subido a outros tantos milhões de toneladas, em oposição às setecentas mil do ano da proclamação da República.

O cais da Companhia Docas estendia-se do Valongo às proximidades do Paquetá, onde os últimos trapiches, com as pontes entrando pelo mar, tentavam resistir ainda ao avanço das muralhas, a que se encostavam os vapores, alinhados em frente aos pátios calçados e asseados dos novos armazéns, modernamente aparelhados para os serviços de carga e de descarga das mercadorias.

O movimento da cidade tinha aumentado, a vida era mais intensa nas ruas, o trânsito das viaturas melhor organizado, os carroceiros obedecendo às autoridades, coisa que não se dava outrora, quando o tráfego de bondes e demais veículos era interrompido repetidamente, pelas fileiras de carroças atravancadoras das ruas estreitas, onde abundavam os armazéns de café.

O calçamento das principais ruas começava a melhorar, desenvolvendo-se as linhas dos bondes em busca dos arrabaldes mais distantes, transportando 600.000 passageiros no ano, num percurso de 25 quilômetros, excluídos os 9 da tramvia (N.E.: linha de bondes, corruptela do inglês tramway) a vapor para S. Vicente.

As inundações tinham se tornado menos freqüentes no centro urbano, afastando-se as águas para os lados da Praça José Bonifácio e Rua Rangel Pestana, esta paralela ao leito do ribeiro dos Soldados, ao lado de cuja embocadura, depois canalizada e aterrada, estava sendo construído o novo mercado municipal, que devia substituir o provisório, de verduras e aves, da Praça Mauá, ao ar livre, sob os arvoredos, e o de peixe do Largo 11 de Junho, no coração da cidade.

As antigas lavanderias, reduzidas a duas, aliás bastante melhoradas, no largo Sete de Setembro e na encosta do morro do Pacheco, eram pouco freqüentadas, em virtude da abundância d'água nas casas as mais pobres, onde os tanques iam substituindo as tinas, as bacias e outros recipientes perigosos.

O asseio das moradias e dependências era bem melhor, em geral, desaparecendo dos quintaletes os chiqueiros, os monturos e os focos de mosquitos; e as últimas grandes cocheiras já estavam condenadas à remoção para lugares menos populosos e centrais.

Apesar dos reparos feitos pela Sanitária, a Câmara Municipal designara para a localização daqueles estabelecimentos pontos de visível crescimento futuro, de modo que passados doze anos surgiu de novo "o problema das cocheiras", encravadas então, de novo, em zonas de população sensivelmente densa.

A limpeza pública, executada até junho pela Municipalidade, e em seguida passada a empresários, era feita satisfatoriamente até os limites da Vila Macuco, não se realizando na Barra e nas praias; o lixo, conduzido diariamente para o Paquetá, daí era levado em batelões para os Morrinhos, no canal da Bertioga, em cujas margens era espalhado, sendo o transporte marítimo feito pela Comissão de Saneamento, que nele empregava o rebocador Itapema.

A iluminação pública se estendia aos primeiros arrabaldes, faltando ainda no Macuco, já se julgando pouco luminosos os 800 combustores de gás de hulha, pensando-se na eletricidade para substituí-los, o que veio a suceder cerca de três anos depois.

Os esgotos continuavam maus, apesar dos constantes esforços da Comissão de Saneamento para torná-los toleráveis, sob o ponto de vista sanitário. As irregularidades de construção e as caprichosas modificações que a empresa executora e exploradora dos referidos esgotos havia feito no plano "separador" dos engenheiros Garcia Redondo e A. Fomm, anastomosando galerias de águas pluviais, com canalizações de líquidos poluídos, haviam dado lugar a um sistema indescritível de "tout à l'égout", em que tudo era mau.

Oficialmente, o lançamento dos líquidos dos esgotos ao mar era feito no Paquetá, onde deviam chegar os efluentes da cidade e de Vila Mathias, esta com canalizações independentes, mas, de fato, desde o Valongo até o referido lugar de descarga, de cada embocadura de galeria fluvial na muralha do cais, saíam resíduos de esgotos que empesteavam o porto.

Logo depois que o Estado encampou os serviços dos esgotos de Santos, por 1.250 contos, a Comissão de Saneamento procurou remediar aquelas faltas, mas o trabalho era improdutivo à vista das irregularidades as mais fantásticas observadas freqüentemente nas canalizações, para não se falar nas instalações domiciliares, sempre abaixo da crítica, desprovidas todas de chaminés de tiragem.

Por isso, o Governo do Estado decidiu mandar projetar e construir outro serviço de esgotos em Santos, e chamou concorrência para ele, entregando-o depois ao dr. Rebouças e em seguida ao dr. Saturnino de Brito. Este o levou a efeito com o brilhantismo de todos bastante conhecido e de que oportunamente trataremos, ao notar os seus efeitos sobre o desenvolvimento da cidade.

Santos conservava ainda todo o seu antigo aspecto colonial, com ruas estreitas e tortuosas, sobrados acanhados, casas baixas e de largos beirais, em toda a zona central, sendo característicos os aspectos dos largos do Rosário, Mauá, República e Imperatriz e das ruas Frei Gaspar, S. Antonio entre 15 de Novembro e Largo do Rosário, Rosário, General Câmara e Constituição até aquela, para não citar outras.

Alguns sobradões da Rua 15 de Novembro, com fundos para a 24 de Maio, caíam já, por terem sido focos de peste em 1899, sendo substituídos por prédios salubres, altos, arejados e de aspecto sadio. A Praça da República, com o Arsenal de Marinha, onde funcionaram as oficinas das Docas, a Igreja Matriz, os "armazéns provisórios", onde esteve a Sanitária até 1900, enquadrando sobradinhos de largo beiral e armazéns térreos, escuros e abarracados, evocava ainda os bons tempos da colônia, apesar de ser o lugar das casas de chopes e dos botequins alegres, únicos negócios que viviam até tarde, contrastando com o sossego do resto da cidade, que morria ao anoitecer quedando silenciosa e triste.

Os arrabaldes já se desenvolviam francamente, crescendo as construções para os vargedos situados além do Rio dos Soldados, Vila Macuco e Vila Mathias, estando edificados completamente os quarteirões desde o Valongo ao Itororó e daí para o Paquetá, pelas ruas Bittencourt, Senador Feijó e Sete de Setembro, até a Vila Nova.

As duas grandes avenidas, projetadas em 1894, a Conselheiro Nébias, ex-Rua da Independência, e a Ana Costa, do nome da senhora do fundador da Vila Mathias, já estavam terminadas, calçadas e iluminadas a gás, mas não possuíam edificações novas, principalmente a segunda, servindo já, entretanto, para aproximar os santistas das praias arenosas que eles aprenderam a apreciar, daí decorrendo salutares mudanças em usos e costumes locais.

Dentro de pouco tempo as velhas praias de Embaré e de Itararé enchiam-se de passeantes, surgindo mais um passatempo, e sadio, para quem só possuía como diversões os fugazes circos de cavalinhos perseguidos sempre pelas chuvas, conforme o legendário gracejo popular, e os concertos dados pela banda de música dos bombeiros, nas praças públicas, quando as noites eram boas, afora as festas do Monte Serrate, em setembro de cada ano.

Na praia do José Menino já floresciam dois hotéis, um em cada extremidade, ousando esperar os hóspedes que até bem pouco tempo só vinham a Santos com destino a Guarujá, passando pela cidade às carreiras, sem olhar para trás, com medo da febre amarela.

Para coroar tudo isso, atestando a vida nova que germinava em Santos, havia sido inaugurado um grupo escolar, no palacete do Wright americano, na Rua Braz Cubas esquina da de 7 de Setembro, freqüentado por 350 crianças, estando outro em construção na Praça Correia de Mello, próximo às fontes do Itororó, podendo comportar outras tantas.

