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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE - BIBLIOTECA - Na Capitania de S.V.
Washington Luís e a capitania vicentina (22)

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Além de governador paulista e presidente do Brasil, Washington Luís Pereira de Souza foi escritor e historiador, sendo responsável pela construção dos monumentos históricos do Caminho do Mar, na subida da serra entre Santos e São Paulo, em 1922, para comemorar o centenário da Independência do Brasil.

Uma das suas mais importantes obras foi esta, Na Capitania de São Vicente, publicada em 1956 (um ano antes da morte do autor) pela Livraria Martins Editora, da capital paulista. Com 341 páginas mais 7 introdutórias, a obra foi impressa pela Empresa Gráfica Revista dos Tribunais, também de São Paulo.

O exemplar de número 956 foi cedido a Novo Milênio para digitalização, pela Biblioteca Pública Alberto Souza, de Santos, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, em maio de 2010. Páginas 279 a 335, com ortografia atualizada:

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Na Capitania de São Vicente

Washington Luís

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Capítulo XXI - A conquista do Sul – O Guairá – A retirada dos padres jesuítas para baixo do Iguaçu e para os Tapes – Mbororé, no Uruguai – Direção para o Oeste, Itatines, Taquari, Paraguai e depois para o Norte

§1º - GUAIRÁ

O Guairá era uma vasta região, na América do Sul, na parte que, há mais de três séculos, pertence ao Brasil e constitui hoje o estado do Paraná. Era limitada ao Norte pelo Rio Paranapanema, a Oeste pelo Rio Paraná, ao Sul pelo Rio Iguaçu, e vinha a Leste até os contrafortes da Serra do Mar.

Poucas regiões sul-americanas, nos tempos coloniais, tiveram limites tão precisos. Está situada, mais ou menos abaixo de 26 graus de latitude Sul, goza de clima ameno, onde as estações já se definem, possui terras férteis para todas as culturas, e, na serra, estendem-se pastagens para criação do gado. A sua altitude varia de mais de mil metros acima do nível do mar na serra de Paranapiacaba, e vai se abaixando em alguns lugares até 400 metros na parte Oeste.

Essa região era percorrida por diversas tribos de índios nômades, chamados guaranis pelos espanhóis, e carijós pelos portugueses, e destes eram inimigos.

Entre S. Paulo e essa região, havia caminho terrestre, trilho de índios, que uma tradição, evidentemente fantasiosa, atribuiu sua feitura a um dos apóstolos de Jesus Cristo e que, por isso, foi conhecida em meados de 1500 como "Caminho de São Tomé" ou Pai Zumé, segundo o falar indígena. Para lá se ia também por via fluvial, isto é pelo Tietê e Paraná, e ainda por mar.

Por esse caminho se atingia o Paraguai. Alguns governadores do Brasil proibiram, por instantes recomendações e sob penas severas, o trânsito por aí, como o fez d. Duarte da Costa em 1556 (Atas da Câmara de Santo André, pág. 36). No interregno de seus dois governos, no Brasil, d. Francisco de Souza, ao contrário, em 1603 mandou reabri-lo (Atas da Câmara, vol. 2º, pág. 138).

Por esse caminho veio do Paraguai Ulrich Schmidl e, passando, em junho de 1533 pela morada de João Ramalho, se foi, em S. Vicente, embarcar para a Europa.

Em 1516 a Espanha fizera navegar o Rio Uruguai por Dias Solis, que foi devorado pelos índios que estavam nas margens, onde ele desembarcou. Dez anos mais tarde, 1526, fez seguir outra expedição sob o comando de Caboto. Depois da volta deste, designou d. Pedro de Mendoza, como adelantado que fez um pueblo, Santa Maria, 1535, (onde depois se fundou Buenos Aires) logo depois destruído pelos indígenas.

Este adelantado fez subir seu lugar-tenente, Juan de Ayolas, pelo Rio Paraguai (1536) o qual deixou Domingos Irala, onde se fez Assuncion.

Daí, de Assunción, Irala fez partir diversas expedições. De uma delas foi comandante Ruy Dias de Melgarejo, que fundou Ciudad Real, a duas léguas depois do salto do Paraná, nas imediações da foz do Pequiri, em 1557, com 100 espanhóis. Mais tarde, a ela se agregaram outros 60 espanhóis que, a duas léguas mais abaixo, haviam antes dado princípio à vila de Outiveros, assim chamada por, em Castela, ter este nome a pátria do capitão Garcia Rodrigues de Vergara, seu fundador. Outra, a Vila Rica do Espírito Santo, a 60 léguas da primeira, fora também fundada, em 1577, pelo capitão Ruy Dias de Melgarejo com outros 100 espanhóis, perto da foz do Rio Corumbataí no Ivaí, este afluente do Paraná, a qual possuiria nos princípios do século XVII, uns 200 vizinhos espanhóis.

A primeira, a 160 léguas de Assunção, paragem insalubre, com caminhos quase intransitáveis, era segundo o padre Lozano, uma miserável aldeola de uns 40 vizinhos, espanhóis em nome, mas na realidade mestiços degenerados, alimentando-se de mandioca, da caça e pesca, vestidos de algodão grosseiro, com uma curiosidade tão apagada que nada sabiam do próprio país e nem cuidavam saber dos alheios. Em 1614, a Espanha separou essa região do Peru, fazendo a província do Paraguai que ficou abrangendo Tucumã, Corrientes, Buenos Aires e todo o Sul da América espanhola. Em 1617 criou a província de Buenos Aires, separada da província do Paraguai, abrangendo esta o Guairá.

Dada a indecisão das fronteiras entre Espanha e Portugal, na repartição do mundo a descobrir feita pelo papa, mal determinadas ainda depois no tratado de Tordesilhas, os portugueses julgavam que esse território do Guairá pertencia a Portugal, como os espanhóis sustentavam ser ele do domínio de Espanha. Por essa razão, aportando em Santa Catarina, Cabeça de Vaca foi por terra em 1541 para Assunção no Paraguai, certo de pisar terra espanhola.

Os jesuítas espanhóis também começaram a catequese dos indígenas, por essas regiões, saindo do rio Paraná e do rio Paraguai.

No ano de 1588, enviados da província jesuítica do Peru, com o título de Missão, os padres da Companhia de Jesus entraram no território de Tucumã. Mas tais foram os progressos e frutos obtidos nessas missões, e tão vasto o território em que elas se realizavam que, por 1604, o geral da Companhia de Jesus, Cláudio Aquaviva, resolveu criar uma nova província jesuítica, independente da do Peru. Essa província, que compreendia os territórios dos governos políticos do Chile, de Tucumã, do Rio da Prata e do Paraguai, foi efetivamente fundada em 1607, sendo o padre Diogo de Torres o seu primeiro provincial (1607-1614).

Essa catequese, mais ou menos nômade, que os padres faziam ao batizar milhares de selvagens, não trazia conversões seguras com resultados duradouros; por isso entenderam os padres de reunir os indígenas em estabelecimentos fixos, onde pudessem com eficácia doutriná-los e reduzi-los à fé católica.

Essas reduções sedentárias, porém, só poderiam ser feitas longe dos espanhóis, que se entendiam com o direito de dispor dos índios por encomienda, sistema que os abusos, na prática, confundiam com escravidão.

Transposto o Paraná, os padres evitando essa vizinhança, caminharam mais para o Norte e chegaram ao Rio Paranapanema onde só encontravam indígenas, que eles sem obstáculos desejavam civilizar, argila virgem, que podiam modelar à vontade, segundo supunham, para aí fazer nações, criando impérios.

