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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE - BIBLIOTECA - Na Capitania de S.V.
Washington Luís e a capitania vicentina (18)

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Além de governador paulista e presidente do Brasil, Washington Luiz Pereira de Souza foi escritor e historiador, sendo responsável pela construção dos monumentos históricos do Caminho do Mar, na subida da serra entre Santos e São Paulo, em 1922, para comemorar o centenário da Independência do Brasil.

Uma das suas mais importantes obras foi esta, Na Capitania de São Vicente, publicada em 1956 (um ano antes da morte do autor) pela Livraria Martins Editora, da capital paulista. Com 341 páginas mais 7 introdutórias, a obra foi impressa pela Empresa Gráfica Revista dos Tribunais, também de São Paulo.

O exemplar de número 956 foi cedido a Novo Milênio para digitalização, pela Biblioteca Pública Alberto Souza, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. Páginas 215 a 230, com ortografia atualizada:

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Na Capitania de São Vicente

Washington Luís

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Capítulo XVII - D. Francisco de Souza

Nesse tempo, em que se abriu a luta entre Jorge Correia e os colonos, o governador geral do Brasil era, como se disse e se sabe, d. Francisco de Souza, nomeado para esse cargo em 1590. Desembarcou na Bahia em 9 de Junho de 1591. Terceiro filho de d. Pedro de Souza, que era neto dos condes do Prado, senhores de Beringel, a d. Francisco de Souza faltaram morgadios.

Cadete de uma família nobilíssima, cuja prosápia era sete gerações chegava a Martim Afonso Chichorro, bastardo de Afonso III, o Bolonhês, o governador do Brasil só tivera, para o encarreirar na vida, o seu nome ilustre e, principalmente, a sua grande finura, a sua muita habilidade, qualidade tão notória que, desde muito, era chamado d. Francisco das manhas. A manha era, porém, apanágio dos Souzas.

Ruy de Souza, primeiro senhor de Beringel, trisavô de d. Francisco, precisando de dinheiro, pediu a d. João II, apenas, que quando saísse a passeio, na Rua Nova de Lisboa, rua dos mercadores e capitalistas, o tratasse com amizade. Custou pouco ao Príncipe Perfeito acariciar em público a vassalo, que estimava, e valeu muito a Ruy de Souza, perfeito cortesão, a quem os mercadores abriram a bolsa e o crédito por verem-no familiar e suporem-no valido do rei, e em começo de fortuna.

D. Francisco de Souza começou a sua carreira em Tangere Comenda, no tempo em que governava aquela praça d. João de Meneses.

Quando el-rei d. Sebastião passou à África, para desaparecer na batalha de Alcacerquibir, foi ele por capitão de um dos galeões da armada, de que era general seu tio d. Diogo de Souza.

Foi depois capitão-mor da Comarca de Beja; e, na Guerra de Sucessão de Portugal, seguiu a Felipe, rei da Espanha, que, no ano de 1588, em que foi a armada com o prior do Crato, o mandou a Elvas a levantar gente, e após o nomeou capitão da Mina, o que não teve efeito.

Pouco depois da sua chegada ao Brasil, trazendo uma caravela de Lisboa novas do falecimento de sua mulher, publicou ele que não tornaria ao reino e ficaria no Brasil até a morte por parecer-lhe boa manha, para atrair a dedicação dos "cidadãos e naturais da terra, fazer-se com eles cidadão e natural".

Mas o traço característico de seu temperamento, além da tenacidade de seus propósitos, era a liberalidade, a magnificência.

Tratando os mais do que haviam de guardar para levar, ele só queria ter para dar e obter para gastar; fartamente dava e dava sempre e a todos, bons e maus, pobres e ricos, sem lhes custar mais do que pedir; razão pela qual se costumava dizer, "que era ladrão, quem lhe pedia a capa, por que com o só pedir lha levava dos ombros".

Se ele não dava por vaidade, às vezes dava por manha; mostrando-lhe a sua largueza de ânimo que, descobertas no Brasil as afamadas minas, no que punha imenso empenho, estariam ressarcidos todos os prejuízos, que por acaso tivessem ele e o rei.

E ele não dava só bens de fortuna; dava também ofícios e postos, títulos e honras; armava cavaleiros; levantava fidalgos; conferia hábitos de Cristo; distribuía pensões e tenças.

A par dessas benignas qualidades, conservava sempre toda a sua autoridade e respeito, e "assim foi o mais benquisto governador, que houve no Brasil, junto com ser o mais respeitado e venerado" (Informações de frei Vicente do Salvador, História do Brasil, donde as tirei todas).

Nesse tempo eram correntes as lendas de riquíssimas minas de ouro e prata no Novo Mundo, e todos sonhavam com os inesgotáveis tesouros de reis fabulosos, que governavam países inverossímeis pela sua riqueza. Repetiam-se e acreditavam nessas fantasias como se fossem verdades incontestáveis.

Supunha-se que o Rio S. Francisco tinha as suas nascenças na Lagoa Dourada no centro do continente sul-americano, a terra do ouro.