Santos se preparava para a transformação que veio a sofrer de 1910 a 1915, quando tomou a feição atual.

Em 2 de fevereiro de 1901 foram removidos, do Corpo de Bombeiros para o Hospital de Isolamento, três bombeiros com sintomas clássicos de peste, doença confirmada pelo exame bacteriológico, vindo um dos doentes a falecer no dia seguinte. Foram graves as formas, havendo bubões crurais em dois e inguinais em um.

Em março entrou para o Isolamento, com a mesma doença, saindo curado, um cocheiro residente na Rua General Câmara, 276. Como de costume, as maiores cautelas foram tomadas, fazendo-se o expurgo dos domicílios com o pulverizador a vapor, ficando todo o quarteirão sob vigilância sanitária durante uma semana.

Passados cinco meses, em setembro, no dia 1º, dois novos casos de peste chegaram ao conhecimento da Comissão Sanitária, que os fez remover para o Hospital; eram um estivador e a sua companheira, residentes na Rua Luiza Macuco, 79. Na casa, habitação coletiva, nenhum outro doente apareceu e dado o fato de adoecerem ambos no mesmo dia, se é levado a calcular que a contaminação dos dois se deu também ao mesmo tempo, coisa fácil de se explicar, porque Virginia levava o almoço diariamente ao seu companheiro e com ele almoçava junto dos armazéns em que ele trabalhava, contaminando-se ali, portanto. No dia 7 falecia o estivador, saindo a companheira curada daí a um mês, tendo sido bubônica, crural, a forma da doença em ambos.

Em novembro, mais três casos de peste foram levados para o Isolamento; saiu o primeiro doente, que faleceu de septicemia a 19, com cinco dias de moléstia, da Rua Senador Feijó nº 5, fornecendo o mesmo prédio um outro caso, um carregador, no dia 15. Este, que teve bubão crural, saiu curado no mês seguinte. No dia 23, um negociante da Rua Martim Afonso, 2, entrava também com peste bubônica para o hospital, saindo curado. Esta forma foi benigna, com pequeno bubão inguinal.

Terminou o ano com mais 4 casos da doença, ocorridos todos em homens; saiu o primeiro pestoso, no dia 1º, da Rua do Rosário, 121; veio o segundo da Rua Martim Afonso 16, fornecendo a casa nº 4 da Praça da República o terceiro e o quarto. O primeiro, o caso mais grave, tinha bubão cervical, apresentando-os inguinais os outros; saíram todos curados. O primeiro doente era funileiro, sendo os outros caixeiros, também de casas comerciais.

Começou a chamar a atenção da Sanitária o fato de serem raros os casos de peste nas mulheres, porquanto em onze doentes, apenas um pertencia ao sexo feminino. Por outro lado, também chamou a atenção dos médicos sanitários a freqüência dos casos de peste nas cocheiras e nas casas comerciais onde se encontrava depositada a alfafa platina, de onde provinham também quase todos os ratos encontrados com os germes da doença.

Em maio entrou com varíola, para o Hospital da Filosofia, próprio municipal a cargo da Sanitária, um imigrante vindo no vapor Minas; em julho, 18 variolosos foram para lá, removidos da cidade, e em agosto 6. Em setembro aumentaram para 14 os casos da doença notificados e removidos para o hospital, baixando as remoções a 4 em outubro. Em novembro foram removidos 5 variolosos e em dezembro outros tantos.

As formas da doença foram gravíssimas, tendo ocorrido 1 óbito em maio, 10 em junho, 6 em agosto, 5 em setembro, 2 em outubro, 3 em novembro e 4 em dezembro, ao todo 31. A Comissão Sanitária bem se esforçou para espalhar a vacinação pelo povo; este, que muito temia a doença, fugia entretanto ao recurso profilático, conseguindo-se vacinar apenas 6.500 pessoas, durante o ano.

Em 29 de janeiro veio do Itapema, onde trabalhava nos depósitos da casa Wilson, um operário atacado de febre amarela. Era um caso gravíssimo, falecendo o doente no mesmo dia. No mês seguinte foi notificado um outro caso da doença, no hospital da Beneficência Portuguesa, onde ficou em tratamento, vindo a sair curado quinze dias depois. Era pessoa chegada do Rio poucos dias antes. O terceiro doente de febre amarela foi removido em abril, de bordo do vapor inglês Eskadale, para o Isolamento; caso de forma leve, terminou pela cura.

Parecia terem desaparecido por completo os perigos de novos casos da doença, porquanto mais de seis meses haviam decorrido em completa paz, quando em 21 de novembro foi encontrado na rua um italiano, que se reconheceu ter febre amarela. Já não falava, mal podendo articular o nome, não se conseguindo saber a sua moradia, parecendo ter vindo do interior do Estado.

Como sempre, foram tomadas as providências as mais rigorosas para os casos da doença, seguidos ainda de desinfecções, completadas com o enxoframento dos locais considerados contaminados. Houve assim 2 óbitos por febre amarela, em 1901, em quatro casos da doença, dos quais dois foram indígenas.

Durante o ano, os inspetores sanitários continuaram na faina do policiamento, obtendo várias reformas radicais, limpeza geral de prédios e quintais, implantando hábitos novos de asseio em certa parte da população, promovendo a remoção das últimas cocheiras do centro da cidade para zonas afastadas e menos povoadas. Foram feitas 25.088 visitas domiciliares e expedidas 2.441 intimações para melhoramentos nas casas policiadas; 540 prédios foram desinfetados, incluídos 82 em que ocorreram casos de doenças transmissíveis.

Durante o ano foram incinerados 81.000 ratos, comprados pela C. Sanitária para aquele fim. O número de óbitos ocorridos em 1901 em Santos baixou a 1.312; das doenças transmissíveis, a que mais concorreu para aquela cifra foi a tuberculose com 173 casos fatais, seguindo-se-lhe o impaludismo com 78, o sarampão com 45, a coqueluche com 7, a difteria com 4, a febre tifóide com 8, a disenteria com 7, o mal de sete dias com 10, e os cancros com 16.

Foram feitos 275 casamentos e registrados 1.886 nascimentos, tendo havido um saldo de 574 vidas.

Em julho o dr. Eduardo Lopes deixou, por doente, a chefia da Comissão Sanitária, sendo substituído pelo dr. Francisco Cavalcanti, continuando o dr. Filgueiras dirigindo o Hospital de Isolamento.


"Largo do Rosário em 1908"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1902}
O ano de 1902 foi dos mais calmos para a varíola e para a febre amarela. Em janeiro foi removido com varíola, da Santa Casa para o Hospital da Filosofia, um marinheiro do vapor Salinas, saindo um outro varioloso no mesmo dia do vapor Industrial, ambos com forma gravíssima da doença, de que vieram a falecer. Em janeiro a cidade forneceu dois variolosos e três vapores nacionais outros três, falecendo um marítimo e um terrestre. A Comissão Sanitária esforçou-se para vacinar a população santista, conseguindo-se apenas imunizar 3.600 pessoas em toda a cidade.

Em 15 de março foi removido um amarelento do Guarujá; a doença não se alastrou naquela vila balneária, onde havia reinado em 1898, tendo o doente se restabelecido. Um outro caso de febre amarela apareceu em 23 de maio, no centro da cidade, no Hotel da Europa, onde o portador da doença se havia hospedado a 20, ao chegar do Rio. Removido para o Isolamento, ali faleceu no dia 25, sem que tivesse havido contaminação dos habitantes da zona da sua residência. Em ambos os casos, além das desinfecções com soluto de sublimado, os aposentos ocupados pelos doentes nas suas residências foram enxofrados, na razão de 60 gramas de enxofre por metro cúbico, ficando os compartimentos fechados por 24 horas.

