Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/sv/svh072n.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/18/10 23:14:06
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE - BIBLIOTECA - Na Capitania de S.V.
Washington Luís e a capitania vicentina (14)

Clique na imagem para voltar ao início do livro 

Além de governador paulista e presidente do Brasil, Washington Luiz Pereira de Souza foi escritor e historiador, sendo responsável pela construção dos monumentos históricos do Caminho do Mar, na subida da serra entre Santos e São Paulo, em 1922, para comemorar o centenário da Independência do Brasil.

Uma das suas mais importantes obras foi esta, Na Capitania de São Vicente, publicada em 1956 (um ano antes da morte do autor) pela Livraria Martins Editora, da capital paulista. Com 341 páginas mais 7 introdutórias, a obra foi impressa pela Empresa Gráfica Revista dos Tribunais, também de São Paulo.

O exemplar de número 956 foi cedido a Novo Milênio para digitalização, pela Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. Páginas 181 a 190, com ortografia atualizada:

Leva para a página anterior

Na Capitania de São Vicente

Washington Luís

Leva para a página seguinte da série

Capítulo XIII - Jerônimo Leitão

Azevedo Marques, nos seus Apontamentos Históricos, dando a relação dos capitães-mores de S. Vicente que, em nome dos donatários, administraram a capitania, informa que Jerônimo Leitão exerceu tal cargo em 1573 e em 1583, e que Antônio de Proença o ocupou em 1580. A administração de Jerônimo Leitão, pois, teria sido feita em dois períodos, tendo entre eles a de Antônio de Proença, de 1580 a 1583.

A informação de Azevedo Marques está em contradição com a da Câmara de S. Paulo a 20 de setembro de 1592 (Atas, vol. 1º, pág. 446) que formalmente declara que Jerônimo Leitão foi capitão-mor de S. Vicente durante cerca de 20 anos, espaço de tempo equivalente ao tempo que vai de 1573 a 1592.

Em caso de dúvida, deve prevalecer a informação da Câmara da Vila de S. Paulo, contemporânea do fato, e em cujos livros, em regra, se registravam as patentes de nomeação. Mas há em outras atas dessa Câmara, informações precisas sobre o longo capitaneato de Jerônimo Leitão, que se prolongou por perto de 20 anos.

Assim a 18 de janeiro de 1573 (Atas, vol. 1º, pág. 57) em vereança, com a presença do sr. capitão-governador Jerônimo Leitão se abriu a pauta das eleições locais desse ano. De 1573 a 1578, Jerônimo Leitão continua como capitão-mor de S. Vicente, provendo diversos cargos da vila de S. Paulo (Atas, vol. 1º, págs. 58, 74, 75, 119, 120, 121).

Nos anos de 1579 e 1580 não se encontra nenhum registro de provimentos de cargos em S. Paulo, feitos por Jerônimo Leitão. Também não os há feitos por Antônio de Proença, nem nenhuma referência ao exercício deste como capitão-mor.

A 11 de março de 1581 aparecem os traslados de provisões expedidas por Jerônimo Leitão, notando-se que em uma delas nomeia justamente Antônio de Proença meirinho do campo da vila de S. Paulo (Atas, vol. 1º, págs. 177 e 205). Está bem claro que Antônio de Proença era nesse ano de 1581 um subordinado do capitão-mor de S. Vicente, Jerônimo Leitão, e não tendo sido nesse ano por conseqüência capitão-mor de S. Vicente. Tampouco o foi no ano de 1584 (Atas, vol. 1º, pág. 232), porque nesse ano foi eleito juiz ordinário da vila de S. Paulo, cargo incompatível com o exercício de capitão-mor-loco-tenente do donatário.

Nenhuma referência há, no período indicado por Azevedo Marques, nas atas e nos demais papéis da Câmara de S. Paulo, ao exercício deste cargo por Antônio de Proença, ao passo que, nos anos de 1582 e de 1584, período atribuído por Azevedo Marques a Antônio de Proença, se encontram registros de nomeações feitas e atos praticados por Jerônimo Leitão, como capitão-mor-loco-tenente, como também os há nos anos subseqüentes até 1592 em que foi substituído por Jorge Correia (Atas, vol. 1º, págs. 194, 200, 239, 251, 275, 446) nomeado por Lopo de Sousa, por provisão passada em Lisboa em 1590, mas que só foi registrada em S. Paulo a 18 de abril de 1592 (Reg. Geral, vol. 1º, pág. 39).