Essas minas eram faladas no Brasil, e, principalmente, na Europa. Muitas das expedições marítimas espanholas e portuguesas, que então se organizaram, não tiveram outro fim senão descobrir e assenhorear-se, e por qualquer forma, dessas terras onde o ouro e a prata eram mais abundantes que o ferro em Bilbao. E tudo fácil de colher.

Os piratas, franceses e ingleses, corriam os mares não policiados para saquear, se apoderar dos galeões carregados de ouro que vinham da América para os reinos de d. Carlos I.

D. Francisco de Souza, mesmo em Lisboa e em Madri, ouvira falar dessas minas e nas pretensões de Roberio Dias, e sem dúvida, a esses boatos dera crédito; no Brasil, depois de sua vinda essa crença mais se confirmou.

Frei Vicente do Salvador, contemporâneo de d. Francisco de Souza, recolhe, nas páginas de sua História do Brasil (livro 1º, cap. V), e dá curso à notícia de que um soldado de crédito lhe contara que um índio aprisionado falara de uma certa paragem, onde havia mina de muito ouro limpo, de onde se poderia tirar o metal precioso aos pedaços.

J. Marcgrave narra que na Bahia, d. Francisco de Souza recebera de um brasileiro certo metal extraído dos montes Sabaroason de cor azul escuro ou celeste, mesclado com certas areias finas cor de ouro, que, depois de ser examinado pelos faisqueiros, foi reconhecido conter num quintal trinta marcos de prata pura (J. Marcgrave – História Natural do Brasil, Edição do Museu Paulista, pág. 263).

João Coelho de Souza, pelo Norte, à procura dessas minas, percorrera os sertões próximos ao Rio S. Francisco durante três anos e neles descobrira metais preciosos, mas ao regressar falecera, nas cabeceiras do Rio Paraguaçu, na Bahia. Mandara, porém, entregar a seu irmão, Gabriel Soares de Souza, os roteiros de seus descobrimentos.

Gabriel Soares de Souza, herdeiro do itinerário de seu irmão, em agosto de 1584, partiu para Madri a oferecer ao rei de Espanha o descobrimento dessas minas, pedindo por isso favores, concessões e privilégios nas terras do Brasil. Foi nessa ocasião que dedicou a d. Cristóvão de Moura, ministro influente no governo, talvez com o objetivo de recomendar-se, o precioso Tratado Descritivo do Brasil, segundo Varnhagen, de quem copio estas informações (R. I. H. G. B., vol. 14, Aditamento).

Depois de pertinazes requerimentos e solicitações, após cerca de 7 anos, foi enfim despachado favoravelmente em meados de dezembro de 1590.

Voltando para o Brasil, muito recomendado a d. Francisco de Souza, já então governador geral, tratou de organizar uma expedição e partiu de suas terras, na Bahia, em busca das minas famosas que se supunham situadas no Rio S. Francisco.

Subiu pela margem direita do Rio Paraguaçu e, de acordo com uma das cláusulas da sua concessão, deveria formar arraiais ou povoações, com os índios que levara, de 50 em 50 léguas.

Fez o primeiro arraial e continuou a sua marcha pelo sertão. Mas adoeceram muitos dos seus homens de sezões, perdeu muitos animais, muitos mordidos por cobras, outros devorados pelas onças. Embaraçado pelas enchentes do próprio Rio Paraguaçu, atravessou serras, e decidiu-se a fundar o segundo arraial; mas abatido por moléstia, esgotado de forças, faleceu aí.

No comando da expedição foi substituído por Julião da Costa, que, vendo-se privado do guia, o índio Aracy também aí morto, esmoreceu e retirou-se com os restos da expedição para lugar mais sadio e escreveu ao governador geral dando conta do sucedido e pedindo instruções. D. Francisco de Souza que, segundo as ordens de seu rei, havia auxiliado a expedição, determinou-lhe o regresso.

Varnhagen julga severamente o governador geral e até acusa-o de se ter apoderado dos roteiros e mais indicações para o descobrimento das minas. É mais provável que Julião da Costa tivesse entregue ao governador geral todos os papéis da expedição.

O fato é que, de posse dos roteiros e das indicações das duas primeiras tentativas, d. Francisco de Souza tratou de requerer e obteve do rei da Espanha todos os favores, concessões, privilégios, antes outorgados a Gabriel Soares de Souza, e muitos outros ainda, entre eles a promessa de ser feito marquês das Minas, se tal ouro ou prata fosse descoberto. Este título sintetiza a época, caracteriza o rei e define o governo de d. Francisco de Souza. Ele procurava honras e rendas, o rei precisava de ouro para as suas guerras na Europa.

Ao mesmo tempo que, pelos roteiros, tivera conhecimento da existência de minas de ouro e prata nas nascenças do Rio S. Francisco, também tivera notícia certa e segura que, desde a vila de S. Paulo, homens que resistiam às sezões e às onças, às agruras e às asperezas das selvas, que guerreavam e venciam os índios ferozes, faziam entradas ao sertão do alto S. Francisco, já tendo tocado era alguns de seus afluentes. Esses homens, partindo do Sul, seriam capazes de ir e chegar à Lagoa Dourada e voltar depois de descobrir as afamadas minas.