Poucos padres, porém, foram trabalhar nessa faina gigantesca. Pode-se marcar, quase com precisão, o dia 26 de novembro de 1609, como o da entrada dos jesuítas no Guairá, pela ordem escrita pelo capitão d. Antonio de Anhasco, então tenente general do governador e Justiça Maior nas províncias do Paraguai e Rio da Prata, que determinou ao capitão Pedro Garcia, ou a qualquer outra justiça do Guairá, que não embaraçasse por forma alguma a ação dos padres José Cataldino e Simão Mazzeti, que ficavam encarregados, na província do Paranapanema, da redução dos indígenas; e, ao contrário, os auxiliasse na sua missão (p. Pastells, História da Companhia de Jesus, vol. 1º, pág. 153).

Assim esses dois padres, Simão Mazzeti e José Cataldino, chegaram à margem esquerda do Paranapanema, próximo à foz do tributário Pirapó, fundaram em 1610 a redução de N. S. do Loreto, e subindo um pouco mais o Paranapanema, léguas acima, fundaram outra que denominaram Santo Inácio. Mas antes já aí evangelizavam.

Alguns meses antes da fundação desses estabelecimentos, a essas partes chegou o pe. Antonio Ruiz de Montoya, a alma mais perfeitamente talhada para fazer prosperar a obra gigantesca que se projetava.

Muitos anos levaram esses padres, que aos poucos foram recebendo novos companheiros como reforços espirituais, na dura tarefa de catequizar os selvagens indígenas.

Nessas reduções, que eles sempre melhoravam materialmente, construíram toscas igrejas de madeira e de telha, casas etc. Nelas faziam ponto, donde partiam alargando a sua conquista espiritual, entrando nas matas, ensinando os caciques, atraindo os índios infiéis, trazendo-os para o seio das igrejas de Loreto e de S. Inácio, e por essa forma estendendo as suas fronteiras.

Breve, tendo maior número de missionários, e reconhecendo a inconveniência de Igrejas com tão grandes distritos, resolveram erigir novas entre os povos, que lhes aceitavam a doutrina, fundando assim outros estabelecimentos fixos, verdadeiro sistema ganglionar de um vasto, embora rudimentar, tecido civilizador que iria envolver os aborígines.

Junto a cada nova igreja, onde reuniam-se os índios doutrinados, ficavam dois padres, um com o governo espiritual e outro com o temporal, e assim aumentavam cada vez mais as reduções que tomavam o nome do orago da igreja estabelecida, adicionado ao nome indígena, ou do acidente do terreno ou do cacique que aí dominava.

Esse nome indígena estendia-se a um território circunvizinho, que pelos jesuítas evangelizadores era designado como uma província. E porque os primeiros padres entraram por lugares que os espanhóis já chamavam Guairá, as duas reduções primeiras – Loreto e S. Inácio – ficaram na província do Guairá, propriamente dita, nome depois generalizado a toda a região.

Subiram os padres o Paranapanema e, abandonando-o na boca do Tibagi, navegaram por este até um seu pequeno tributário que desce da fragosa Serra Apucarana, ramificação da serra de Paranapiacaba, atravessaram-na e, em 1624, fundaram S. Francisco Xavier em Ibiterembetá.

Sendo muito arriscada, porém, em tempos chuvosos, a viagem pelo Tibagi, que por aí corre, por causa de seus muitos recifes e precipitadas correntes, e desejando assegurar a passagem por terra entre o Guairá propriamente dito e o Ibiteremhetá, fundaram os padres em 1624, a redução de S. José, no Tucuti.

Ao Sul do Ibiterembetá ficava a província de Taiati, na qual, junto ao monte Nuantigui, e, na fralda de uma serra coroada de pinheiros, foi fundada, em 1625, Encarnación.

A quatro jornadas de Encarnación, para Oeste corria o iñeai (este nome se aplicava, parece, ao curso superior do lvaí, antes de receber o Corumbataí) que dividia a Leste a província de Taiati da de Taiobá, que lhe ficava a Oeste. Na província de Taiobá, fundaram em 1628 São Tomé e à margem direita do Corumbataí criaram Conceição dos Galachos, também em 1628.

À margem esquerda do Iñeai (alto Ivaí) situaram S. Paulo (1627) e nessa mesma margem S. Antonio (1628) no lbiticoí. A Leste do Taiobá e ao Sul de Taiati ficava S. Miguel de Ibituruna (1628). No mais alto das serranias, Jesus Maria em terras do cacique Guiravera, a última fundada, em 1630. A Leste destas duas últimas e de Encarnación estava S. Pedro, fundada em 1627. Na margem direita do Iguaçu, quase na sua foz no Paraná, estava Santa Maria Maior, fundada em 1626. Em 1628 já haviam fundado Arcângelos.

Havia nessa região, como se vê, duas cidades espanholas e quatorze reduções jesuíticas.

A raça guarani, que os portugueses chamavam carijó, tinha aí, ao Norte, maior número de representantes. Mas nos Campos, que correm desde as ásperas serranias, onde nasce o Ivaí até próximo ao Iguaçu, campos de onde se avista o oceano, dominavam índios que se chamavam Camperos ou Guarairu ou Cari-iru, Cabeludos ou Coroados, e Guaranis. O primeiro nome foi dado pelos espanhóis aos moradores, em razão do lugar que ocupavam; o segundo e terceiro deram os naturais do país, por causa de dois poderosos caciques que aí dominavam; o quarto era dado porque os índios cuidavam muito do cabelo que deixavam crescer abundante, tanto homem como mulher, raspando, porém, as cabeças de modo a abrir coroas. E o último era uma designação geral adotada pelos espanhóis.

Confinando com estes havia os Guañañas tão alvos, que se supunham descendentes de náufragos espanhóis. Eram selvagens de outra língua e de outra raça, e foi com eles que os jesuítas fizeram a redução de Conseption de los Gualachos.

Havia, por aí, naturalmente, outras tribos de raças diversas, e línguas diferentes, ilhadas nesse território.

Dificilmente se poderá avaliar precisamente a população indígena que aí habitava e aquela que foi reduzida pelos padres. Dela se pode dizer que em Santo Inácio e Loreto, que eram os mais importantes estabelecimentos, havia na primeira umas 900 famílias, com 4.500 pessoas, e na segunda 800 famílias, com 4.000 pessoas aproximadamente.

Caminhando, porém, para o Nordeste, em parte fugindo dos espanhóis, para preservar a colossal obra de civilização que empreenderam, os jesuítas se arriscavam a se encontrar com os portugueses, aproximando-se da célebre linha de marcação, mal conhecida de todos e não respeitada por ninguém.

Os dois mapas, em seguida, em que estão situados os dois vilarejos espanhóis e as reduções jesuíticas, dão uma idéia aproximada do que nessa época era o Guairá.

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Trecho do fac-símile do primeiro mapa do Paraguai, construído pelos jesuítas dessa província, oferecido ao reverendo padre Vicente Carrafa, então geral da Companhia de Jesus (1646-49). (Copiado de um mapa apresentado pelo barão do Rio Branco ao árbitro Cleveland, na questão das Missões entre Brasil e Argentina)

Imagem publicada com o texto, na página 284-A. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

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Trecho do fac-símile aumentado da gravura original no tomo XXI, 229, das Lettres E'difiantes Écrites des Missions Etrangeres, par Quelques Missionaires de la Compagnie de Jesus, Pariz, 1734. (Copiado de um mapa apresentado pelo barão do Rio Branco ao árbitro Cleveland, na questão das Missões entre Brasil e Argentina)

Imagem publicada com o texto, na página 284-B. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la

A situação, quer política, quer religiosa, nessa região, era semelhante a que se desenrolava no planalto em que estava S. Paulo. Lá também houve a mestiçagem e a mesma necessidade do índio para os serviços domésticos e agrícolas para tornar efetiva a ocupação européia no continente novamente descoberto. Também o trabalho jesuítico desviava o indígena para a catequese religiosa nas reduções ou missões, que ele formava e dirigia ciumentamente.