Em janeiro, da Rua do Rosário nº 10 foram removidos 4 pestosos para o Isolamento, vindo a falecer um, no dia 22. A moradia do doente era uma casa velha, que foi condenada e fechada para reconstrução. No fim do mês, um outro pestoso foi removido para o Isolamento; era ensacador de café, morador na Rua S. Leopoldo nº 98 e foi vitimado pela doença.

Em fevereiro, ainda um caso de peste apareceu em Santos; este, porém, veio de S. Paulo já doente, e levado para o Isolamento no dia 8, veio a falecer a 11. O último bubônico do ano foi removido da Rua S. Francisco. Era guarda-livros, e naturalmente adquiriu o mal de que morreu, na zona velha e comercial da cidade, onde trabalhava.

Em todos os doentes a forma bubônica se apresentou, sendo mais freqüentes os bubões crurais. Ao todo houve 7 casos de peste, com 4 óbitos. Como sempre as residências dos doentes foram desinfetadas com o pulverizador a vapor e reformadas em seguida, regulamentarmente, tendo ficado os quarteirões sob vigilância sanitária durante oito dias. Continuava-se a distribuir veneno para matar ratos e a se comprar estes roedores para serem examinados no Desinfetório, periodicamente, por bacteriologistas vindos de S. Paulo.

Chamou ainda a atenção da Comissão Sanitária o fato de morarem todos os pestosos na vizinhança de cocheiras ou de armazéns onde a alfafa platina era guardada. A casa da Rua do Rosário, donde saíram 4 doentes, dos quais 2 mulheres, tinha ao lado um grande depósito da forragem argentina, confessando os moradores terem visto ratos mortos no quintal do prédio, poucos dias antes de adoecerem as pessoas removidas.

Os inspetores sanitários fizeram 27.264 visitas e dirigiram 2.263 intimações a proprietários de casas para a reforma das mesmas, a começar pela impermeabilização do solo dos porões, dos armazéns e das áreas. Das 910 desinfecções praticadas pelas turmas do Desinfetório, 196 foram determinadas por doenças transmissíveis. O número de falecimentos atingiu 1.371, figurando a tuberculose com 163 vítimas, vindo em seguida o impaludismo com 74, tétano dos recém-nascidos com 35, a disenteria com 7, o sarampão com 7, a coqueluche com 19, a febre tifóide com 21, a difteria com 3 e os cancros com 12, além dos causados pela febre amarela, pela varíola e pela peste, já referidos. Foram registrados 287 casamentos e 1.839 nascimentos.


"Largo do Rosário em 1909"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1903}
Depois de 1899, o ano de 1903 foi aquele em que se observou maior número de casos de peste em Santos e também quando a doença maior número de óbitos causou. Em 18 de janeiro foi removido o primeiro pestoso da Rua Martim Afonso 35, um funileiro, que se curou; em fevereiro as notificações foram três: no dia 2, da Rua General Câmara 201, uma mulher, que faleceu, no dia 3, um operário, da Rua Bittencourt 25 e no dia 5 um cocheiro, da Rua Luiza Macuco, que também morreu. No dia 8 de março, um servente de farmácia foi removido com a doença para o Isolamento, onde se curou.

Passaram-se os meses de abril a agosto sem que a peste se manifestasse na cidade, ou no porto, mas em 20 de setembro um caso surgiu na Rua de S. Antonio 24, terminado pela cura no Isolamento. Em outubro a doença atacou uma vendedora de doces, moradora na Rua Braz Cubas, removida no dia 8 para o Isolamento, onde faleceu, tendo para ali entrado no dia 19, também com peste de que se curou, um aprendiz de torneiro, da Rua Rangel Pestana nº 11.

O mês de novembro foi muito mau; do dia 16 ao dia 29, foram removidos oito pestosos, jornaleiros (N.E.: a palavra jornaleiro tinha na época o significado de trabalhador por jornada, diarista), negociante, caixeiro e cocheiro, seguidamente das ruas 24 de Maio, Constituição, S. Leopoldo, Travessa S. Leopoldo, Constituição, Amador Bueno, Marquez do Herval e S. Antonio, casos todos gravíssimos, de forma bubônica e terminados pela morte.

Em 9 de dezembro saiu um pestoso da Rua 24 de Maio, e que faleceu; a 17, outro saiu da Rua Campos Mello, vizinho da cocheira; a 18 ainda outro da Rua Marquês do Herval, que, como aquele, faleceu. A 19 entrou para o Isolamento com a doença, uma criança de 7 anos, residente na mesma Rua Marquês do Herval e a 23 outra remoção de peste foi feita da Rua S. Leopoldo. O último caso foi notificado no dia 28; era uma criada de servir, removida da Rua Conselheiro Nébias e que saiu curada do hospital.

Assim, em 21 casos ocorreram 15 óbitos, mostrando a gravidade de que se revestiu a doença tratada com o soro anti-pestoso preparado no Instituto de Butantã, tendo sido, como sempre, todos os casos removidos para o Isolamento.

Foram prédios velhos os fornecedores da peste e todos eles situados ou na vizinhança de cocheiras, ou na de armazéns onde a alfafa era guardada. Foi feita sempre a mais rigorosa desinfecção das moradias e dos lugares de trabalho dos doentes de peste, sendo em seguida os prédios reformados radicalmente, a começar pela proteção do solo.

A febre amarela ainda se mostrou em 1903 com uma pequena epidemia em Vila Mathias, depois do aparecimento de dois casos em outros lugares da cidade. Em 7 de março foi removido com a doença, da Rua de S. Francisco, um espanhol poucos dias antes chegado do Rio de Janeiro; era um caso muito grave que se terminou no dia 10 pela morte. Em 11 de abril outro caso da febre ocorreu, na Rua de S. Bento; era um viajante português, chegado no dia 3 do Rio de Janeiro e que saiu curado do Isolamento.

No dia 4 de maio foi removido da Rua Júlio Conceição nº 20, um trabalhador espanhol, atacado de febre amarela, remoção seguida de outra, no dia 9, da vizinhança, da linha do cais nº 14. Aquele doente restabeleceu-se, vindo a falecer este último.

No dia 12 adoecia no número 26 da Rua Júlio Conceição uma lavadeira, removida logo para o Isolamento, para onde entrou no dia 14 um jornaleiro, morador no número 18 da mesma rua. Ambos os doentes tinham febre amarela, vindo a falecer a lavadeira. A 16, mais um caso da doença apareceu no foco, na "linha da máquina" 16, e que faleceu no dia seguinte. Ainda três casos da febre forneceu o foco: a 2 de junho, dois da Rua Júlio Conceição 20, uma espanhola, idosa, que faleceu, e um operário que se curou, sendo o último em 12 de julho, no número 24 da mesma rua, terminado pela morte. Era uma moça que, ali residindo, se empregara 5 dias antes em Guarujá, donde veio no terceiro dia da doença, à tarde, morrendo no dia seguinte, no domicílio, por ocasião da chegada do médico que fazia a vigilância sanitária do foco. Além desses casos, havia aparecido um outro, em junho, na Rua Xavier da Silveira, terminado pela cura.

Em todos os casos de febre amarela de 1903 os prédios já foram enxofrados intencionalmente, com o fim de se eliminar os mosquitos contaminados e perigosos, perseguindo-se e destruindo-se todos os focos de larvas existentes e suprimindo-se todas as águas estagnadas onde pudesse ser possível a criação daqueles insetos.

As experiências organizadas em janeiro, no Hospital de Isolamento da Capital do Estado, pelo dr. Emílio Ribas, diretor do Serviço Sanitário, e dirigidas pelos doutores Luiz Barreto, Adriano de Barros e Silva Rodrigues, tinham sido concludentes, mostrando o papel do stegomyia na transmissão da doença, e os inspetores sanitários de Santos praticaram lealmente a nova orientação profilática. Todo o pessoal subalterno e disponível da Comissão foi empregado na guerra aos mosquitos no referido foco de febre amarela, formando-se destarte o núcleo da Brigada contra mosquitos, organizada em Santos no ano seguinte, e que relevantes serviços tem prestado, como se verá.