Desejando encontrar as minas de ouro e prata nas cabeceiras do Rio S. Francisco, e sentindo que obstáculos eram criados à gente de S. Paulo, impedindo-a de ir a essas cabeceiras, d. Francisco de Souza achou intempestiva a atitude de Jorge Correia, pressuroso recebeu os embargos opostos pela Câmara de S. Paulo à provisão expedida, atendeu aos "capítulos de acusação opostos pelas câmaras que lhe foram apresentados por Atanázio da Motta", e suspendeu Jorge Correia dos cargos de capitão-mor e ouvidor da Capitania de S. Vicente, emprazando-o a ir à cidade do Salvador para se defender na devassa, que contra ele mandou abrir.

E para que "a capitania não ficasse acéfala, enquanto durasse a suspensão, e enquanto ele o houvesse por bem e por serviço de Sua Majestade e o dito senhor não mandasse o contrário", nomeou capitão-mor de S. Vicente a "João Pereira de Souza", "pessoa benemérita", "dando-lhe por adjuntos Simão Machado e João Baptista Mallio, moradores em Santos," para que todos três determinassem os casos e os negócios da capitania, dando mais a João Pereira de Souza carta de recomendação para a Câmara de S. Paulo. Na própria cidade do Salvador, na Bahia, perante o próprio governador, foi dado juramento a João Pereira de Souza, sobre um livro dos Santos Evangelhos, para bem servir o cargo, como já narrei.

As instruções dadas ao novo capitão, é lícito crer, foram para fazer guerra imediata ao gentio, como reclamava a Câmara de S. Paulo, dirigir as expedições para esse sertão, já percorrido pelas bandeiras paulistas, nas proximidades do alto S. Francisco, onde, no seu pensar, se achavam as minas, e aí descobri-las. É o que se pode deduzir da ação de João Pereira de Souza, como ver-se-á no capítulo em que é estudada essa ação.

A expedição de João Pereira de Souza não obteve os resultados esperados.

Para não perder o auxílio dos paulistas, habituados à vida do sertão, para dirigi-los no descobrimento das minas, d. Francisco de Souza resolveu transportar-se para a Capitania de S. Vicente, onde a sua habilidade tudo aplanaria e os recursos oficiais tudo facilitariam.

De fato, partiu para a Capitania de Lopo de Souza, tocando em diversos pontos da costa do Brasil, como Espírito Santo, de onde dizem mandou exploradores ao sertão. Em Vitória, por provisão datada de 27 de novembro de 1598, nomeou Diogo Arias de Aguirre capitão-mor de certos navios que foram em direitura para a capitania de S. Vicente com 300 índios flecheiros, para sua guarda e benefício das minas de S. Vicente "até a minha chegada para evitar os inconvenientes que com a minha presença se atalharão sem embargo de presente (haver?) na dita capitania capitão" (provisão registrada na Câmara de S. Vicente a 18 de dezembro de 1598 e também na Câmara da Vila de S. Paulo no Reg. Geral, vol. 7º, págs. 61 a 65).

Logo depois ele mesmo, como governador geral, para estimular, para mandar ao sertão diversas bandeiras, se transportaria para a Capitania de São Vicente, para a Vila de S. Paulo, onde estabeleceu, por assim dizer, a sede do governo geral do Brasil.

***

No princípio do século XVII era bem insignificante e quase miserável a vila de S. Paulo do Campo. João de Laet dava-lhe 200 habitantes, entre portugueses e mestiços, em 100 casas; a Câmara, em 1606, informava que eram 190 os moradores, dos quais 65 andavam homiziados por causa das entradas ao sertão; em toda a capitania de S. Vicente pouco mais havia de 700 moradores portugueses.

Pouco antes, em fevereiro de 1585, o padre Fernão Cardim, da Sociedade de Jesus, que esteve na capitania de S. Vicente acompanhando o visitador Cristóvão de Moura, dá interessantes informações que confirmam ou são confirmadas por outros documentos. Ameno e complacente, ele narra o que viu, sem fazer apreciações sobre os acontecimentos, nem julgar os homens que encontrou. Quando o que ele viu foi mau, nada a respeito disse; quando o que ele viu foi rudemente feito, ele achou que tudo se havia de remediar, que em tudo houve muita devoção.

Como todos os jesuítas, em suas cartas, omitiu em regra os nomes das pessoas que viu ou com quem tratou. Fala das vilas que, nesse fim desse século XVI, havia na capitania, que fora dada a Martim Afonso, e descreveu com indulgência a sua viagem de S. Vicente a S. Paulo, da qual os rios que atravessou eram formosos, os campos que os circundavam eram belos parecendo os de Portugal, as frutas saborosas, e as festas, com que foi recebido, deram muita consolação.