Frei Gaspar da Madre de Deus não inclui Antônio de Proença na Relação que organizou dos capitães-loco-tenentes, que governaram a capitania de S. Vicente até 1592.

É possível que Antônio de Proença, em 1580, tivesse praticado qualquer ato de capitão-mor, substituindo inteiramente Jerônimo Leitão em alguns de seus impedimentos. Disso, porém, não encontrei nos arquivos, que consultei, nenhum documento que o comprove.

Jerônimo Leitão, pode-se concluir, administrou a capitania de S. Vicente, como capitão-mor-loco-tenente desde janeiro de 1573 a 1592, perto de 20 anos, como disse a Câmara. Possuiu ele a inteira confiança do donatário Lopo de Sousa que, ainda em 20 de março de 1588, passou-lhe procuração e ao sobrinho Baltasar Borges, em caso de sua ausência, para tratar de negócios na capitania, como receber rendas etc., entretanto, já aí sendo ele seu loco-tenente (Registro Geral, vol. 1º, págs. 25 a 28).

Administrou a capitania prudentemente, a pleno contento dos povos da vila de S. Paulo, assim o declaram a Câmara, os homens bons e moradores de S. Paulo (Atas, vol. 1º, pág. 446). Tinha ele os mesmos sentimentos que os moradores da capitania, e a estes servia conforme os seus interesses e necessidades.

Estava Jerônimo Leitão bem radicado na terra, era irmão de Domingos Leitão, este casado com Cecília de Góis, filha de Luís de Góis. Segundo frei Gaspar, casou em S. Vicente e teve vários filhos, dos quais existia ainda geração em 1792, mas seus descendentes ignoravam que dele provinham (frei Gaspar – Memórias para a História da Capitania de S. Vicente, pág. 159, da 3ª ed., edição Taunay). Era tio de Baltazar Borges, conforme ainda informa frei Gaspar, e se encontra cientificado na procuração que passou Lopo de Sousa (Reg. Geral, vol. 1º, págs. 25 a 28).

A sua ação, para a conquista da terra, no combate aos índios inimigos dos portugueses e na expulsão dos franceses, não se limitou ao território, que ia ser capitania de S. Paulo; foi muito além, ainda que dentro das terras doadas a Martim Afonso. Diz a Informação do Brasil, de 1584, R.I.H.G.B., vol. 6º, pág. 415:

"'Na era de 1574 veio o Dr. Antônio Salema com alçada em todo o Brasil'. Ainda no seu tempo, estavam em pé os tamoios de Cabo Frio, grande colheita dos franceses, donde vinham, fazer saltos dentro do mesmo Rio, pelo qual se determinou de lhes dar guerra e assim com o favor da Capitania de S. Vicente da qual veio o capitão Jerônimo Leitão, com a maior parte dos portugueses e dos índios cristãos e gentios e com esta ajuda cometeu a empresa e acabou de destruir toda a nação dos tamoios que estava ainda com muita 'soberba e fortes com muitas armas dos franceses, espadas, adagas, montantes, arcabuzes etc.'"...

Há confirmação desse feito. Referindo-se à guerra que, em 1579, Antônio Salema fez para exterminação dos tamoios de Cabo Frio, aliados dos franceses e com estes comerciando, Capistrano de Abreu informa que nessa ocasião "foi pedido auxílio da capitania de S. Vicente, de onde partiu Jerônimo Leitão comandando muitos portugueses e índios cristãos". As forças reunidas, segundo dois contemporâneos, contavam 400 portugueses e 700 índios. Entre os primeiros acham-se Cristóvão de Barros e Antônio de Mariz [1] que nela se distinguiu. A 15 de novembro de 1579, estava ele em preparativos para uma expedição, da qual deviam fazer parte Antônio de Macedo e João Fernandes, filhos de João Ramalho, segundo uma carta que lhe escreveu José de Anchieta: mas não se pode determinar o objetivo e o destino, pois muito vagos são os termos dessa carta (Cartas Jesuíticas, vol. 3º, pág. 268).