A varíola fez um óbito apenas, em passageiro estranho a Santos, e o Isolamento hospedou 6 diftéricos, dos quais faleceram 4. Todos os doentes de difteria tiveram notificação tardia e por isso também tardio foi o tratamento; entretanto, a doença não reveste habitualmente em Santos as formas graves da Capital e de Campinas, de sorte que se o soro lhes fosse aplicado a tempo, por certo se salvariam.

Como sempre, a tuberculose foi a doença transmissível que maior número de mortos causou, 180, vindo em seguida o impaludismo com 91, a febre tifóide, com 16, a coqueluche com 20, a gripe com 29, a disenteria com 1, o sarampão com 1, o tétano dos recém-nascidos com 35, e os cancros com 10. Faleceram 1.490 pessoas, foram registrados 307 casamentos e 2.019 nascimentos.

Os inspetores sanitários fizeram 26.238 visitas domiciliares, expedindo 3.250 intimações; dirigiram 235 desinfecções, 28 expurgos por febre amarela e fizeram 2.300 vacinações contra a varíola. Mais de 200 casas foram reformadas, a começar pela impermeabilização do solo, e 16 cocheiras foram removidas para fora da cidade, para lugares de população menos densa.

No desinfetório foram incinerados 52.000 ratos, comprados pela Comissão Sanitária para exame, tendo sido encontrados por várias vezes portadores dos germes da peste, determinando este fato a ação da mesma Comissão nos lugares donde provinham os animais contaminados e que quase sempre eram cocheiras ou depósitos de alfafa, incluindo-se nestes os armazéns das Docas em que a forragem era descarregada e armazenada.

Ao começar o ano de 1904 o hospital de Isolamento continha dois doentes de peste, removidos em dezembro do ano anterior, e que saíram curados em fevereiro. Em 2 de janeiro foi removido da Rua Xavier da Silveira um pestoso, criança de 5 anos, morador em frente ao armazém das Docas, onde um carregamento de alfafa se depositava. Este doente, de bubão crural, curou-se.

Dez dias depois, dum armazém de alfafa da Rua do Itororó, saiu um outro pestoso, português, adulto, com bubão crural e que referiu ter-se sentido picado por muitas pulgas, dias antes, quando lidava com fardos da forragem platina. Apesar de sofrer de forma muito grave da doença, restabeleceu-se no mês seguinte. Mais dois casos de peste foram notificados em janeiro: um na Rua Xavier da Silveira, perto da casa do primeiro, e que veio a falecer, com bubão crural, e outro, uma preta, da Rua S. Francisco 121, que saiu curada do hospital em fins de fevereiro.

O mês de fevereiro forneceu um pestoso, mulher, vendedora de frutas, moradora da Rua 7 de Setembro 8. Foi um caso grave, com bubão inguinal, terminando entretanto pela cura em março seguinte, mês em que o Isolamento esteve fechado.

Em outubro foram notificados e removidos dois casos de peste; o primeiro saiu no dia 18 da Rua Aguiar de Andrada e veio a falecer, tendo tido bubão inguinal; o segundo, que morava numa barbearia da Rua Senador Feijó, perto duma cocheira, restabeleceu-se, depois da supuração do bobão crural que apresentava.

Em novembro aumentaram os casos da doença, tendo havido quatro remoções. A primeira foi feita da S. Casa, no dia 7, tratando-se dum barbeiro, residente na Rua do Rosário, e que veio a falecer de septicemia. A segunda remoção deu-se no dia 24, da Rua de S. Bento nº 20; era um carregador de café, apresentando bubão crural, saindo curado vinte e cinco dias depois. Da Rua Martim Afonso nº 130 proveio o terceiro pestoso, no dia 26, terminando-se a doença pela cura, o que não sucedeu com o quarto, saído da Rua S. Bento 22, no dia 28, e que veio a falecer de septicemia em 5 de dezembro.

Este mês contribuiu com dois casos de peste; o primeiro, no dia 7, removido da Rua Cochrane, esquina da Xavier da Silveira, com bubão crural, veio a falecer, curando-se o segundo, removido no dia 21, da Rua do Rosário e apresentando a mesma localização bubônica. Assim, durante o ano foram verificados 13 casos de peste, com 5 óbitos.

A alfafa platina representou sempre papel saliente na gênese dos casos de peste, firmando-se a convicção de que esta forragem estrangeira era sempre a contaminadora dos ratos da vizinhança dos depósitos e armazéns onde era guardada, coisa que com o correr dos tempos ficou provada, até pela coincidência de aparecerem ratos pestosos sempre uma semana depois da chegada a Santos das primeiras partidas da referida leguminosa forrageira. As desinfecções rigorosas dos focos da doença, a guerra aos ratos, a vigilância sanitária das zonas consideradas perigosas, foram sempre feitas pela Comissão Sanitária.


"Largo do Rosário em 1915"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1904}
Em 1904 apenas dois casos de febre amarela foram observados em Santos. O primeiro foi notificado na manhã de 25 de junho, na Rua General Câmara 67, estando o doente já agonizante. Foram tomadas todas as providências, desde o expurgo do prédio até a guerra aos mosquitos, sistematicamente feita em todo o quarteirão, e conseqüente vigilância sanitária da zona suspeita, durante uma quinzena.

Nenhum outro caso da febre apareceu na zona, nem em outro ponto da cidade, e tratando de indagar da origem deste, apuramos ter adoecido quinze dias antes, com febre, na mesma casa, sem chamar médico, um sírio, companheiro do falecido. Por fim, sentindo-se mal, procurou o Hospital da S. Casa, onde não foi recebido logo por falta de atestado de pobreza; sentando-se na escadaria do edifício, pouco depois faleceu, e como tivesse manchas de sangue nas roupas e sangue na boca e no nariz, deram-lhe atestado de óbito por hemorragia pulmonar! É quase certo ter este sírio falecido de febre amarela e, assim sendo, adquiriu-a no interior do Estado, por onde ele viajava constantemente e de onde havia chegado dias antes de adoecer.

Seis meses depois, em 28 de dezembro, no Guarujá, adoeceu no Hotel, onde residia, a senhora do proprietário deste estabelecimento. Chamado um leigo para vê-la, na ausência do médico, prescreveu-lhe o prático de farmácia óleo de rícino e calomelanos e em seguida quinina, julgando tratar-se de impaludismo. Não cessando a febre e o mal estar, a doente seguiu para S. Paulo; no dia seguinte, no Hotel onde estava, foi vista pelo dr. Ad. Lutz que diagnosticou febre amarela, fazendo-se a remoção para o Isolamento, donde saiu curada.

Por mais que pesquisássemos, não pudemos achar a origem deste caso, porquanto morávamos em Guarujá e nenhum doente vimos, ou soubemos, de doença que pudesse se assemelhar, ou confundir, com a febre amarela. Teria estado no Hotel algum amarelento, de forma frusta, vindo do Rio ou do interior, que não tivesse chamado médico e se tivesse curado despercebidamente? Em Guarujá havia nessa época stegomyias, e desde novembro ali trabalhava uma turma da Brigada contra mosquitos, que beneficiou valas, petrolizou bocas-de-lobo, enterrou perto de 40.000 vasilhas abandonadas, muitas das quais serviam de viveiros de larvas de mosquitos.

Como medida de precaução, a Brigada continuou a trabalhar em Guarujá até março de 1905, ininterruptamente, nada de anormal tendo ocorrido até aquele mês, tendo naturalmente sido expurgado, com o possível rigor, todo o edifício do Hotel nos primeiros dias de janeiro.