A Capitania de S. Vicente tinha então quatro vilas. Entrou ele pela barra de Bertioga onde havia uma fortaleza, coisa muito formosa, que ao longe, se parecia com a de Belém (no Rio Tejo) e para onde antigamente se degredavam os malfeitores.

É uma descrição contemporânea da Capitania de S. Vicente. É interessante reproduzir algumas de suas partes.

"A vila de S. Vicente, numa ilha, diz ele, está situada em lugar baixo, manencolizado e soturno. Foi rica e agora é pobre, por se lhe fechar o porto de mar e barra antiga... e também por estarem as terras gastadas e faltarem índios que as cultivassem; se vai despovoando, tem 80 vizinhos. Aqui têm os padres uma casa, onde residem de ordinário seis da Companhia, o sítio é mal assombrado, sem vista, ainda que muito sadio".

"Santos, situada na mesma ilha, é porto de mar, tem duas barras, na primeira está o forte que deixou Diogo Flores Valdez e a outra é o da barra da Bertioga, que dista desta vila quatro léguas, por um sítio tão formoso, que podem navegar navios de alto bordo. Terá 80 vizinhos com seu vigário". "A terceira é a vila de Nossa Senhora de Itanhaém, que é a derradeira da costa, que terá 50 vizinhos. A quarta é a vila de Piratininga, que está doze léguas pelo sertão dentro, terá 120 vizinhos ou mais."

Para S. Paulo de Piratininga, a quarta e última vila da Capitania de S. Vicente, a viagem foi feita em três dias. Embarcados em Santos, fizeram duas léguas por mar e uma por terra; no dia seguinte subiram a serra, por caminho íngreme, em que, as vezes iam pegando com as mãos. Ao terceiro dia navegaram por um rio de água doce, em canoas, até peaçaba e deste ponto fizeram quatro léguas a cavalo até o Mosteiro dos Jesuítas. O rio era o Jerubatuba ou Pinheiros e peaçaba era em Emboaçava.

"Piratininga, informa Fernão Cardim, é vila de invocação da conversão de S. Paulo, está do mar pelo sertão dentro, doze léguas; é terra muito sadia, há nela grandes frios e geadas e boas calmas, é cheia de velhos mais que centenários porque quatro juntos e vivos se acharam quinhentos anos. Vestem-se de burel e pelotes pardos e azuis, de pertinas compridas, como antigamente se vestiam. Vão aos domingos à igreja com roupões ou bernéus de cacheira sem capa".

"A vila, continua o padre Cardim, está situada em bom sítio ao longo de um rio caudal; terá cento e vinte vizinhos com muita escravaria da terra, não tem cura nem outros sacerdotes senão os da Companhia, aos quais tem grande amor e respeito e por nenhum modo querem aceitar cura; os padres os casam, batizam, dizem missas cantadas, fazem as procissões e ministram todos os Sacramentos e tudo por sua caridade; não tem outra igreja na vila senão a nossa."

"Dá-se trigo e cevada nos campos; um homem semeou uma quarta de cevada e colheu 60 alqueires".

João de Laet informa, porém, que o trigo era de má qualidade, não tinha bela cor, e só se usava para hóstias e para mimos, segundo Gabriel Soares.

"Os padres têm uma casa bem acomodada, com um corredor e oito cubículos de taipa, guarnecidos de certo barro branco" (R. I. H. G. B., 1ª parte, vol. 65, págs. 58 e seguintes). Até aqui Fernão Cardim. O capitão-mor, que era Jerônimo Leitão, nunca se apartara do padre visitador.

A aglomeração principal das casas, na vila de S. Paulo, ficava no alto da colina entre o Tamanduateí e o Anhangabaú, e olhava a Oeste para matas e, ao Norte, Leste e Sul, para belos campos abertos.

As casas, distribuídas irregularmente em ruas tortuosas, feição que a cidade ainda conservou por muito tempo no bairro comercial, eram em geral feitas de taipas de pilão e cobertas de telhas, mas havia grande parte feitas de taipa de mão ou de pau-a-pique e cobertas de palha.

A vida nela não tinha conforto. Os habitantes eram pobríssimos, como demonstram os seus inventários nos quais o monte-mor atingia a 50$000 e a 200$000, nos mais ricos, sendo de notar que nesses inventários tudo se avaliava.

Tão pobre era a "vila de S. Paulo, a mais chegada às minas, que os homens e mulheres se vestiam de pano de algodão tinto e, se havia alguma capa de baeta e manto de sarja se emprestava aos noivos e noivas para irem à porta da Igreja; porém, depois que chegou d. Francisco de Souza e viram suas galas e seus criados e criadas, houve logo tantas librés, tantos periquitos, e mantos de soprilha que já parecia outra coisa" (frei Vicente do Salvador, História do Brasil, cap. 37, do livro 40).

Essas galas seriam da gente que acompanhou d. Francisco, porque os moradores continuaram pobres, apresentando as minas referidas, apenas ouro de lavagem, que às vezes dava e as vezes não dava, conforme informa o mesmo frei Vicente do Salvador, que segundo alguns cronistas, também acompanhou d. Francisco de Souza a S. Paulo.