A 10 de abril de 1585 (Atas, vol. 1º, pág. 275), a Câmara de S. Paulo dirigiu longa e interessante representação a Jerônimo Leitão, alegando a situação aflitiva da capitania, na qual desde seis anos tinham morrido mais de seis mil peças do gentio, de câmaras de sangue e de outras moléstias, estando ela sem escravaria para o trabalho de plantações e criação de gado, de que viviam e pagavam o dízimo ao rei, e alegando ainda que o gentio carijó já havia matado dos brancos mais de 150 homens, espanhóis e portugueses, entre os quais os 80 mandados por Martim Afonso pela terra adentro, e até padres da Companhia de Jesus.

A Câmara de S. Paulo, nessa representação, requereu que fizesse guerra a esse gentio carijó, inimigo dos tupiniquins, por mar, pela facilidade de se levar mantimentos, e, vencendo-os fossem eles trazidos ao ensino e à doutrina cristã. Sem essa guerra de escravização e de vingança, a capitania se despovoaria, porque estavam todos dispostos a "largar a terra e ir viver onde tivessem remédio de vida". Pediu ainda que a respeito fossem ouvidas as demais Câmaras.

Recebendo esse requerimento, a 25 abril de 1858, e já havendo lei que regulava as guerras justas, Jerônimo Leitão convocou uma reunião dos oficiais da vila de S. Vicente e da de Santos, do reverendo padre vigário da vila de Santos para praticar sobre as coisas dessa guerra.

A reunião se efetuou a 10 de junho de 1585, na igreja e ermida do bem-aventurado S. Jorge na fazenda e engenho dos Esquetes (Shetz), termo da vila de S. Vicente, estando presentes os convocados e algumas pessoas da governança das ditas vilas. Nela se tomou a deliberação de fazer a guerra aos carijós e tupiães, contanto que todos os moradores se apresentassem com suas pessoas, armas, mantimentos e escravos, para acompanharem o capitão-mor Jerônimo Leitão, e que os índios vencidos fossem repartidos proporcionalmente entre todos os vencedores "para serem doutrinados, como gentio forro, e dele se ajudarem em seu serviço no que fosse lícito".

Nessa ocasião fora mais deliberado que o capitão-mor Jerônimo Leitão levaria línguas (intérpretes), para com o gentio tratar e ter comércio de pazes, o que sendo pelo gentio recusado, "o dito capitão e com os que em sua companhia fossem determinariam como se havia de haver com esse gentio, que não quiser vir de paz, de tudo se fazendo autos, guardando sempre o serviço de nosso senhor e o bem e prol da terra".

Tomando conhecimento dessa deliberação, a Câmara de S. Paulo deu-lhe o seu completo apoio a 1º de setembro de 1585 (Atas, vol. 1º, pág. 281).

A guerra se fez, como se vê da vereança de 17 de outubro de 1585 (Atas, vol. 1º, pág. 286) na qual conta que 3 oficiais da Câmara mandaram chamar os moradores, que estavam na vila, para eleger substitutos "por serem os mais ido ao sertão em companhia de Jerônimo Leitão na entrada que fez ao sertão"...

A 14 de junho de 1586 (Atas, vol. 1º, pág. 297) os oficiais da Câmara de S. Paulo, Jorge Moreira, Gonçalo Frz., Pero Dias, Fernão Dias e Baltazar Rodrigues, reconhecem e desculpam o mau estado dos caminhos e das pontes, pois que "toda a gente do povo estava ausente da capitania com o capitão Jerônimo Leitão, tendo ido à guerra, ficando apenas mulheres e que por esta razão, por ora, se não podia prover nas pontes. Mas que todavia fosse notificado às mulheres dos homens, a que estavam repartidas as tais pontes, cumprissem a sua obrigação".