Havia, porém, diferenças notáveis: a região do Guairá ficava muito mais distante dos portos do mar e era alagada pelas cheias dos caudalosos rios, que a atravessavam, e a tornavam insalubre; enquanto que o planalto, perto do porto de S. Vicente, era dotado de "bons ares e de boas águas". Essas circunstâncias tornavam a administração espanhola mais difícil e mais enfraquecida. A Espanha não dividira as terras, que o indeciso e desrespeitado Tratado de Tordesilhas lhe designara, em capitanias e não as dera a seus vassalos, como fizera Portugal, de modo que as leis decretadas para as suas conquistas eram menos observadas, ou não eram executadas.

Nomeava para lá adelantados, governadores, que receavam absorver atribuições dos seus vizinhos e não se animavam a sair das suas circunscrições.

Por outro lado, o Governo de Espanha, segundo expõe Raimundo Fernandes Ramos

"ordenava que luego que se haya hecho la pacificacion el Adelantado, governador o pacificador reparta os indios entre los pobladores españoles para que cada uno se encargue de los que fuessen de su repartimiento y los defenda e ampare, proveyendo ministro que los enseñe la dotrina cristiana y administre los sacramentos, guardando nuestro patronage y enseñe a vivir en policia (poblado). La formula en estos casos para el repartimiento era la seguinte: 'A vos Fulano, se os encomienda tantos índios de tal cacique; enseñando les las cosas de nuestra religion'. De aqui procede 'el que se les diera el nombre de encomienda a las tierras repartidas con los indios correspondientes y se chamassem encomienderos a los que teniam unas e otras a su cargo'. El encomiendero preferia cobrar el tributo que los indios debiam abonar no en plata e efetos como ordenaba la lei, sino em jornadas irrisorias. Com este sistema podiam tener 100 indios a sus ordenes... El servicio personal en las encomiendas fué el que prevaleció. Esses indios eram los que le chamabam mitais, porque cumpliam en los dos meses de trabayo com essa mita o termo...." [1]

Las encomiendas passaram logo à escravidão e os encomienderos a senhores dos escravos índios. Equivalia mais ou menos ao resgate e às guerras que os portugueses faziam no planalto, com os quais obtinham serviços forros.

Depois, os jesuítas no Guairá fizeram as províncias religiosas, para a catequese em reduções, missões ou doutrinas, o que tudo significava a mesma coisa, ajuntavam os índios, subtraindo-os assim ao trabalho dos espanhóis nas suas encomiendas.

A luta lá se estabelecera entre colonos e jesuítas, mas muito menos vigorosa por parte dos colonos, pois que estes eram menos numerosos e aqueles mais ativos. Mas os interesses contrariados eram os mesmos. A luta, que aqui se estabeleceu entre jesuítas e colonos, também se estabeleceu entre missionários e espanhóis.

No planalto os jesuítas quiseram assenhorear-se das aldeias, e, pela catequese, também subtraíam os índios ao trabalho nos sítios possuídos pelos portugueses.

A causa, em ambas as regiões, era a mesma. Os habitantes, pois, do Guairá haviam que ver com tolerância, ou mesmo com cumplicidade, as invasões dos paulistas.

Essa situação é definida no livro de Gustavo Adolfo Otero [2], quando expõe as teorias de Sepulveda e Las Cases, nas quais não vê ele um duelo intelectual, entre dois homens, mas entre duas expressões do pensamento humano, que representam a eternidade dos interesses, das paixões dos homens, considerando-as antes como a luta entre a liberdade e a opressão, entre a razão e as paixões, entre o direito e a força, o direito posto a serviço dos humildes e dos inermes, e a força que se esconde sob a cobiça e o sensualismo do mando [3].

Acrescente-se a essas considerações, essa observação menos elevada, porém de mais realidade, reconhecendo que no Guairá estabeleceu-se também a luta entre a catequese religiosa e a colonização civil para a ocupação da América do Sul pelos europeus.

Tolerando ambas as formas, a proteção dos reis variava. Os jesuítas portugueses já lá haviam mandado os Irmãos Pedro Correia e Manuel de Chaves, que pereceram em 1555, devorados pelos selvagens carijós.

Desde o século 16, pois, era conhecida essa região pela catequese jesuítica portuguesa, saindo ela da Capitania de S. Vicente. Os jesuítas obedeciam à sua ordem e não aos reis, serviam aos interesses da Companhia e não aos das nacionalidades.

Essa região já era também freqüentada pelos moradores de S. Paulo, e dessas entradas tinham conhecimento os jesuítas espanhóis, que, a princípio, as consideravam como cativação de índios infiéis.

As bandeiras paulistas, desde pelo menos 1581, iam lá fazer guerra aos carijós, certos de que andavam por conquistas da coroa de Portugal, ou isso alegavam (carta de D. Antonio Añasco de 14 de novembro de 1611 – v. 1º, Anais do Museu Histórico de S. Paulo, pág. 153).

Jerônimo Leitão, após consultas prudentes, e a instâncias das Câmaras e dos povos da Capitania de S. Vicente, lá esteve, como já narrei no capítulo XIII, para fazer a guerra aos carijós. E desde essa época, nos inventários, aparecem descrições de índios carijós escravizados.

Uma dessas expedições partiu em fins de 1585, e em abril de 1586 ainda estava nesse sertão, o que se deduz da vereança de 7 de abril de 1586 (Atas, vol. 1°, pág. 293).

Afonso Sardinha, que em 1598 partira para o sertão, fora lá ao resgate; e em setembro de 1606, agasalhara em sua casa na vila de S. Paulo diversos principais carijós do Paranapanema (Atas da Câmara de S. Paulo, vereança dessa data, vol. 2º, pág. 150).

O padre Pero Lozano conta – Conquista del Rio de la Plata, vol. 1º, pág. 422, da qual tomo grande parte das notícias aqui dadas - que, pelos anos de 1600, os mamelucos de S. Paulo cativaram índios guananás, que uns chamam gualachos e outros guaianás, que viviam no Rio Iguaçu, e com eles fundaram um povo que entregaram a um clérigo português; mas, tais vexações receberam esses índios dos paulistas e do clérigo, que uns 600 deles fugiram.

E em 1607, Manuel Preto, vindo de Vila Rica, trouxera muitos temiminós, que no caminho encontrara (Atas da Câmara de S. Paulo, vereança de 7 de janeiro e 11 de fevereiro de 1607, vol. 2º, pág. 184).

Em 18 de fevereiro de 1607, diversos homens poderosos, cujos nomes por essa razão não são talvez mencionados, "revéis e desobedientes" aos mandos das justiças, se aprontavam para ir aos carijós (Atas, C. S. Paulo, vol. 2º, pág. 190). Esse comércio começara a ser tão lucrativo que Belchior Roiz, de Birapoeira, no termo da vila de S. Paulo de Piratininga, com tenda de ferreiro queria ir para Apiassava das canoas, onde costumavam a desembarcar os carijós, que à vila de S. Paulo vinham a resgate; e porque "isso causaria muito prejuízo à vila", a Câmara proibiu a ida de Belchior Roiz (Atas, vol. 2º, pág. 198).

Em 1611, Pedro Vaz de Barros, comandando 32 homens, brancos e muitos índios tupis, em Guairá, teve "dares e tomares" com d. Antonio de Añasco, conforme este relata numa carta a Diego Marin Negron, a 14 de setembro do ano acima indicado (Anais do Museu de S. Paulo, vol. 1º, pág. 154).

Pedro Vaz de Barros ia com um mandado de d. Luiz de Souza, filho menor de d. Francisco de Souza, e que ficara governando a repartição do Sul, por morte de seu pai e ausência de seu irmão d. Antonio de Souza, para buscar índios para trabalho das minas. Este mandado está transcrito nos Anais do Museu Paulista (vol. 1º, pág. 148 e seguintes).

Em 1612, Bartolomeu de Torales escreve ao governador Diogo Marin Negron que Sebastian Preto, português de S. Paulo, levou cinco caciques com muitos índios para a dita vila de S. Paulo (idem, vol. 1º, pág. 158) o que é confirmado por carta do cabido de Ciudad Real, calculando o número de índios em 3.000 (idem, pág. 159).