A vila de S. Paulo, nesse ano de 1599, era administrada por um conselho composto de dois vereadores, dois juizes e um procurador. As suas funções eram administrativas e judiciais, e as suas vereanças eram realizadas semanalmente. Nos casos graves convocavam os homens bons da terra, isto é, aqueles que já tinham feito parte da governança, e também todo o povo para deliberar sobre as resoluções a tomar, dando-lhes mais força e repartindo responsabilidades.

O Conselho era escolhido em eleição feita em dois graus.

A eleição do ano de 1599 revestiu-se de maior solenidade, porque estava na terra o governador geral do Brasil.

Nas oitavas do Natal, os oficiais - assim eram chamados os membros da câmara, que terminaram o seu mandato - se juntaram com os homens bons e com o povo, chamados a conselho, para fazerem a eleição dos novos oficiais que deveriam ocupar os cargos da república para bem reger a vila e seu termo. Nesse ano os oficiais que presidiram a eleição foram Estêvão Ribeiro, Diogo Fernandes, Antônio Raposo, o velho, e Pero Nunes. (1598 – Atas, vol. 2º, pág. 33).

Estêvão Ribeiro, por ser o juiz mais velho, declarou que, conforme era uso e costume, se ia fazer a eleição e requereu aos homens bons e mais povo que nomeassem seis homens para eleitores; e, fazendo-se acompanhar de Belchior da Costa, escrivão da Câmara, começou a andar entre todos os presentes, perguntando-lhes secretamente, sem que uns ouvissem os outros, quais os escolhidos e, à proporção que eles o diziam, o escrivão tomava por escrito o nome preferido. Depois de a todos ter perguntado, Estêvão Ribeiro se reuniu aos mais oficiais e, vendo todos o rol dos nomeados, escolheram os que tinham mais votos.

Apresentaram-se 95 moradores, cujos votos se dispersaram por 58 pessoas, tendo obtido maior número de votos Jorge Moreira, Baltazar Gonçalves, João Maciel, Diogo Fernandes, Pedro Álvares e Garcia Rodrigues os quais, chamados à Câmara, sobre um livro dos Santos Evangelhos, prestaram juramento de bem e verdadeiramente escolher dois juízes, dois vereadores e um procurador do Conselho, não podendo revelar a qualquer pessoa os que assim escolhessem. Em seguida, os seis eleitores foram apartados dois a dois a fim de que indicassem em escrito por eles assinado, as pessoas que deveriam servir de oficiais da Câmara, sendo-lhes observado que os de um grupo não se podiam comunicar com os de outro, e que dali não poderiam sair sem que houvessem terminado a escolha. Tudo assim foi feito.

Ordinariamente, esses votos, com os demais atos da eleição, tudo reduzido a escrito, eram levados ao capitão-mor e ouvidor, que residia no mar, em S. Vicente, por pessoa de confiança, a fim de apurar a eleição, que na linguagem do tempo se chamava alimpar a pauta.

Nesse ano de 1599, porém, o capitão-mor e ouvidor, Diogo Arias de Aguirre, achava-se em S. Paulo, e nas suas pousadas, a 29 de dezembro alimpou a pauta e achou que tinham saído para vereadores Jorge Moreira e Tristão de Oliveira, para juízes João Maciel e Pero Leme e para procurador do conselho Francisco Maldonado, mandando passar cartas de confirmação para que servissem os seus cargos.

Devolvida a pauta à Câmara, esta juntou-se em vereação, mandou chamar o ouvidor Diogo Arias de Aguirre, a fim de tomar parecer sobre o voto que João Maciel havia dado em si mesmo para juiz. Posto em prática este caso, assentaram todos que João Maciel devia ficar de fora. Como os seguintes mais votados estavam empates, lançaram-se sortes, nas quais saiu Gaspar Cubas. Ficou a Câmara completa para reger a vila de S. Paulo e seus termos [1].

O processo eleitoral, então observado, era o estabelecido na Ord. Livro 1º, título 67 e seus parágrafos. Aí se determinava que a eleição fosse trienal, sendo, porém o mandato anual. Elegiam-se tantos quantos fossem necessários para servirem os cargos durante os três grupos e postos em pelouro. Esses três pelouros eram metidos em um saco e este em cofre com três fechaduras, cujas chaves ficavam em poder dos vereadores do triênio anterior. No tempo próprio, à vista do povo, chamado a conselho um menino, menor de sete anos, tirava um dos pelouros e os nomes que nele constassem "seriam os oficiais desse ano e não outros".

A vila tinham também tabeliãs, juízes de órfãos, nomeados pelo donatário.