A 27 de julho de 1586, Jerônimo Leitão já estava de volta na Vila de S. Paulo de Piratini, e nomeava, por ser muito necessário, Diogo Teixeira, meirinho do campo, por provisão registrada em ata dessa Câmara (Atas, vol. 1º, pág. 301). Já essa fase da guerra estava terminada; mas a esse termo não se referem os arquivos paulistas. Pode-se, porém, afirmar que não foi então uma guerra de extermínio, porque as entradas continuaram, sendo sem dúvida a reunião, na igreja e ermida de S. Jorge e a determinação tomada no engenho dos Esquetes, o reconhecimento de guerra justa ao indígena da capitania de S. Vicente, guerra que iria durar anos.

Em 31 de julho de 1588 os oficiais da Câmara se juntam para eleger um substituto ao juiz João de Prado, que era ido à guerra (Atas, vol. 1º, pág. 354). Sem dúvida outras entradas foram feitas, e para outros rumos.

De uma, pelo menos, falam as vereanças, que não teve sorte feliz. Em 1590, Antônio de Macedo, filho de João Ramalho, meio sangue de índio, e seu companheiro Domingos Luís Grou, casado com Maria da Penha, filha do cacique de Carapicuíba, fizeram uma entrada composta de cerca de 50 homens brancos (Atas, vol. 1º, pág. 403) tendo sido quase toda destruída pelo gentio, o que comoveu profundamente a pequenina vila de S. Paulo, que nesse ano contava apenas uns 140 moradores (Atas, vol. 1º, pág. 410). A respectiva Câmara, abalada pelo fim trágico dessa entrada, dela se ocupou longamente em várias de suas vereanças.

A Câmara deu conta minuciosa ao capitão-mor em carta de 17 de março de 1590 (Atas, vol. 1º, pág. 388) informando que os índios estavam amotinados, haviam matado muitas pessoas, confirmando que a entrada de Antônio de Macedo e de Domingos Luís Grou havia sido inteiramente trucidada pelos índios, e que estes vinham sobre S. Paulo. Pediu ao capitão-mor Jerônimo Leitão que, com brevidade, acudisse com a sua pessoa a pôr cobro a tal situação. Nessa carta, deu também notícia das atrocidades cometidas, do pavor que reinava, das circunstâncias aterradoras que envolviam o caso, das providências tomadas para a garantia da colônia.

Os sitiantes haviam abandonado os seus sítios, fugindo. "Antônio Arenso fugiu do sertão por o quererem assassinar em Jaguari, depois de lhe matar um mancebo chamado João Valenzuela e um índio tecelão. Dois ou três dias antes haviam morto um filho do Gonçalo Afonso e Isac Dias, e que muitos estavam presos para serem sacrificados. Anunciavam os índios que todos da entrada haviam sido mortos e já os "traziam na barriga" (já os tinham devorado).

A Câmara tomou as providências que lhe cabiam e que estavam a seu alcance, mandando construir um forte e tranqueiras em Emboaçava, próximo a aldeia de Carapicuíba, determinou que nessa passagem estivessem um cabo e 15 homens de guarda, estabelecendo vigias, que dia e noite estivessem atentos e diariamente viessem dar conta do ocorrido. Proibiu a exportação de carnes, mandou conservar carnes salgadas e fazer farinha para alimentação "dos possíveis reforços", a vir do Rio de Janeiro e das outras vilas, ordenou que os moradores se aprestassem com suas pessoas, armas, escravos e índios para a defesa da vila, reclamando desesperadamente munições (Atas, vol. 1º, págs. 393, 398, 401).

Parece que os próprios tupiniquins, entre os quais viviam os colonos, aliaram-se, pelo menos em parte, aos inimigos que vinham do sertão. A redação das vereanças não é bem clara.

A 13 de abril de 1590, no porto de vila de Santos, Jerônimo Leitão tomou conhecimento das comunicações recebidas e determinou que todos "os homiziados e apelados que estivesse na vila por qualquer motivo, salvo os proibidos na Ordenação, se aprontassem com as suas armas ofensivas e com suas armas defensivas de algodão, contra o gentio topinaen, digo topininiqui, digo topiquanaqui, digo topianaquim (na sua ignorância ou na sua atrapalhação o escrivão usou todos esses nomes, confundindo tudo) para aplacar essa "fúria de guerra", porquanto o gentio já se achava marchando juntos às fronteiras.