Em 14 de dezembro de 1615, Lázaro da Costa era capitão-mor de uma bandeira, que se achava postada no sertão dos carijós, e da qual faziam parte Pero Sardinha, neto de Afonso Sardinha, o velho, e que lá morreu, o alferes-mor Lourenço de Siqueira, João Pereira, Paulo do Amaral, Francisco Nunes Cubas, Aleixo Jorge, Alonso Peres Calhamares, Romão Freire, Theodosio de Saavedra, Luiz Delgado, Balthasar Glz., Gaspar dos Reis, Manuel Roiz, Simão Fernandes, João de Souza, Antonio Roiz Velho, o Araa (Inv. e Test., vol. 3º, pág. 391 e seguintes).

Em 1618, Manuel Preto, já freqüentador dessas paragens, com uma imensa bandeira, acometeu a redução de Loreto, na foz do Pirapó, afluente do Paranapanema; mas se retirou atendendo aos rogos ou às ameaças do padre Antonio Roiz de Montoya. Ao retirar-se, já na foz do Tibagi, fez prisioneiros diversos índios. Afirmou o padre Montoya que nessa retirada Manuel Preto foi acometido por um tigre, que o feriu na cabeça e duas vezes nos braços, e que isso, lançando o pavor na bandeira, salvou 900 índios que já iam aprisionados, os quais o padre Cataldino levou para as reduções de Loreto e de Santo Inácio. Veio mais tarde Manuel Preto a morrer de um flechaço no sertão (em 1630?).

Em 1623, a 18 de novembro, outra bandeira, de que faziam parte Henrique da Cunha, o velho, João Gago da Cunha Lobo, João Raposo, Diogo Barbosa Rego, Mateus Luiz Grou, Jeronimo Abres, Jerônimo da Veiga, estava acampada no sertão dos carijós (Inv. e Test., vol. 1º, pág. 208 e seguintes).

André Fernandes, de Parnaíba, foi grande matador de índios e o mais cruel dos invasores, e, segundo o extrato de Pastells (obr. cit., pág. 461), fez lá entradas.

A mulher de André Fernandes, entretanto, Antonia de Oliveira, no seu testamento, em 1632 (Inv. e Test., vol. 8º, pág. 311) declara solenemente que os gentios que possuía o casal, muitos vieram de suas terras livremente, sem ninguém ir por eles, só pela fama do bom tratamento que seu marido a eles dava.

Em 1º de julho de 1623, o procurador da Câmara informa que a vila estava despejada de moradores por terem ido quase todos ao sertão (Atas da Câmara de S. Paulo, vol. 3º, pág. 41).

Mas cativando índios infiéis no Guairá, as bandeiras tiveram conhecimento pleno das numerosas reduções, que aí os padres jesuítas espanhóis pacificamente criavam para cristianização dos aborígines, e que os paulistas julgavam estabelecidas em terras da coroa de Portugal.

A 12 de outubro de 1627, a Câmara se dirige ao capitão-mor, mostrando apreensões sobre os espanhóis de Vila Rica que se vinham aposseando das terras da Coroa de Portugal (Atas, vol. 3º, pág. 282).

Pastells, no seu trabalho, tantas vezes citado, em que recolheu extratos de documentos dos arquivos de Sevilha (pág. 758 e nota) informa que, perguntado pelo padre Cristóvão de Mendonça por que título faziam guerra às reduções, respondeu-lhe Antonio Raposo Tavares, "capitan de uña compañia de portugueses, que por el título que Dios lhes daba en el libro de Moyses de debelar las gentes" dando a entender que, a exemplo dos israelitas, eles vinham conquistar a nova Canaã, que entendiam sua (Pastells, pág. 458).

Mais claramente afirmaram ainda que lá iam, porque o Guairá pertencia à Coroa de Portugal "e que esta conquista lhes pertencia e estava na demarcação de suas terras" (Pastells, obra cit. pág. 461 em nota).

Os jesuítas contavam que o bandeirante Antonio Pedroso declarou que esta guerra, mandada do Brasil, tinha por intuito trazer da Holanda ao Brasil o filho de d. Antonio e aclamá-lo rei. O próprio informante desse conto, sem dúvida alguma inverossímil, ignorava o seu fundamento, pois que eram falas de índios, confusos e hereges (Pastells, vol. 1º, pág. 458).

Mas o escopo principal das bandeiras era a cativação dos índios e, sendo mais fácil a dos indígenas inermes ou mal armados, reunidos nas reduções, passaram a atacá-las, embora a conseqüência remota tenha sido a posse de territórios.

Vê-se, pois, que d. Luis Céspedes y Xeria não teria sido parte determinante para a invasão dos bandeirantes no Guairá, território que os portugueses julgavam ser da Coroa de Portugal, e onde iam cativar índios. D. Luiz Céspedes y Xeria foi nomeado governador e capitão geral do Paraguai a 6 de fevereiro de 1625 (Pastells, vol. 1º, pág. 417).

Para ir tomar posse do seu governo fez longuíssima, demorada, penosa e acidentada viagem, segundo ele mesmo conta em cartas a seu rei, em Espanha, como se vê da Documentação Espanhola, mandada extratar por Afonso de Escragnolle Taunay e publicada no volume 1º dos Anais do Museu Histórico Paulista, nas páginas 139 e seguintes, dos papéis do Arquivo General de Índias em Sevilha. Os documentos, publicados nesses Anais, são trasladados na íntegra, e deles há também referências inequívocas feitas pelo padre Pablo Pastells, na sua obra Historia da Companhia de Jesus en la Província del Paraguay. Pablo Pastells lealmente indica esses documentos, com suas datas, mas deles faz resumos curtíssimos, principalmente, dos que se referem aos feitos de d. Luiz Céspedes y Xeria. A Coleção de Angelis, publicada pela Biblioteca Nacional e comentada pelo sr. Jaime Cortezão, traz muitos desses documentos.

Segundo a publicação agora autêntica, na íntegra, desses documentos, nos Anais do Museu Paulista, é fácil acompanhar a difícil viagem e os diversos feitos de d. Luiz Céspedes Y Xeria.

Segundo narra esse governador do Paraguai, após 15 dias de sua nomeação foi a Cádiz, e daí saiu para Lisboa, a fim de seguir para a América e tomar posse do seu governo; mas nessa cidade teve que se demorar um ano pois que aí, por causa da guerra com os holandeses, havia ordem de não sair navio algum, antes que partissem as naus das Índias, que eram comboiadas por forças militares marítimas.

Afinal partiu de conserva com essas naus até certa altura e afastando-se seguiu para Salvador, na Capitania da Bahia de Todos os Santos. Aí assistiu ao ataque feito pelos holandeses. Foi muito bem recebido pelo governador geral, Diogo Luiz de Oliveira, que lhe proporcionou transporte marítimo até o Rio de Janeiro. Da Bahia escreveu ao rei de Espanha a 30 de julho de 1627 (Documentação Espanhola – Anais do Museu Paulista, v. 1º, pág. 168).

No Rio de Janeiro casou-se com d. Victoria de Sá, filha de Gonçalo de Sá, este irmão de Martim de Sá, governador do Rio de Janeiro, e, 15 dias depois, partiu por mar para Santos, por não ter encontrado monção para o Rio da Prata. Deixando sua mulher no Rio de Janeiro, foi ela mais tarde a ele se reunir, pelo mesmo caminho fluvial do Anhembi, sendo conduzida desde S. Paulo, por André Fernandes, um dos fundadores de Santana do Parnaíba.

D. Victoria foi também acompanhada por seu primo Salvador de Sá y Benevides, que consigo levou 30 soldados portugueses, em setembro de 1629 (Anais do Museu, vol. 2º, pág 265).