A varíola reinou em Santos, de fevereiro até o fim do ano, apesar dos esforços da Comissão Sanitária para combater a doença. Naquele mês apareceu o primeiro caso, no bairro habitado pelos carroceiros, e logo os inspetores sanitários procuraram vacinar a população, nada conseguindo, porém, porque aquela gente, guiada pela propaganda feita contra a vacina pelos positivistas, no Rio de Janeiro, recusava-se sistematicamente a receber o valioso recurso profilático.

Em março, em outro ponto da cidade, novo caso de varíola apareceu, removido como o primeiro para o Hospital da Filosofia, mas a população continuou a não querer aceitar a vacina, de modo que em abril mais três variolosos foram para aquele hospital. Em junho rebentou a epidemia no primeiro foco, dando 6 doentes, número que subiu a 14 em julho, todos removidos. Em agosto a doença se alastrou pela cidade, principalmente pela Rua da Constituição, donde saíram 15 variolosos, dos quais faleceram 6. Em outubro mais 16 bexiguentos foram para o Filosofia, onde morreram 3, continuando a população a não querer aceitar a vacina, sendo preciso esforços exaustivos para se imunizar, então, duas centenas de pessoas em toda a cidade.

No mês seguinte, aumentando os casos da doença, com elevado número de óbitos, houve uma reviravolta na opinião pública e a vacinação começou a ser aceita, e mesmo procurada pelo povo, de modo que em dezembro o mal não aumentou, diminuindo ao contrário.

Nesta ocasião, cada inspetor sanitário, que em maio não conseguia fazer uma vintena de vacinações diárias, fazia cento e cinqüenta a duzentas, e os doentes em vez de se esconderem, até em porões e armários, como no princípio da epidemia, aceitavam a remoção para o hospital, certos de que ali receberiam tratamento adequado.

De outubro a dezembro foram feitas 9.000 vacinações e revacinações, tendo sido feitas 934 de fevereiro a setembro, todas pelos médicos da Comissão Sanitária. Aos clínicos de Santos foram distribuídos quatro mil tubos de polpa vacínica e pelo menos 2.500 foram aplicados, de modo que 12.000 pessoas foram preservadas da varíola em Santos, naquele ano.

Se então, como pedimos em relatório, a vacinação fosse realmente obrigatória, porquanto apesar da lei de 1892 ainda não o era de fato, por certo teriam sido poupadas as 77 vidas suprimidas pela varíola, nos 209 casos, de 1904.

Todos os prédios de onde foram removidos variolosos, além de sofrerem a desinfecção regulamentar, foram caiados e pintados, aproveitando-se a oportunidade para a reforma de muitos, principalmente na Rua da Constituição, entre Rosário e Xavier da Silveira, onde abundavam casebres de tipo colonial, habitados por gente desasseada, na maioria de raça preta. Detalhe notável desta epidemia, nenhuma criança freqüentadora das escolas foi atacada pela doença, mostrando o valor da vacina recente, naqueles quatro milheiros de crianças.

O impaludismo aparece com 54 óbitos na estatística de 1904; julgamos que se fossemos apurar bem os casos, nem metade deles poderia conservar-se naquela rubrica mortuária, porquanto no coração da cidade, onde nunca chegar podiam os anofelinos transmissores, ocorreram várias mortes causadas por tal doença. Foi sempre vezo de toda a gente em Santos, dos médicos inclusive, proclamar a intercorrência palustre em todas as doenças.

Ainda há pouco tempo, conversando com distinto colega, clínico daquela época em Santos, ele nos confessou que assim era, e que ninguém tinha a ousadia de contrariar a opinião corrente no tempo em que chegou a esta cidade e que era a referida. Qualquer que fosse a doença diagnosticada, acrescentou aquele colega, o tratamento era sempre acompanhado de administração de quinina, e ninguém se admirava, tal a força do hábito, diante dos acessos perniciosos surgidos no centro da cidade.

O impaludismo, naqueles tempos, era o rótulo de todos os casos clínicos indecifráveis ou complicados, como a gripe hoje o é para os análogos. A própria febre tifóide, na maioria dos casos, era tida como tifo malária, sendo o tratamento misto, de desinfecções intestinais e de quinina. Nos arrabaldes distantes de Santos, principalmente na Ponta da Praia, onde aliás os anofelinos não são raros ainda hoje, havia o impaludismo, como também ele existia nos limites de Santos e de S. Vicente, além do Saboó, e na ilha de S. Amaro, quer do lado do porto, na Bocaina, quer nas praias ladeantes da vila balneária do Guarujá.

Três doentes de difteria estiveram no Hospital de Isolamento, falecendo 1. A tuberculose continuou a ser a doença mais mortífera de Santos, causando 185 óbitos, e contra ela continuavam os esforços da C. Sanitária, já desinfetando os domicílios ocupados pelos doentes, já promovendo a reforma dos prédios, para que a insolação e o arejamento dos aposentos modificassem usos e costumes nocivos, prejudiciais aos moradores. As medidas postas em prática vêm dando resultado, porquanto tendo dobrado a população santista no último decênio de 1895 a 1904, o número dos óbitos pela tuberculose aumentou apenas de 20%.

O policiamento sanitário foi feito com especial cuidado, continuando a faina das reformas domiciliares, surgindo 324 casas novas, tendo sido 537 reformadas radicalmente, como conseqüência das 28.384 visitas domiciliares e das 2.791 intimações para obras e para asseio. Os armazéns, como todos os lugares onde se tornavam possíveis os ninhos dos ratos, foram alvo de vigilância contínua, sendo o piso dos mesmos, como os porões, impermeabilizado com concreto de cimento.

As instalações sanitárias começaram a melhorar sensivelmente, multiplicando-se os tanques de lavagem de roupa, para substituição das tinas perigosas, prováveis focos de mosquitos. O tipo das habitações começou a melhorar sensivelmente, modificando-se o aspecto da cidade, onde nas próprias ruas antigas, prédios de aparência agradável faziam contrastar a casaria arcaica dos tempos coloniais.

As casas de comércio de gêneros alimentícios, especialmente as vendas, as quitandas, os açougues e as padarias, sofreram em geral reformas radicais, ficando aparelhados na maioria, regulamentarmente, a começar pelos açougues, ladrilhados de branco, arejados e isolados dos domicílios por uma área descoberta de uso exclusivo do estabelecimento.

A "Brigada contra mosquitos e moscas", começada em fevereiro, teve a sua organização terminada em maio, com 6 visitadores, 4 petrolisadores e 12 trabalhadores de enxada. A cidade foi dividida em setores, de modo que semanalmente, pelo menos na zona urbana, que se estendia do litoral, do Cais, que já chegava quase ao Paquetá, até a Rua Luíza Macuco, cada prédio era visitado de oito em oito dias.

No centro da cidade, e nos vasos ornamentadores das sepulturas do Cemitério do Paquetá, foram destruídos numerosos focos de stegomyias, e nas valas dos arrabaldes outros tantos de culex fatigans. Desde então observamos que nas águas das valas raramente o stegomya era encontrado e se alguma vez a sua presença era verificada, tinha origem em focos constituídos em vasilhas abandonadas nos fundos das mesmas valas e que posteriormente vinham a ser submergidas ali.

O número das visitas em quintais, áreas, terrenos e pátios, feitas pelo pessoal da Brigada, elevou-se a 90.504, de fevereiro a dezembro, tendo sido amassadas e removidas 827.958 vasilhas! Destas, 388 continham larvas e ovos de mosquitos. Foram expedidas 855 intimações e 30 multas. Como referimos já, a Brigada trabalhou em Guarujá, onde destruiu 39.117 recipientes abandonados, nas proximidades das habitações.

O desinfetório, que funcionava num barracão, na Praça da República, junto da Alfândega, no lugar hoje ocupado pela Recebedoria de Rendas, foi transferido em abril para a proximidade do Hospital do Isolamento, na Rua Luíza Macuco, construindo-se também uma cocheira regulamentar e depósito para os carros do Serviço Sanitário, nos fundos do estabelecimento.