Ao saber da próxima vinda de d. Francisco de Souza à vila de S. Paulo, a Câmara tomou para sua hospedagem as providências que estavam a seu alcance. A Câmara tinha então minguadas, pequeníssimas rendas. Não encontrei, nesse período estudado, o orçamento da sua receita e despesa. Pelo que se deduz, eram todas eventuais. Compunham-se em regra das multas impostas aos oficiais do conselho faltosos, das coimas por infração de suas posturas, pelo aforamento das datas dos chãos municipais, pelas fintas lançadas ao povo para feitura das obras necessárias, como igrejas, cadeias, casas do conselho etc. os caminhos e pontes eram feitos e conservados por mão comum, distribuindo-se o trabalho em trechos pelos moradores vizinhos que eles usassem. Às vezes, criminosos se ofereciam à autoridade competente para realizar obras de maior vulto, desde que lhes fossem perdoados os seus crimes, como no caso de João Pires, o Gago de alcunha (carta de Duarte da Costa, vol. 49, pág. 562 da R. I. H. G. B.). Isso era usual no reino e não se considerava venalidade de Justiça, mas comutação do degredo ou da prisão em pena pecuniária.

As principais providências municipais, além das festas populares, foram mandar consertar o caminho do mar e assentar que era necessário haver na vila um homem que tivesse casa para venda de coisas de comer para que chegando o Governador em uma casa certa achasse o que comer.

Para dirigir essa foi escolhido Marcos Lopes, a quem foi dado juramento sobre um livro dos Santos Evangelhos de bem servir o cargo, sendo também estipulado que das coisas que lhe fossem dadas para vender – assim carnes, como beijus e outros – só podia haver de cada dez réis um real (Atas, vol. 2º, pág. 57). Esse Marcos Lopes era um homem já velho e casado com Helena de Macedo, cujo sobrenome parece indicar uma das descendentes de João Ramalho (Atas, vol. 2º, pág. 61).

Para essa vila de S. Paulo partiu d. Francisco de Souza, e a transformou, por assim dizer, em sede do Governo Geral, nela se estabelecendo com a sua guarda, sob o comando do capitão Diogo Lopes de Castro e da qual era alferes Jorge João (Registro Geral, vol. 7º, pág. 79), com os oficiais de sua Câmara, como Pedro Taques seu secretário, Antonio Coelho escrivão, José Serrão cirurgião, com seus criados, com uma comitiva enorme na qual vinham também o engenheiro alemão Geraldo Beting, e mineiros entre os quais Jaques Oalt, também alemão, Cornele de Arzam etc.

Segundo Pedro Taques vieram também os mineiros experimentados Gaspar Gomes Malho, Miguel Pinheiro, Azurara e Domingos Roiz fundidor.

Antes já havia ele enviado o capitão Diogo Gonçalves Lasso, muito recomendado à Câmara de S. Paulo, a fim de que o favorecesse para o efeito do ouro (Atas, vol. 2º, pág. 24 e 25, vereança de 8 de fev. de 1598). Já aí deveria estar o capitão Diogo Arias de Aguirre, capitão dos certos navios com os 300 flecheiros que ele enviara do Espírito Santo.

A comitiva encheu a pequena vila, o que não era difícil, e transformou profundamente os costumes de seus habitantes.

A 16 de maio de 1599, ou pouco antes, já o governador geral se achava na vila e S. Paulo (Atas, vol. 2º pág. 58).

Desde a Bahia já vinha ele diretamente intervindo na administração da Capitania de S. Vicente, exercendo e absorvendo os poderes do donatário, intervindo até na administração local determinando a feitura e conservação do caminho do mar, o que a Câmara de S. Paulo providenciava com a lentidão de seus parcos recursos (Atas, vol. 2º, pg. 28, 38 e 39).

Capitães-Mores e ouvidores, nomeava ele quantos julgava necessários e para as diversas eventualidades.

Em S. Paulo, d. Francisco de Souza desenvolveu uma atividade imensa, febril, do que restam muitos vestígios nas atas da Câmara.

Criou vilas – S. Filipe e Monserrate, que não subsistiram - prometeu à vila de S. Paulo que com o favor divino havia de ser cidade antes de muito pouco tempo, com grandes mercês e privilégios aos moradores, que ele havia de procurar com Sua Majestade (Reg. Geral, vol. 1º, pág. 125).

Armou cavaleiros e fez fidalgos a Pedro de Morais, a Sebastião de Freitas, a Antônio Raposo, o velho, que registraram as suas provisões nos livros da Câmara (Reg. Geral, vol. 1º , págs. 75, 105 e 117).

Outros teriam recebido iguais foros, que não registraram, o que não é provável, ou que registraram e não foram encontrados por terem desaparecidos os respectivos livros de registro, o que é mais provável.

Vindo a morrer Diogo Gonçalves Lasso, d. Francisco de Souza nomeou a 31 de maio de 1601 o neto, do mesmo nome, ainda menor, para o cargo de capitão da vila de S. Paulo e distrito das minas.

E, enquanto não chegasse ele à maioridade, serviria em seu lugar Diogo Arias de Aguirre com todos prós e percalços que lhe pertencessem, e os 200$000 de ordenado seriam percebidos pela viúva, avó do nomeado, Guiomar Lopes (Reg. Geral, vol. 1º, págs. 133 e 134). Assim ele recompensava os descendentes dos que bem o tinham servido, e estimulava o trabalho de novos.