Em S. Vicente, a 22 de junho de 1628, alegando possuir as licenças necessárias do governo de Espanha para passar por terra ao Paraguai, d. Luiz requereu ao ouvidor da capitania, então Amador Bueno, que com grandes penas, fossem publicados editais para que nenhuma pessoa, de qualquer qualidade que fosse, o acompanhasse nessa sua viagem, a não ser aquelas que o capitão-mor de S. Vicente designasse, no que foi atendido (idem, vol. 1º, pág. 172) por despacho no mesmo dia. O capitão-mor, naquela época, Álvaro Luiz do Vale, designou o capitão Manuel Preto para que, apenas com seis índios, sem nenhuma pessoa branca, acompanhasse d. Luiz Céspedes, pelos rios abaixo, voltando imediatamente a S. Paulo, sem ir ao sertão nem trazer outros índios (idem, pág. 176).

Quando o governador do Paraguai chegou a S. Paulo, a Câmara, composta do juiz ordinário, Sebastião Fernandes, dos vereadores Maurício de Castilho, Baltazar de Godoy e do procurador Cristovão Mendes, mostrou-se alvoroçada e quis saber com ordem de quem queria ele passar por um caminho, cuja travessia estava severamente proibida (Atas, vol. 3°, pág. 314).

Ainda obteve esse governador, no mesmo dia 22 de junho de 1628, atestado dos padres jesuítas João de Almeida e José da Costa, superiores das aldeias de Escada, de Conceição (Guarulhos?) e S. Miguel, e também do padre Salvador da Silva, superior da casa de Santo Inácio na vila de S. Paulo, declarando que ele não levava consigo nada mais que seus criados e roupas de seu serviço. Tudo isso confirmado pelos tabeliães e escrivães de Santos e de S. Paulo (Anais do Museu Paulista, vol. 1º, págs. 178 e 179).

Seguiu a viagem e, de Guairá, a 8 de novembro de 1628, em longo relatório ao rei de Espanha, mandou curiosas, desfavoráveis e deprimentes notícias sobre a vila de S. Paulo e sobre os costumes de seus habitantes, com tal vivo interesse que textualmente escreveu:

"suplico a vuestra magestad mire con atencion desde aquilo que hoy diciendo y oyra desta gente de S. Pablo y su jurisdicion las mayores maldades traciones y vellaquerias que hazem y an echo. Tambien oyra... en la villa de San Pablo residen quatro cientos soldados, tienen sus casas en ella, su assistencia dellos mugeres y hijos es en los campos vienen en el pueblo los dias de fiestas y esos armados con escopetas, rodelas y pistolas publicamente consentiendo las justicias, porque no son mas que en la aparencia y son como los demas muertes cuchiladas y otros insolencias matando-se uaguardando en los caminos todos los dias suceden sin que haya sido castigado hombre ninguno hasta el dia de oye ni de tal se sabe"...

Conservo o texto em espanhol porque d. Luiz, como verdadeiro fidalgo espanhol, nenhum caso fazia da pontuação ortográfica.

Informa mais que eram maus vassalos, não somente em sua pátria, mas nas províncias vizinhas, a que iam andando 200 e 300 léguas para cativar os índios das reduções. Eles mesmos se fazem capitães, alferes e sargentos, levantam bandeiras, tocam caixas e atacam as reduções, carregando os índios, as imagens das igrejas, sem consentimento de seus governadores, ou melhor "governadores que tudo sabem e nada remedeiam".

O que está acima é pequeno resumo das informações mandadas ao rei (idem, vol. 1º, pág. 183 e seguintes).

Informa também que viajou por terra, umas 40 léguas (naturalmente desde Santos) até onde se embarcou no Tietê (naquele tempo conhecido por Anhembi), com infinitos trabalhos e perigos por não haver outro caminho, depois de ter estado aí um mês a fazer fabricar canoas de árvores imensas.

Desceu o Rio Tietê em 32 dias, e desse Tietê debuxou, com yerbas dei paiz, um grosseiro mapa, rudimentar mas interessante, mapa que foi enviado à Espanha, e que o Museu Paulista fez copiar em Sevilha, e se acha publicado na Coletânea de Mapas de Cartografia Paulista Antiga.

Em seguida desceu o Rio Paraná em 8 dias e visitou as reduções de Santo Inácio e Loreto, situadas no Rio Paranapanema (idem, págs. 183 e 184) e encontrou-as prósperas e florescentes.

Grandes foram os desconfortos, os incômodos, os sofrimentos, os perigos que d. Luiz Céspedes teve nesta viagem fluvial, e aos quais ele apenas se refere.

Para de longe se avaliar, basta ler a descrição, que fez Theotonio José Zuarte de idêntica que realizou, em 1769, por ordem de d. Luiz Antonio de Souza Mourão, cento e cinqüenta anos depois, época, em que as canoas deveriam ser melhores, os remadores e pilotos mais destros e os recursos maiores.

A não ser o receio dos piratas ingleses, holandeses e franceses, que infestavam os mares sem piedade, ou ordem do governo espanhol para conhecer verdadeiramente a situação da Vila de S. Paulo e as entradas, que faziam os seus moradores, não se compreende que um governador fizesse tal viagem (vide Anais do Museu Paulista, vol. 1º, pág. 43 e seguintes).

Aí foi bem recebido pelos padres da Companhia de Jesus, dos quais fez grandes elogios, dizendo, em atestado, que a catequese com grandes trabalhos e infinitos perigos era magnífica, que os índios, quer sob o aspecto material quer espiritual, tinham tido grande proveito, que as igrejas que ele viu nas duas reduções, eram mais belas do que as que encontrara no Peru e no Chile (idem, pág. 188). Acrescentando que todos os índios e índias estavam com grande doutrina, assim se estendendo a palavra de Deus, aumentando a coroa de S. M.

Elogiando os trabalhos dos padres da Companhia de Jesus, que aí evangelizavam, salientou os do superior deles, o padre Antonio Roiz de Montoya, cuja grande e infinita dedicação, exposta às intempéries, por caminhos extensos e fragosos, passando necessidades e até fome, correndo riscos de vida diariamente, muito exaltou. Os jesuítas também o receberam aí muito bem. Quando aí esteve o governador, avisou aos padres que os portugueses de S. Paulo estavam preparando por terra uma grande invasão nas reduções jesuíticas, o que naturalmente observou quando permaneceu na Capitania de S. Vicente (Jesuítas e Bandeirantes do Guairá, Jaime Cortezão, pág. 299).

Depois, descendo o Rio Paraná, d. Luiz Céspedes y Xeria visitou também as cidades espanholas Ciudad Real e Villa Rica, onde ouviu as queixas dos moradores, deixando-se por elas se influenciar. Encontrou essas povoações em decadência e em extrema miséria; nelas foi recebido com grandes manifestações de regozijo, pois que era a primeira vez que um governador por aí passava.

Essas queixas consistiam em acusações contra os jesuítas, que, concentrando os índios nas reduções, impediam que eles trabalhassem nas encomiendas. Essas queixas eram apoiadas pelos alcaides e moradores (Anais do Museu Paulista, vol. 1º, pág. 185). Começou desde aí a exercer a sua administração integral, não só sobre as cidades espanholas, como sobre as reduções jesuíticas. Para estas, mandou visitadores em inspeção, capitão Romero e Agostin Alvares, a fim de verificar a procedência das queixas. Esses inspetores, já habitadores da região, inábeis ou inaptos, descontentaram sobremodo os jesuítas, que não estavam dispostos a sofrer qualquer inspeção.

Os padres da Companhia de Jesus se opuseram a essa intervenção; a princípio com corteses e hábeis cartas, e, em seguida, com queixas ao rei, às autoridades espanholas, aos seus superiores hierárquicos, com tal constância e veemência, com acusações tão fortes que levaram o governador a processo judicial na audiência de Charcas.

Foi o que mais ou menos sucedeu em S. Paulo, no tempo do capitão-mor Jorge Correia, que quis impedir as guerras ofensivas contra os índios, e que mandou entregar as aldeias indígenas aos jesuítas.