Pelo pessoal do Desinfetório foram feitas 330 desinfecções em casas contaminadas por contagiosos, 2 expurgos por febre amarela, sendo passadas nas estufas 8.436 peças de roupa. Foram petrolizados 13.740 ralos e sifões de bocas-de-lobo, e incinerados 45.667 ratos mortos, comprados pela C. Sanitária, para exame relativo à peste.

No Hospital de Isolamento do Macuco, barracão de madeira construído em 1892 pelo Governo do Estado, à beira-mar, foram internados 17 doentes de peste, de difteria e de sarampão, dos quais faleceram 6. O hospital de variolosos chamado da Filosofia, junto ao cemitério do mesmo nome, no Saboó, recebeu 209 doentes, dos quais faleceram 77. Era também um casarão velho, ligeiramente adaptado, situado no alto do morro, de acesso difícil, sendo os doentes conduzidos para lá em padiolas. Durou também até 1913, quando foram terminados os pavilhões do novo Isolamento, no Caminho velho da Barra, hoje Rua Oswaldo Cruz.

Faleceram em 1904, em Santos, 1.507 pessoas, sendo a tuberculose a doença que maior número de óbitos causou, 185, vindo a seguir a varíola com 77, a febre tifóide com 10, o impaludismo com 60, o sarampão com 17, a coqueluche com 12, a disenteria com 5, a difteria com 1, o tétano dos recém-nascidos com 35, os cancros com 10. Foram registrados 311 casamentos e 2.182 nascimentos, ficando o saldo de 675 vidas.

Tendo o dr. Francisco Cavalcanti, em março, pedido dispensa por doente, do cargo de chefe da Comissão Sanitária, foi designado pelo diretor geral o inspetor sanitário dr. Guilherme Álvaro para substituí-lo. Este assumiu a direção dos serviços em 11 de abril, tendo como auxiliares os doutores João Chaves Ribeiro, Tolentino Filgueiras, Antonio Ribeiro, Pereira da Cunha, Netto Caldeira e Manoel Francisco da Costa. Em agosto o dr. Antonio Ribeiro pediu transferência para S. Paulo, vindo substituí-lo o dr. Álvaro de Oliveira Ribeiro.


"Largo do Rosário em 1919"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1905}
Santos atravessou o ano de 1905 sem que a saúde pública local tivesse sofrido sobressalto de vulto. A cifra da mortalidade geral foi inferior à do ano transato, a natalidade excedeu de muito a mortalidade e as numerosas construções e reconstruções de prédios na cidade e nos arrabaldes, onde as casas vazias foram raras, atestaram o seu desenvolvimento, tornando-a sem contestação o segundo porto da República, com perto de 60.000 habitantes e um dos mais movimentados da América do Sul. Este resultado foi conseguido em dez anos de trabalho da Comissão Sanitária, pois as municipalidades muito pouco auxiliaram, durante este período, o Governo do Estado, na obra de reabilitação do seu melhor e maior porto de mar.

A epidemia de varíola começada em meados de 1904 terminou em fevereiro de 1905, causando ainda 6 óbitos em 22 casos da doença. Foram vacinadas e revacinadas durante o ano 4.500 pessoas, sendo 2.292 pelos inspetores sanitários na cidade e arrabaldes e 2.200 entre os empregados da Companhia Docas de Santos, que muito auxiliou a Comissão Sanitária nesta campanha humanitária e patriótica.

Além daquelas vacinações, muitas outras, que não conseguimos contar, foram feitas pelos clínicos da cidade, a quem foram distribuídos mais de 1.500 tubos de polpa vacínica. Em dezembro foi removido um varioloso da Rua General Câmara, mas o caso da doença não foi indígena, tendo chegado de Minas três dias antes, sem ter havido contaminação dos moradores das circunvizinhanças. De bordo de navios recém-chegados ao porto foram também removidos variolosos, provenientes do estrangeiro; eram imigrantes destinados ao interior do Estado e que foram removidos para o hospital, onde se curaram.

Nenhum caso de febre amarela, indígena, foi observado em Santos. Em outubro, de bordo do vapor francês Concordia, na véspera chegado do Rio de Janeiro, foi removido um doente de febre amarela, que naquele porto a tinha adquirido. Tratado no Hospital de Isolamento, com as devidas cautelas, se restabeleceu, tendo o navio sido afastado do cais e sujeito ao enxoframento regulamentar.

Em 22 de dezembro foi removido um pestoso da Praça da República nº 38, residente ali havia cinco dias, desde que viera do Rio, a bordo do vapor francês Colonia. Este doente havia desembarcado naquela cidade e pernoitado em hospedaria da Saúde, onde por certo havia adquirido o mal levantino, de que se curou em janeiro no Hospital de Isolamento. Foram por várias vezes examinados os ratos provenientes da referida Praça da República e nenhum deles forneceu germe de peste nas preparações feitas com esfregaço do baço, mostrando que não havia contaminação daqueles animais.

Tendo os portos da Alemanha sido considerados sujos pelo Cholera, durante um mês os passageiros daquela proveniência ficaram sujeitos à vigilância da Comissão Sanitária, que em nenhum deles nada de anormal verificou. Todo o auxílio foi prestado à Inspetoria de Saúde do Porto, federal, fornecendo-se-lhe material para desinfecções e as estufas necessárias ao expurgo das roupas servidas, removidas de bordo.

Por determinação do dr. secretário do Interior, os inspetores sanitários fizeram também o exame dos imigrantes vindos à custa do Estado de S. Paulo, sendo visitados 38 vapores e inspecionadas 16.817 pessoas, das quais algumas foram recusadas por sofrerem de tracoma e uma de lepra tuberculosa.

Os serviços da Brigada contra mosquitos e moscas foram desenvolvidos ainda, em conseqüência da má execução da limpeza pública durante o ano. A municipalidade havia resolvido desde 1901 deixar de fazer aqueles serviços por administração, para entregá-los a empresa particular, com contrato por longos anos, e o novo contratante não cumpria os mais elementares artigos do seu contrato. Ao contrário, fazia freqüentemente depósito de lixo nas valas e nos terrenos limpos anteriormente pela Brigada, chegando a entupir as bocas-de-lobo com as varreduras, em vez de removê-las.

Por mais que reclamássemos, da Prefeitura nada se obtinha, continuando o protegido contratante a agir a seu bel prazer até o fim do seu contrato. Este capítulo sanitário da limpeza pública tem sido dos mais interessantes de Santos, sob qualquer ponto de vista. Tempo houve, não muito afastado ainda, em que para se preferir determinada proposta, de formação de esterquilínio, para afastar outras que ofereciam a incineração do lixo da cidade em fornos modelares, a Comissão de Higiene da Câmara Municipal, em parecer que foi publicado, afirmava que contra a incineração "militavam razões de ordem econômica, social e sanitária..."

Mais tarde, o Chefe da Comissão Sanitária, tendo intimado e depois multado um concessionário da limpeza pública, por depositar lixo nas valas e nos terrenos do perímetro urbano, foi denunciado ao dr. secretário do Interior, pelo capitão presidente da Câmara Municipal, como réu de lesa Constituição...

Pelo pessoal da Brigada contra mosquitos e moscas foram feitas 97.388 visitas a terrenos, chácaras e quintais, limpos e roçados 2.873 terrenos baldios, destruídos 448 focos de larvas de mosquitos, removidos e enterrados 193.829 recipientes diversos, e beneficiados 65 quilômetros de valas, dos quais 5 em Guarujá. Foram expedidas 1.181 intimações e 4 multas.