Em 26 de junho de 1600, dia em que armou cavaleiro a Sebastião de Freitas, já por três vezes, com os moradores da vila, pelo aspérrimo Caminho do Mar, tinha ido a Santos fortificar essa vila e defendê-la contra os inimigos corsários (Reg. Geral, vol. 1º, págs. 105 e 117).

Somas enormes, para o tempo, custaram essas viagens e expedições, essas explorações dirigidas pelas mãos rotas do governador geral do Brasil, que largamente gastava.

Quando esgotava os dízimos, quando consumia o que tomava emprestado, saqueava sem escrúpulos, o que era da prática usual.

Por fevereiro, talvez, de 1600, ao porto de Santos arribou o Mundo Dourado, grande urca de Amsterdam, cujo capitão, Lourenço Bicar, alegando suas idéias cristãs e os seus intentos comerciais, requereu licença para fundear e vender as mercadorias que trazia. Despachado favoravelmente, o Mundo Dourado ancorou e, pagos os direitos reais, entrou a negociar com os moradores de Santos.

Alegou-se que mais tarde, tomando inquirições, d. Francisco de Souza veio a saber que essa urca, separada por tempestades de uma armada, que fora ao estreito de Magalhães a pilhar carregamentos que vinham do Peru – o que poderia ser verdade – aportara apenas para esperar as companheiras.

Foi, então, posta em prática uma das manhas de d. Francisco. Uma canoa empavesada, com pessoas tocando guitarra e cantando, dirigiu-se para a urca. Recebidos a bordo, os tripulantes da canoa começaram a bailar e a beber, e quando parte da guarnição menos esperava, porque a maioria tinha ido a terra, os bailarinos se apoderaram da praça d'armas e da pólvora, e a sinal combinado, outras canoas com soldados e índios abordaram e tomaram a urca.

A manha aí passou a perfídia; mas pouco importava porque os costumes da época, dos dois lados, permitiam tais manobras; e com essa perfídia se fez um apresamento superior a 100.000 cruzados, os quais tão depressa adquiriram quão depressa se gastaram, conforme escreveu frei Vicente do Salvador (História do Brasil).

Por historiadores contemporâneos é d. Francisco acusado de não ter sido rigoroso no cumprimento do alvará de 11 de novembro de 1595, que proibiu terminantemente a escravização do indígena e que revigorou o de 20 de março de 1570, que permitia a cativação dos que fossem tomados em guerra justa.

Conhecidos os motivos que trouxeram d. Francisco de Souza ao Sul do seu governo, é evidente que ele não poderia ter sido rigoroso no cumprimento do humano alvará, e que faria vista grossa ao seu conteúdo, pois que sendo o cativeiro do índio o lucro imediato do bandeirante, tornar efetiva a proibição seria dificultar, senão impedir as pesquisas, as investigações das minas que ele ansiava por descobrir.

Ao contrário, não só não se esforçou para o cumprimento desse alvará, como mandou, protegeu, ajudou, fomentou as entradas ao sertão.

Em outubro de 1599 já tinha ido examinar o ouro em Jaraguá, Bituruna, Monserrate e Biraçoiaba.

Já em 27 de maio de 1599, por uma provisão autorizava a todos a ir tirar ouro (Reg. Geral, vol. 1º, pág. 84).

A 11 de fevereiro de 1601, porém, por um mandado, autorizava a tirar ouro em Monserrate, registrando o interessado cada semana o ouro tirado, pagando os quintos a S. M., fundindo-o e dele fazendo barras, marcadas com as armas reais. Supondo que nenhuma pessoa pudesse ser tão ousada para infringir tais ordens, e tivesse ouro em pó, entretanto, estabeleceu penas severíssimas a serem aplicadas aos infratores, tais como a perda do ouro tirado, sendo metade para cativos e a outra metade para o acusador, incorrendo mais no degredo para fora da capitania e pagando cem cruzados. Nenhuma pessoa, branca ou escrava poderia comprar ouro, salvo em barra com as marcas reais, sob pena, sendo branco, de ser degradado para Angola, com baraço e pregão na vila, e sendo índio, ser açoitado, pela vila (Reg. Geral, vol. 1º, fls. 93 e 94).

A 19 de julho de 1601, em regimento dado a Diogo Gonçalves Lasso, determinou a este que não consentisse que nenhuma pessoa fosse às minas descobertas e por descobrir, salvo "Afonso Sardinha, o velho, e Afonso Sardinha, o moço, aos quais deixou ordens do que neste particular poderiam fazer, e que seriam mostradas ao capitão Gonçalves Lasso, por serem os ditos descobridores pessoas que bem o entendiam.

A razão desta proibição baseava-se em que, a qualquer momento, estava esperando por mineiros que Sua Majestade havia de mandar para benefício das minas, "e assim nelas se não bulisse até a vinda dos ditos mineiros e mais oficiais, para que estes as achassem intactas e vissem que se falou verdade a Sua Majestade". Determinou providências para que qualquer coisa que de novo houvesse sobre minas lhe fosse imediatamente comunicado, correndo as despesas por conta de S. Majestade, onde quer que ele estivesse (Reg. Geral, vol. 1º, págs. 123 a 126).