As causas foram as mesmas e forçosamente ocasionariam choques entre tais orientações, evitadas em S. Paulo pela habilidade de d. Francisco de Souza, que se transportou, como governador-geral, para a Capitania de S. Vicente, e nela soube conjugar, durante algum tempo, todos esses interesses, que se contrariavam, amortecendo-os com o descobrimento de minas de metais preciosos.

Só a leitura do processo judicial feito em Charcas, a vista das acusações, defesa e suas respectivas provas, pode permitir julgamento seguro sobre o conflito entre os jesuítas e d. Luiz Céspedes, num tempo de escravização de índios e de catequese religiosa.

Os jesuítas acusaram o governador de cumplicidade com os bandeirantes nas invasões do Guairá, baseando-se nas suspeitas que nasciam do casamento de d. Luiz com d. Vitória de Sá, da família dos Sá do Rio de Janeiro, da ida com Manuel Preto, do comboio organizado por André Fernandes e que transportou d. Vitória para a companhia de seu marido no governo do Paraguai, na venda dos índios aprisionados nas reduções para os engenhos dos Sá no Rio de Janeiro, na intromissão e nenhuma assistência dada por Céspedes y Xeria contra as invasões.

Esta última circunstância já era o próprio conflito.

Cabe, entretanto, dizer que esse governador do Paraguai proibiu, por bandos lidos nas ruas das povoações espanholas, a venda de armas de fogo aos índios e aos religiosos jesuítas (Anais do Museu Paulista, vol. 2º, pág. 41).

O governo espanhol, em Madri, mandou sindicar as acusações feitas pelos jesuítas a d. Luiz Céspedes, por Hernandarias Saavedra, que, por muito velho e enfermo, fez as diligências por terceira pessoa. Todas as acusações foram confirmadas (Anais do Museu Paulista, vol. 2º, págs. 267 a 269 da Documentação Espanhola).

Como quer que seja, pode-se concluir que d. Luiz Céspedes y Xeria, governador do Paraguai, não foi um indivíduo ponderado e não teve as qualidades necessárias para um governo colonial, longínquo da metrópole. Era um homem que se deixava influir pelos que os rodeavam, formava juízos precipitados e com grande precipitação os punha em execução. Basta atentar para as contradições expressas nas suas cartas ao rei. Elogiava o governador do Rio de Janeiro, e, entretanto, acusava-o de praticar os mesmos atos que os bandeirantes da Capitania de S. Paulo. Elogiava a obra dos jesuítas nas reduções e depois mandava inspecioná-las para remediar abusos.

Por esses sertões do Guairá, já haviam entrado, como disse, por diversas vezes e em diversas épocas, os habitantes de S. Paulo, em guerras ofensivas, de que resultaram a cativação dos aborígines.

Essas entradas, organizadas à maneira paulista, foram depois mais contínuas, e pode-se afirmar que foram muito mais numerosas que a de Nicolau Barreto. Algumas se fizeram até oficialmente. Ao fazer as reduções os jesuítas evitaram as encomiendas, que se viam privadas de trabalhadores indígenas. Estavam os padres da Companhia de Jesus entre Scilla e Caríbedes.

A carta de 15 de julho de 1694, em que Domingos Jorge Velho, chamado a Pernambuco para combater a Tróia Negra, dos africanos em Palmares, dá-nos uma idéia do que seriam esses combates.

Domingos Jorge Velho era um afamado bandeirante paulista, que organizaria as suas tropas e as conduziria para sertões pernambucanos contra os negros dos Palmares, mais ou menos como os bandeirantes quando foram ao Guairá, talvez de um modo melhor, mas seguindo os métodos e processos, tornados clássicos na Capitania de S. Vicente.

Nessa carta, publicada por Ernesto Ennes, no seu trabalho valioso sobre as Guerras nos Palmares (vol. 1º, pág. 205 e seguintes) escreve ele textualmente ao rei:

"Primeiramente nossas tropas com que imos à conquista do gentio brabo desse vastíssimo sertão, não é de gente matriculada nos livros de V. M., nem obriga por soldo, nem por pão de munição; são umas agregações que fazemos alguns de nós entrando cada um com os servos de armas, que tem, e juntos imos ao sertão deste continente não a cativar (como alguns hipocondríacos pretendem fazer crer a V. Majestade) senão a adquirir os Tapuias gentio brabo e comedor de carne humana para o reduzir ao conhecimento de urbana humanidade e humana sociedade, à associação racional trato, para por esse meio chegarem a ter aquela, luz de Deus e dos mistérios da Fé Católica, que lhes basta para sua salvação (porque em vão trabalha quem os quer fazer anjos, antes de os fazer homens) e desses assim adquiridos e reduzidos engrossamos as nossas tropas, e com eles guerreamos a obstinados e resistentes a se reduzirem; e se ao depois nos servimos deles para nossas lavouras nenhuma injustiça lhe fazemos; pois tanto é para os sustentarmos a eles e a seus filhos como a nós e a nossos filhos; e isso bem longe de cativar antes de lhes fazer irremuneravel serviço com os ensinar, lavrar, colher e trabalhar para seu sustento, cousas que antes que os brancos lhes ensinem eles não sabem fazer"... "Desta gente estava formado o meu terço a saber 800 e tantos índios e 150 brancos". .. "de aqueles tenho perdido ao redor de 400, e destes não ha hoje bem sessenta que tudo têm destruído a guerra, a fome e as doenças"... "Dos brancos que comigo desceram poucos morreram, porém a maior parte deles vendo o pouco que lhes rendia esta guerra e que nem para os sustentarem lhes dava se espalharam a buscar seu melhor e em seu lugar me deixaram a esperança"... "tendo largado tudo e me pôr a caminho ao redor de 600 léguas desta costa de Pernambuco por o mais áspero caminho, agreste e faminto sertão do mundo"...

Foi, pois, levado por contrato com o governador de Pernambuco, segundo se vê nas primeiras linhas dessa carta autógrafa, conforme o sr. Ernesto Ennes, que Domingos Jorge foi destruir o Palmares (obra citada, págs. 74 e 75).

Domingos Jorge, quando contratado comandante do terço de paulistas para a guerra da Tróia negra, já devia ser homem maduro, e talvez tivesse tomado parte nas expedições contra as reduções no Guairá; pelo menos na sua mocidade ouvia contar as façanhas bandeirantes aí realizadas.

Esta carta escrita do próprio punho de Domingos Jorge Velho, como declara Ernesto Ennes, pode dar-nos uma impressão de como foram feitas as invasões e a ruína dos estabelecimentos do padre Antonio Roiz de Montoya.

Os paulistas, práticos nas entradas ao sertão, useiros e vezeiros nessas expedições, se organizavam para cativação dos índios, como já tentei explicar no capítulo XII à página 165.

Não recebiam soldo e esperavam de seus esforços e de suas despesas somente a distribuição dos índios cativados, que traziam para suas lavouras, onde naturalmente estes adquiriam noções rudimentares do trabalho. Essas bandeiras para o Guairá compunham-se de 300 a 600 homens brancos, que os jesuítas, em regra, chamavam mamelucos, mas o grosso dessas tropas era composto de índios anteriormente aprisionados, dos administrados, dos compadres, entre os quais viviam os portugueses, quase sempre inimigos encarniçados das tribos que iam ser combatidas.

"Isolados - informa Domingos Jorge Velho (obra citada, pág. 206) -, são medrosos contra os brancos, mas encabeçados e guiado por estes são tão valentes, afoitos e constantes nas batalhas, que nenhuma outra nação do mundo se os iguala nem excede". "Duzentos tapuias sozinhos fugiram dos brancos, sendo acompanhados dos brancos, investiram resolutamente contra 2.000 outros tapuias e os derrotaram, como já me tem acontecido diversas vezes" "e sem eles não se pode fazer a guerra desta qualidade".