Igual providência foi por Jerônimo Leitão tomada junto às outras vilas do mar, inclusive Itanhaém, para que todos o acompanhassem na defesa de S. Paulo, suspendendo todas as causas crimes e cíveis ou demandas em andamento. Tudo isso foi apregoado, conforme se vê no termo transcrito no volume 1º das Atas de S. Paulo, págs. 398-399.

É provável que tivesse sido reclamado socorro do Rio de Janeiro.

As novas que chegavam e se espalhavam eram verdadeiramente aterrorizadoras, pois que constava até que os índios alevantados traziam ajuda dos naturais de Paraopava (idem, pág. 404).

Azevedo Marques, nos Apontamentos Cronológicos, dizia que a 1º de julho de 1590 os índios atacaram a vila, se apoderando dos subúrbios e queimaram a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Pinheiros. A Câmara fez constar na sua vereança de 7 de julho de 1590 (Atas, vol. 1º, págs. 403 e 404) que os índios, depois de terem destruído toda a entrada de Antônio de Macedo e de Domingos Luís Grou, atacaram a vila e puseram a terra em grande aperto, mataram três brancos, muitos índios e escravos, feriram a muitos, destruíram muitas fazendas, assim de brancos como de índios e sacrilegamente quebraram a imagem de Nossa Senhora do Rosário de Pinheiros.

Os índios foram repelidos e a guerra depois tornou-se ofensiva por parte dos colonos. Desde agosto de 1590 a janeiro de 1591, não se fizeram vereanças na Câmara, porque todos os moradores da vila eram índios à guerra com o capitão-mor (idem, vol. 1º pág. 409). Muitos dos índios foram aprisionados e reduzidos à escravidão e sobre eles a Câmara providenciou determinando a 15 de junho de 1591 (Atas, vol. 1º, pág. 422) "que toda a pessoa que tivesse escravo macho, trazido desta guerra dos topinaquis, de 14 de anos para riba, os venda para fora da terra sob pena de ser perdido tal escravo que se não vender ... pelo muito dano que se pode seguir em eles fugindo daqui para o campo".

Nessas entradas, em 1590, nessa guerra ofensiva, os colonos tinham atravessados o Rio Jaguari (idem, fls. 388) o seu afluente Pirapetingui (idem, fls. 423) e atingindo o Parnaíba, onde havia chegado Antônio de Macedo, Domingos Grou e sua gente e em cuja volta tinham perecido (idem, pág. 423).

Os índios foram repelidos, mas não se deram por vencidos nem subjugados.

As ameaças, as escaramuças, os ataques prosseguiram. E a Câmara continuava a fazer as suas reclamações, acrescentando que esses índios "eram vizinhos e amigos, eram seus compadres, se comunicavam com os moradores, gozando dos mesmos resgates e de suas amizades", e que, se não tivessem o justo castigo, reformariam as suas forças e tornariam com mais ímpeto, por ser gente bárbara e usada na guerra, e que eles chegaram a dizer que, acabando com a capitania de S. Vicente, iriam ao Rio de Janeiro e mais partes da costa, entregariam o capitão e os padres aos ingleses, e com estes assentariam pazes (vereança a 7 de julho de 1591, vol. 1º, pág. 404).

Descrevendo os fatos e receando a sua repetição, a Câmara reclamava nova guerra ofensiva, que assim era lícita e justa, e a reclamava com toda a urgência, antes que essas tribos se aliassem com o gentio de Paraupava e com ele viessem em novos assaltos (Atas, vol. 1º, págs. 403 e 404).

A situação era grave e uma das mais graves que atravessou a colônia; e, de fato, estavam em perigo a vida dos colonos e a segurança do estabelecimento português.