O policiamento da cidade e arrabaldes continuou a ser feito com o maior cuidado, a cargo de seis inspetores, que fizeram 33.672 visitas, expedindo 2.878 intimações para obras, reformas e asseio. Foram fiscalizadas 229 construções e 206 reformas de prédios, tendo sido melhorados 590 e fechados 84 por inabitáveis.

Vários edifícios públicos mereceram visitas especiais, decorrentes do seu mau estado, destacando-se a Cadeia e o Quartel de Polícia. A Cadeia precisava de iluminação e arejamento das prisões, impermeabilização do solo desses compartimentos e revisão completa da rede de esgotos e do respectivo aparelhamento.

O Quartel de Polícia, situado no centro urbano, em dois prédios velhos, cheios de vícios insanáveis de construção, com o solo desprotegido, sem banheiros e gabinetes sanitários aceitáveis, sem cozinha digna deste nome, sem espaço para os diferentes serviços, só possuía toleráveis as cavalariças, dando para a Rua Amador Bueno.

Por várias vezes foram pedidos os melhoramentos referidos para os dois prédios aludidos, ficando o governo de atender oportunamente, o que anos depois foi realizado, com vantagens até para os cofres públicos, fazendo-se a remoção do contingente de soldados para melhor local.

O Hospital de Isolamento continuou a funcionar no barracão da Rua Luíza Macuco, onde estiveram em tratamento 1 pestoso, 3 diftéricos e mais 7 doentes de observação. Funcionou o estabelecimento com toda a regularidade, prestando bons serviços e, de marítimo que havia sido, ficou afastado da beira do cais cerca de 500 metros, em virtude do aterro feito na sua frente, pela Companhia Docas de Santos.

O Desinfetório auxiliou bastante os serviços da Comissão Sanitária, fazendo 204 desinfecções em prédios habitados por contagiosos, desinfetando um milheiro de peças de roupa, removendo 22 variolosos e outros 12 doentes contagiosos para o Isolamento. Da S. Casa removeu 227 cadáveres para o Cemitério, além de mais 102 indigentes, a pedido de autoridades policiais.

Em 1905 faleceram 1.391 pessoas, sendo registrados 319 casamentos e 2.100 nascimentos. Das doenças contagiosas, a tuberculose foi a que produziu maior número de óbitos, 173, depois vindo o impaludismo com 40, o sarampão com 14, a coqueluche com 10, a disenteria com 5, a difteria com 2, o tétano dos recém-nascidos com 10, os cancros com 16, e a febre tifóide com 6.


"Inundação da Rua Santo Antonio em 1905"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1906}
O ano de 1906 não foi mau para Santos, apesar do aparecimento de alguns casos de varíola e de peste bubônica, não tendo esta doença produzido óbitos. Os variolosos saíram, em janeiro, das ruas Braz Cubas e S. Bento, removidos logo para o hospital da Filosofia, onde os dois doentes se restabeleceram. Foi iniciada imediatamente a vacinação sistemática dos focos, estendida em seguida a toda a cidade, conseguindo-se que a doença não se desenvolvesse.

Em 23 de janeiro foi removido um pestoso da Rua S. Dumont, operário da Companhia Docas de Santos, em cujas oficinas trabalhava. Este doente, de forma bubônica, saiu curado do Isolamento em abril. No último dia de janeiro, outro pestoso era removido, da Beneficência Portuguesa, mas cuja residência era na Rua Martim Afonso, 35; como o primeiro, restabeleceu-se, tendo apresentado a forma bubônica também.

Em fevereiro foi removido o terceiro pestoso, residente na Rua João Macuco, e empregado nas oficinas da Companhia Docas. Foi um caso benigno, de bubão crural, que se curou no mês seguinte. Verificando-se que alguns compartimentos das novas oficinas das Docas, pelo fato de terem o solo arenoso, serviam de ninho de pulgas, obtivemos daquela Companhia a petrolização do solo dos referidos compartimentos, fazendo deste modo desaparecerem as pulgas que podiam em dado momento constituir grande perigo, tanto mais que os ratos abundavam na região, próxima dos locais onde atracavam embarcações de proveniência suspeita.

Meses depois, em setembro, da Rua General Câmara 150, foi removida uma mulher atacada de peste, de forma septicêmica. Foi um caso muito grave; entrando para o Isolamento no dia 29, veio a falecer no dia 2 de outubro. Em 24 desse mês a S. Casa notificou a existência dum pestoso numa das suas enfermarias; de fato, dali foi removido o doente, com bubão crural, caso aliás benigno, que saiu curado do Isolamento vinte dias depois. Era um jornaleiro, residente no fim da Rua Senador Feijó, ao lado de cocheira.

O mês de novembro deu dois pestosos. O primeiro, no dia 7, era trabalhador das Docas, residente na Rua Marquês do Herval, e apresentava bubão crural; o segundo, vigia do armazém nº 1, residente na Rua S. Francisco, 126, foi removido no dia 25. Ambos os doentes saíram curados do Isolamento, tendo o segundo também bubão crural. Certamente estes dois pestosos adquiriram a doença no cais, onde trabalhavam, mesmo porque nem nas suas residências, nem nas imediações, qualquer fato anormal foi verificado.

O último mês do ano foi o que maior número de doentes de peste forneceu. No dia 9 foi removido o primeiro, trabalhador, residente perto duma cocheira, na Rua Senador Feijó. Era um caso gravíssimo, de forma bubônica, inguinal, vindo a falecer no dia seguinte. No dia 10 entrou o segundo pestoso para o Isolamento, curando-se uma quinzena depois; a doença era benigna, de forma ambulatória quase. O terceiro doente saiu da Rua de S. Francisco; apresentava bubão crural e saiu curado no começo do mês seguinte, tendo entrado para o Isolamento no dia 15. O último caso de peste, de forma septicêmica, gravíssima, foi removido no dia 20 da Rua Xavier da Silveira, falecendo a 21.

A febre amarela não figura nas estatísticas de Santos de 1906, nem com entradas no hospital, nem com óbitos, e desde então permaneceu ausente desta terra onde tantos males causou.

O hospital de Isolamento hospedou 28 doentes durante o ano, dos quais 2 de varíola, 11 de peste, 5 de difteria e 2 de febre tifóide, sendo os restantes para observação.

Os inspetores sanitários continuaram intensificando o serviço de policiamento, promovendo a reforma dos prédios insalubres, sempre a começar pela proteção do solo dos armazéns e dos porões, continuando também a campanha contra as últimas cocheiras existentes dentro do perímetro urbano.

Iam assim se modificando usos e costumes de Santos, surgindo os prédios novos todos regulamentares, graças à ação conjunta da Comissão Sanitária e da Câmara Municipal, a que se veio juntar a Comissão de Saneamento, projetando e executando esgotos modelares, não só para as construções como para as reformas e as reconstruções.

Os ratos já eram bem menos abundantes em Santos, naturalmente pela diminuição dos esconderijos onde se multiplicavam, nas áreas e nos porões de solo desprotegido, mesmo nos centros urbanos.

Foram feitas 29.930 visitas domiciliares pelos inspetores sanitários, que expediram 2.832 intimações para obras e reformas, fechando-se 64 prédios insalubres. O serviço de vacinação preocupou os inspetores sanitários, que apenas conseguiram aplicar o preservativo da varíola a 4.543 pessoas, persistindo a população em recusá-lo, apesar de ser legalmente obrigatório no Estado desde 1892. Por várias vezes pedimos providências a respeito deste fato à Diretoria do Serviço Sanitário, que nada pôde fazer em virtude da interpretação jurídica que se dava à lei, por falta de regulamentação.

Pelas turmas do Desinfetório foram beneficiados 386 prédios onde haviam residido contagiosos, dos quais 168 tuberculosos, 3 variolosos, e 10 pestosos, ou suspeitos de ter a doença. A distribuição de veneno para ratos, nos armazéns da Companhia Docas, continuou a ser feita mensalmente, comprando-se 35.000 ratos, incinerados no Desinfetório, depois de examinados para pesquisa da peste, algumas vezes encontrada nos provenientes do litoral.