Foi Domingos Jorge Velho, testemunha, ou talvez autor de guerras contra os selvagens do Guairá, que prestou esse depoimento precioso, que não se pode desprezar no estado da conquista das terras do Brasil e da cativação dos seus aborígines, e que confirma o que já disse no capítulo "Entradas no Sertão" (pág. 165 deste), tomando posse para a coroa de Portugal de imenso território.

Contra a província do Guairá, a guerra foi, entretanto, mais fácil, em vista da situação dos dois reinos de Portugal e Espanha. Anexando Portugal às Espanhas Felipe II não o assimilou. Ao contrário, prometeu solenemente respeitar e fazer respeitar os foros, os usos e costumes de Portugal sobre suas conquistas e assim procurou fazer. Foi Felipe II em Espanha e Felipe I em Portugal. Reuniu ele as duas coroas em sua cabeça, mas continuou a considerar os dois reinos como distintos. Assim também procuraram fazer os seus sucessores.

Na América, cuja geografia era completamente desconhecida, não prevaleceu, porém, o Tratado de Tordesilhas, celebrado entre d. João II, de Portugal e os reis de Castela, que modificou a repartição feita pelos papas das conquistas marítimas entre os monarcas da península ibérica.

O tratado de Tordesilhas foi celebrado a 7 de junho de 1494, antes do descobrimento do Brasil. Esse descobrimento supôs que o Brasil fosse uma ilha, que foi denominada Vera Cruz. Mais tarde verificou-se a sua extensão no Oceano Atlântico, sem se saber até onde ela ia ao Norte e ao Sul e foi denominada Terra de Santa Cruz. Mais tarde ainda, dada a sua enorme extensão no continente sul-americano, foi conhecida como costa do Brasil, por causa da madeira cor-de-brasa que aí se explorava, própria para tinturaria, comerciada com os índios que chegavam até a costa.

O tratado de Tordesilhas determinava, como se sabe, que os descobrimentos a 370 léguas a Oeste das Ilhas de Cabo Verde pertenceriam a Portugal e os que estivessem a Leste seriam de Espanha. Mas Cabo Verde é um arquipélago, com diversas ilhas distantes umas das outras e não se determinou de qual delas se contariam as 370 léguas, como da mesma maneira não se determinou qual o cumprimento da légua que variava de país a país, e até no mesmo país.

Dessa forma, dada a ignorância em que todos estavam do centro da América do Sul, sobre a qual recaía esse tratado, não se poderia saber onde passava essa linha de marcação Norte-Sul, o que permitia a confusão das fronteiras entre Espanha e Portugal, nessa parte da América, ainda que esses dois países andassem de boa-fé.

As expedições partidas de S. Paulo andaram pelos sertões dos índios carijós, que aí nomadeavam, seguros de que trilhavam terras das conquistas da coroa de Portugal, cujos foros, usos e costumes deveriam ser respeitados por Espanha, segundo o juramento de Felipe II ao anexar Portugal, que ele herdou, conquistou e comprou, segundo era corrente.

Essa situação singular, que não nos importa agora aprofundar, trouxe grandes benefícios para o Brasil, sendo o mais notável o seu alargamento geográfico, atraindo entretanto para as conquistas de Portugal os inimigos da Espanha.

A ação das bandeiras paulistas chegou a seu auge, justamente entre 1580 a 1640, período durante o qual os cetros de Portugal e de Espanha estiveram reunidos nas mãos dos espanhóis. Essa expansão se fez para todos os lados da América do Sul, só encontrando espanhóis.

As incursões paulistas, em território espanhol além da indefinida linha de Tordesilhas, não tinham, pois, e não podiam ter, aspectos internacionais, que a honra e os interesses de uma nação reclamassem ou impusessem à outra castigo imediato, público e peremptório. Eram elas, apenas, casos internos passíveis de penas correcionais ou judiciais, de repressão, que só a administração e as justiças, em nome de um mesmo rei, poderiam e deveriam remediar.

Mas mesmo para esses incidentes sérios, de simples polícia ou de competência judiciária, a Metrópole, em Madri, na Espanha, estava muito longe, num tempo de notícias incertas, de comunicações precárias e demoradas, para permitir oportunas e adequadas providências, que estabelecessem a ordem nas coisas da América, as quais, no fim de contas, não punham em perigo a integridade da monarquia, que os reis espanhóis consideravam forte e supunham e queriam definitiva.

Mais ou menos deturpadas eram pois as notícias que lá chegavam, e versavam principalmente sobre expedições para conquistas de índios e sobretudo para descobrimento de pedras preciosas e de ouro, pelos quais ansiavam reis e povos. Talvez até supusessem que eram revoltas ou ataques de índios que os jesuítas intentavam civilizar.

Os Felipes, reis de Espanha e de Portugal, muito ocupados com as guerras de França, com as guerras com a Inglaterra, que já esboçava o domínio dos mares, com as guerras com a Holanda, que se apoderava de suas colônias, só a essas guerras podiam prestar atenção.

Por outro lado os reis de Espanha tinham, como se sabe, as suas principais rendas públicas nas minas de ouro, e apesar do seu zelo católico e do seu fanatismo religioso, fechavam os olhos a essas incursões que poderiam revelar novos e grandes depósitos do precioso metal.

Os seus princípios cristãos ora ouviam as reclamações jesuíticas e faziam leis protegendo a liberdade dos índios; e, de vez em quando, determinavam devassas quando essa liberdade era violada, não se esquecendo os prepostos reais de tomarem para a fazenda del-rei às vezes o terço, e, habitualmente, o quinto das presas indígenas. Quase sempre, porém, as leis protetoras eram desrespeitadas, sob as mais especiosas razões e a cativação do índio se desenvolvia, pois que era a condição da permanência dos colonos, e, por conseqüência, da exploração das minas.

Além disso, na América, os interesses imediatos dos colonos espanhóis eram exatamente idênticos aos dos portugueses, o que estabelecia entre eles tolerância recíproca e mesmo conivência na expulsão dos jesuítas e conseqüente cativação dos índios.

Os colonos espanhóis viam, nesses assaltos, a destruição de reduções, que sistematicamente lhes subtraíam trabalhadores, de que também careciam para suas lavouras. As bandeiras paulistas iam procurar trabalhadores, para o mesmo fim, e todos encontravam-se acumpliciadamente destruindo ou deixando destruir as reduções jesuíticas na província do Guairá. Algumas ordens religiosas, como os carmelitas, subsidiavam sertanistas para angariar trabalhadores para suas fazendas. (vide documentos publicados por Azevedo Marques nos seus Apontamentos, verbo Índios, pág. 195). Os próprios jesuítas espanhóis faziam os índios trabalhar nas suas aldeias e reduções, que outros índios cristianizados iam buscar ao sertão (vide Pastells, nota à pág. 191, publicando carta do padre Mansilla).

O fomento escancarado que d. Francisco de Souza, com autorização real, deu às bandeiras para descobrimento de metais, permitiu às autoridades locais fazer vistas grossas sobre a escravização do indígena.

A Capitania de S. Vicente, sem governo central forte, pertencia a donatários de vãs mercês, os quais não tinham forças próprias, nem energia ou materiais de ação. Esses donatários nulos ou desinteressados dos seus bens no Brasil, apenas davam mostras de sua autoridade nomeando capitães-mores e ouvidores, também nulos ou pobretões, mal pagos pelas ínfimas rendas da capitania.

Essa prerrogativa, única que exerciam, era absorvida e usurpada pelos governadores gerais do Brasil, principalmente por d. Francisco de Souza, e todos nomeavam, ao mesmo tempo, capitães-mores e ouvidores, e outras autoridades subalternas. A confusão de limites, entre a capitania de S. Vicente e a de Santo Amaro, permitiu também aos descendentes de Martim Afonso e de Pero Lopes, nomear, indistintamente, capitães-mores e ouvidores.