Por essa época, Cavendish atacou e incendiou a vila de Santos e andava rondando as costas do Brasil e nelas não achou nada que o seduzisse. Era necessário meter brio ao capitão-mor e estimular os moradores das outras vilas, e por essa forma escrevia a Câmara de S. Paulo a Jerônimo Leitão e às outras Câmaras.

Em vista das reclamações insistentes, a última foi feita a 13 de outubro de 1591 (Atas, vol. 1º, pág. 429 e 431) e após consultas às Câmaras da Capitania, tomando todas as precauções para não se colocar mal com o rei e com os jesuítas, Jerônimo Leitão considerou a guerra justa, tomou a ofensiva e entrou ao sertão, com a gente de S. Paulo e com a gente que pôde obter nas outras vilas da capitania.

A que pontos chegaram as entradas comandadas por Jerônimo Leitão? Bem difícil é determiná-los precisamente. Nos nossos arquivos não se encontram indicações do itinerário seguido por Jerônimo Leitão, nem região a que ele chegou. O padre Pablo Pastells, porém, na sua História da Companhia de Jesus na Província do Paraguai (vol. 1º, pág. 195), dá o resumo de uma carta de d. Antônio de Anhasco, datada de 14 de novembro de 1611, dirigida ao sr. Diogo Marim Negron, governador do Rio da Prata, em Buenos Aires, em que comunica "que havendo saído de Ciudad Real e estando em uma redução dos Padres da Companhia de Jesus, antes de chegar a Paranambaré, onde é capitão um índio chamado Taubici, na véspera de Todos os Santos, chegou-lhe a notícia de que os portugueses de S. Paulo entravam pelo caminho, que 30 anos antes tinha entrado Jerônimo Leitão com grande golpe de portugueses". Por esse sertão foi feita, sem dúvida, a entrada.

Pode-se apenas afirmar que a primeira expedição foi dirigida contra os carijós, que nessa época povoavam o Sul da capitania de S. Vicente, porque se descrevem, em inventários, índios escravos da entrada de Jerônimo Leitão. Mas até onde chegou, nada se pode adiantar, diante do silêncio dos documentos locais consultados.

Era o prenúncio da campanha do Guairá.

Na segunda entrada a direção foi para o Norte, para o Oeste. A Câmara de S. Paulo, para se defender das ameaças dos índios do sertão, e para vingar o destroço da entrada de Antônio de Macedo e de Domingos Luís Grou, já havia mandado fazer o forte e tranqueiras em Emboaçava para as bandas de Carapicuíba. E nas Atas da Câmara se declara que Macedo e Grou atravessaram os rios Jaguari, Piratingui, Mogi, tendo atingido o Rio Parnaíba, o que significa que a guerra ofensiva contra esse gentio tomou a direção do Noroeste, a mesma, mais ou menos, que 150 anos depois seguiria Bartolomeu Bueno, o 2º Anhangüera, o descobridor de Goiás.

Não se conhecem também os incidentes dessas entradas capitaneadas por Jerônimo Leitão; mas os seus resultados não foram decisivos para a segurança da colônia estabelecida no planalto.

A entrada de Antônio de Macedo e de Domingos Grou foi a última numerosa feita, sobre o pretexto de resgate. O seu destroço, mostrando o perigo que corriam os colonos, motivou as guerras declaradamente ofensivas e aflitivamente desejadas.

Essas guerras fizeram recuar as tribos revoltadas, mas não as venceram totalmente, não estabeleceram a segurança e a paz no planalto de Piratininga.

Em 1592 Jerônimo Leitão foi substituído no seu cargo, por Jorge Correia.


[1] Antônio de Mariz é nome que aparece nas atas da Câmara Municipal de S. Paulo, mas sem o dom, como almotacé em 1563 e juiz em 1564. Ao que parece, José de Alencar tomou esse nome de quem se distinguiu em campanha em Cabo Frio, e dele fez um fidalgo português, um dos heróis do seu romance, O Guarani, estabelecido junto ao Paquequer, um dos afluentes do baixo Paraíba. É essa a opinião de Capistrano de Abreu nos Gravetos da História Pátria, e transcrita na longa nota (b) à pág. 443 e seguintes do livro Câmara Municipal por Cortines Laxe.