A Brigada contra mosquitos trabalhou não só na parte urbana, como na parte suburbana de Santos, limpando nesta última 110 quilômetros de valas e leitos de rios, destruindo 1.341 focos de mosquitos nos centros urbanos, enterrando 251.000 recipientes abandonados, roçando 131 terrenos baldios, com 600.000 metros quadrados de superfície, petrolizando 4.582 bocas-de-lobo e 2.941 registros do cais. Pelos visitadores foram inspecionados 39.000 terrenos, hortas e quintais, visitadas 394 cocheiras e entregues 522 intimações para asseio e nivelamento de terrenos.

O número de óbitos ocorridos em 1906 elevou-se a 1.404, dos quais 170 causados pela tuberculose, 33 pelo impaludismo, 13 pelo sarampão, 14 pela gripe, 7 pela coqueluche, 6 pela disenteria, 26 pelo tétano dos recém-nascidos, 3 pela peste, 6 pela febre tifóide e 22 pelos cancros.

Durante o ano foram registrados 388 casamentos e 2.167 nascimentos.


"Inundação do Largo José Bonifácio em 1908"
Foto publicada com esta legenda no livro A Campanha Sanitária...

{1907}
A epidemia de peste começada em fins de 1906 prolongou-se pelo ano de 1907, surgindo os quatro primeiros doentes em janeiro. No dia 10 foram removidos dois, um de bordo do vapor inglês Saxon Prince, atracado ao cais havia quase já duas semanas, e outro da Travessa do Rosário. O primeiro, tripulante do vapor, curou-se; o segundo, criada de servir, preta, faleceu, tendo ambos apresentado bubões crurais. Nos dias 12 e 31, das ruas Visconde de Embaré e José Ricardo, foram conduzidos para o hospital mais dois bubônicos, trabalhadores, que se curaram.

Em fevereiro foram removidos dois doentes gravíssimos, com bubões crurais e que faleceram; residiam no fim da Rua Guerra, próximo ao litoral. Em março, a Rua do Rosário deu um doente, no prédio nº 150, e dois no de número 59; os três, de forma bubônica, crural, restabeleceram-se.

Até começo de julho nenhum caso de peste foi observado em Santos, mas no dia 3, da Praça da República 44, foi removido um jornaleiro, com bubão crural, dando a mesma habitação coletiva outro bubônico no dia 5. Ambos eram trabalhadores do cais.

Na manhã de 15 recebemos comunicação de que havia um pestoso na Capela do Monte Serrate; para lá seguimos em companhia do dr. Ugolino Penteado, que vinha iniciar as suas funções de Inspetor Sanitário em Santos, e verificamos, de fato, estar atacado da doença o sineiro da igrejinha, e residente em dependência do prédio. Era um caso benigno, quase supurado já, o grande bubão crural de que se queixava.

Removemos o doente para o Isolamento, descendo-o com dificuldades grandes pelas íngremes ladeiras do outeiro, e com maiores dificuldades ainda lutando, para conseguir conduzir até aquelas alturas a água necessária à desinfecção do prédio contaminado. Estando a capelinha com o solo esburacado, servindo de ninho de ratos, aproveitamos a ocasião para mandá-la reformar, o que se fez, ladrilhando-se toda a nave do templo e o solo das dependências.

O último pestoso de julho foi um desinfetador, que adoeceu no dia 29; residia na Rua Aguiar Andrada, perto do mercado, e restabeleceu-se no hospital, como os outros doentes do mês.

Em agosto foi feita uma remoção da Rua General Câmara nº 190, curando-se o bubônico, jornaleiro, o mesmo sucedendo aos removidos, um de cada uma das casas das ruas Antonio Prado 16 e S. Leopoldo 34, em setembro. No mês seguinte saiu ainda um bubônico da Rua Amador Bueno 181; caso benigno, terminou pela cura vinte dias depois.

Dois doentes entraram para o Isolamento em novembro; o primeiro foi removido no dia 4, da Rua 15 de Novembro 77, sobrado velho, dando fundos para o litoral. Era uma senhora, sofrendo de bubões crurais e que saiu curada do hospital, o mesmo não acontecendo com o segundo doente, morador na Rua Amador Bueno, jornaleiro, que veio a falecer no dia 14, com 5 dias de sofrimentos, tendo bubões axilares e cervicais.

Dos três bubônicos entrados para o Isolamento em dezembro, curou-se o residente no morro do Fontana, por trás do Hospital da S. Casa, vindo a falecer os removidos da Rua Braz Cubas 192, marido e mulher, portadores de bubões axilares e inguinais. A casa era um ninho de ratos, e foi desinfetada, fechada e reformada.

A não ser nos casos dos morros, em que o pulverizador a vapor não podia entrar em ação, nos outros todos, os prédios foram com ele beneficiados rigorosamente, e reformados em seguida a partir dos pavimentos, ficando as zonas respectivas sob vigilância sanitária durante uma semana.

A febre amarela não apareceu em Santos, e a varíola, em três casos estranhos à cidade, deu três óbitos no hospital da Filosofia. O sarampão reinou durante o inverno, tendo sido hospitalizados 12 doentes no Isolamento, onde estiveram em tratamento 6 diftéricos.

O policiamento sanitário prosseguiu rigorosamente feito, tendo os inspetores sanitários, reduzidos a 4 pela reorganização dos serviços em janeiro, visitado 20.242 prédios em toda a cidade. Foram criados então os fiscais sanitários auxiliares dos inspetores, principalmente nas zonas suburbanas, fazendo eles 38.542 visitas em terrenos, chácaras e quintais, com o fim de obter o asseio daquelas dependências.

Os prédios construídos, reconstruídos e reformados, todos regularmente, elevaram-se a 452, tendo sido demolidas 34 cocheiras irregulares, próximas dos centros populosos. Pelos inspetores sanitários foram expedidas 1.634 intimações para obras e reformas, e vacinadas e revacinadas 2.482 pessoas, continuando-se a encontrar pouca vontade por parte da população, para este recurso sanitário, que entre nós só poderia ser levado a efeito sistematicamente, como o foi depois, com a obrigatoriedade real.

O Desinfetório removeu 73 contagiados para os Hospitais de Isolamento, fazendo 300 desinfecções, das quais 163 por tuberculose, 25 por peste, 64 por sarampão, 12 por difteria e 36 por outras doenças, além de 183 preventivas em casas vazias, serviço este iniciado pela Comissão naquele ano.

A Brigada contra mosquitos e moscas poucos serviços chegou a realizar em 1907, porquanto foi dissolvida por determinação do dr. Gustavo de Godoy, antes do meio do ano, como recurso econômico. Santos escapou de pagar muito caro esta economia de 30 contos, mandada fazer em cidade exposta à febre amarela pelo dr. secretário do Interior. Nos meses em que trabalhou, a Brigada fez 19.000 visitas a terrenos baldios e chácaras, destruiu 640 focos de mosquitos, enterrou 194.000 recipientes abandonados e limpou 39.800 metros de valas e rios; petrolizou 1.943 bocas-de-lobo e 984 hidrantes do cais, lugares onde com freqüência se formavam focos de larvas de mosquitos, dado o desnivelamento dos passeios, em conseqüência da elevação do leito da Rua Xavier da Silveira.

Em 1907 faleceram em Santos 1.609 pessoas, das quais 197 por tuberculose, 39 por sarampão, 42 por impaludismo, 9 por febre tifóide, 9 por coqueluche, 8 por disenteria, 3 por difteria, 4 por peste, 3 por varíola, 12 por tétano dos recém-nascidos e 16 por cancros. Foram registrados 368 casamentos e 2.326 nascimentos.


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