Os jesuítas não ousaram, na Capitania de S. Vicente, embaraçar a ação de d. Francisco de Souza; ninguém ousou, ninguém poderia ousar com proveito, embaraçar a ação do poderoso governador geral, representante do rei absoluto de todas as Espanhas.

D. Francisco de Souza sabia mandar, mas sabia agradar e com isso se fazia respeitar e era obedecido.

Ninguém melhor o descreveria que Camilo Castelo Branco (Mosaico, artigo sobre os jesuítas, pág. 17) quando descreveu o perfil do ladino para lhe ser aplicado, se o tivesse conhecido. "Ser ladino é outra coisa. A palavra reluz e argúi saber, perspicácia, sagacidade, ponderação reflexiva, virtudes capciosas, cedência de benefício com muitíssima abnegação de vantagens próprias, influência salutar sobre os corações em que pese às rebeldias do espírito, conjugação benigna de vontades com a mira apontada a remotos futuros". Todas essas virtudes e qualidades ele desenvolveu na Capitania de S. Vicente, tendo a seu dispor o poderio absoluto. Mas muitas dessas qualidades e virtudes possuíam também os jesuítas, conforme escreve Camilo, e que sabiam aguardar oportunidade.

Mas o intuito de d. Francisco de Souza, vindo a S. Paulo, com mineiros, com ensaiadores de ouro, com fundidores, com imensa comitiva, com trabalhos e despesas enormes, com todos os papéis dos dois irmãos Soares de Souza, que haviam feito tentativas de descobrimentos pelo Norte, foi o de tentar descobrir pelo Sul as "minas" nas nascenças do Rio S. Francisco, minas que o obcecavam.

Possuindo os roteiros das minas, tendo a sua disposição os elementos sertanistas para execução, tratou de organizar uma expedição que, partindo de S. Paulo, deveria chegar ao ponto desejado. Não obstante a sua habilidade incontestável, a sua atividade perseverante, os seus árduos e esforçados trabalhos, d. Francisco de Souza não viu a fortuna coroar a empresa a que ele se dedicara inteiramente.

Fez partir para o sertão a companhia de André de Leão; estimulou e ajudou com o seu prestígio de governador geral do Brasil a formação e a partida da bandeira de Nicolau Barreto, ambas em busca das minas que ele supunha no alto São Francisco, como se verá quando se tratar dessas duas expedições. Nada conseguiu. Antes mesmo que a bandeira de Nicolau Barreto voltasse a povoado, já tinha sido ele substituído no governo geral do Brasil por Diogo Botelho, que foi reacionário ao seu antecessor.

Apesar de substituído no governo geral do Brasil, ainda se conservou em S. Paulo durante algum tempo, pelo menos até o ano de 1603, como se vê "no termo de ajuntamento que se fez para tratar da volta dos soldados que vieram de Vila Rica do Espírito Santo (no Guairá) "ajuntamento que se fez em presença de d. Francisco de Souza" (Atas, vol. 2º, págs. 138 e 139).

Nesse mesmo ano, em 9 de agosto, a Câmara da Vila de S. Paulo havia providenciado a aposentadoria do mesmo d. Francisco de Souza, e mais gente que com ele vinha, e disso sendo encarregada a cigana Francisca Rodrigues (Atas, vol. 2º, págs. 132 e 133). Quis ele sem dúvida esperar o resultado da expedição de Nicolau Barreto, para se apresentar em Madri com as provas da existência das grandes minas, que com tanta obstinação buscava. Partiu afinal para a Espanha.

Na Espanha reinava, então, Felipe III que, no governo do Brasil, substituíra d. Francisco por Diogo Botelho.

Lá d. Francisco de Souza desenvolveu as suas habilidades, convencendo o governo espanhol da existência das famosas minas, conseguindo que o governo do Brasil fosse dividido em dois, dele retirando as capitanias de Espírito Santo, Rio de Janeiro e S. Vicente, que passaram a constituir a repartição do Sul, e dela foi encarregado o próprio d. Francisco para a conquista e administração das minas descobertas e de todas as mais que ao adiante se acharem nas três capitanias (carta de 2 de janeiro de 1608).

Para essa administração foi-lhe concedido todo o poder e alçada que tinha o governador geral na Bahia, quer na Justiça, quer na Fazenda. Foi-lhe mais concedido outorgar foros de fidalgo, de cavaleiro fidalgo, hábitos de Cristo, prover ofícios, provedor e tesoureiro das minas etc., conforme se vê nos alvarás e provisões reais registrados na Câmara de S. Paulo (Reg. Geral, vol. 1º, págs. 188 a 207).

Apesar de todos esses poderes, d. Francisco de Souza pouca coisa fez, ou mesmo nada fez. Na sua repartição do Sul, não descobriu minas.


[1] Notas por mim extraídas de autos do Arquivo Municipal e publicadas no Correio Paulistano em agosto de 1904, e, parece, já desaparecidos quando da publicação feita por Alves de Souza.