Essa abundância de capitães-mores para o mesmo lugar tirava aos respectivos detentores a responsabilidade do exercício da autoridade e deixava a capitania sem governo.

Ficavam, pois, os paulistas entregues a si mesmos, à iniciativa de cada um ou à iniciativa dos mais poderosos, entre os quais, às vezes, estava um dos capitães-mores.

As bandeiras paulistas avançaram, pois, para o Sul e o Oeste, sem peias, como já iam caminhando para o Norte, devassando terras desconhecidas e nelas estabelecendo posses indiscutíveis.

Grande parte desses bandeirantes, cruzados com o gentio, adaptados, pois, ao clima e ao meio, encontrando na escravização lucros necessários às suas lavouras e com ela aumentando o seu poder na guerra, pois que também transformavam os vencidos em seus soldados.

Com os rios correndo para o sertão, eles ao sertão deveriam entrar; e como esses rios deslizavam para o ocidente, em breve se deveriam encontrar com os jesuítas espanhóis que caminhavam para o oriente.

E encontrando-se os dois sistemas de chamar o aborígine à civilização, na colisão de seus interesses opostos, não era difícil vaticinar-lhes a luta e às bandeiras a vitória sobre adversários, que dispunham principalmente de armas espirituais. Os espanhóis, quando não prestassem mão forte às entradas paulistas, guardariam uma neutralidade que era um apoio e um estímulo, e que não lhes irritava o amor-próprio, porque Portugal e Espanha, sob uma só coroa, pertenciam a um só rei.

E, enquanto essa luta durasse, o futuro do Brasil vacilaria, como disse Oliveira Martins, entre uma nação à européia e um governo teocrático de índios cristianizados. Não é difícil também prever a quem caberia a vitória.

Partiam de S. Paulo as forças paulistas, organizadas em bandeiras autônomas, independentes umas das outras, agindo os chefes por conta própria, para o fim que tinham em vista.

Essas bandeiras eram portuguesas. Organizavam-se em S. Paulo, por causa da sua situação geográfica, mas nelas tomavam também parte indivíduos de outras nações.

Em alguns casos se reuniam diversas bandeiras, sob comando de um só chefe, sentindo a necessidade de se fortalecer para o interesse comum. A necessidade ia-lhes, por vezes, dar certa ordem e unidade de comando; mas eram os mesmos bandeirantes armados de espadas, mosquetes, arcabuzes, escopetas, vestidos de roupas acolchoadas de algodão, com rodelas de couro como escudos para os proteger das flechas.

Nessa campanha não tiveram, em conseqüência, um chefe supremo. No princípio Manuel Preto seria um dos principais. Depois André Fernandes, de Parnaíba, se destacou entre eles.

Sou levado a crer que, embora cada bandeira trabalhasse por conta própria, a de Antonio Raposo Tavares foi a maior, ou melhor, teve sob seu comando outras bandeiras, que sob o nome de terços, hierarquicamente obedeciam a esse capitão-mor, que se distinguia pela sua iniciativa e inteligência, e talvez por sua instrução relativamente superior ao meio atrasado e inculto em que vivia.

A sua assinatura, escrita em todos os papéis, que consultei, está feita sempre com a mesma decisão e igualdade, o que se pode ver nas que em seguida decalquei nos livros da Câmara.

Imagem publicada com o texto, na página 302-B

 

Imagem publicada com o texto, na página 302-C

 

Imagem publicada com o texto, na página 302-D

 

Imagem publicada com o texto, na página 302-E

 

Imagem publicada com o texto, na página 302-F

 

Imagem publicada com o texto, na página 302-G

 

Imagem publicada com o texto, na página 302-H

 

Imagem publicada com o texto, na página 302-I

 

Imagem publicada com o texto, na página 302-J

A razão dessa minha afirmação está também em que, nos documentos extratados pelo padre Pablo Pastells, o nome de Antonio Raposo Tavares é mencionado em primeiro lugar, o que indica um principal (nota a pág. 458, vol. 1º do pe. Pastells, Hist. da Comp. de Jesus). Além disso, a Câmara de S. Paulo, na vereança de 25 de setembro de 1627 (Atas, vol. 3º, págs. 281 e 282) manda prender a Antonio Raposo Tavares e a Paulo do Amaral como os principais amotinadores do povo para levantar capitão de entradas ao sertão.

Vê-se também no arrolamento e leilão dos bens de Braz Gonçalves, morto no sertão dos Carijós chamados Arachans, que o capitão Diogo Coitinho de Mello mandou fazer, a 10 de outubro de 1636, nele declarou expressamente, que assim procedia, por se achar ausente do arraial o capitão-mor Antonio Raposo Tavares em um assalto (Inv. e Test., vol. 21, pág. 45).

A cédula real, expedida em 16 de setembro de 1539, a ele se refere como o chefe da destruição.

Antonio Raposo Tavares era reinol e na vila de S. Paulo ocupou cargos da governança; na Câmara foi juiz em 1633 e foi até ouvidor da capitania. Era filho de Fernão Vieira Tavares, que foi provedor da Fazenda Real em S. Vicente e que aí exercera o cargo de capitão-mor.

A sua ação se fez sentir muito principalmente na destruição das reduções do Guairá e nas que ficavam ao Sul do Iguaçu.

Nasceu em Beja, no Além-Tejo, foi casado em primeiras núpcias em S. Paulo com Beatriz Bicudo, filha de Manuel Pires, da família dos Pires, uma das facções que se tornaram célebres na luta com os Camargos. Enviuvou em 1632 (Invent. e Test., vol. 25, pág. 115). As suas façanhas ocuparam a atenção das autoridades, como veremos adiante [4].

***

Com auxílio das Atas da Câmara de S. Paulo, que são em regra silenciosas sobre os lugares dessas entradas, com os Testamentos e Inventários do Arquivo do Estado de S. Paulo, que também calam quase sempre os lugares onde no sertão morreram os bandeirantes, e com extratos feitos pelo padre Pastells no Arquivo de Sevilha na Espanha, pode-se, talvez, reconstituir algumas bandeiras que foram ao Guairá e que lá destruíram as reduções jesuíticas. A bibliografia e a documentação espanholas, de origem jesuítica, é, entretanto, farta e abundante, embora apaixonada. Vide documentação mandada copiar por Taunay e publicada nos Anais do Museu Paulista (vols. 1º, 2º e 5º) e nos comentários e notas sobre a biblioteca de Pedro de Angelis por Jaime Cortezão.

***

Em fins de 1628 e princípios de 1629, no sertão do Ibiãgira ou Ibiaguira, nas cabeceiras do Ribeira, estava acampada a bandeira de Mateus Luiz Grou [5] (Inv. e Test., vol. 7º, pág. 431).

No mapa dos jesuítas, feito em 1646, nº I-A da coleção Rio Branco, vê-se localizado o monte Ibiagi, próximo ao Rio Tibagi, em altura eqüidistante das reduções Encarnación e S. Francisco Xavier. O monte naturalmente estendeu seu nome ao sertão por intermédio do Tibagi e às cabeceiras da Ribeira.

Não tenho elementos seguros para descrever todos os assaltos indicando os nomes dos chefes e as peripécias que neles ocorreram.

Todos se fariam da mesma maneira e a descrição integral talvez se tornasse mais monótona que a parcial que ora se faz. Mas as bandeiras destruíram quase todas as reduções. Alguma coisa pode-se, entretanto, dizer, afilando-se os cronistas jesuítas espanhóis com os documentos locais, e ainda assim de modo desalinhavado.

Vou também resumir o que diz Jarque no seu livro Roiz Montoya em Indias, valendo-me além disso do que escreveu o barão do Rio Branco, e apoiado na documentação espanhola publicada pelos Anais do Museu Paulista, em Charlevoiz e em Del Techo, apesar dos exageros desses jesuítas.

Antes de setembro de 1629, uma bandeira paulista, sob o comando de Antonio Raposo Tavares, se subdividiu em diversos terços sob a direção dos capitães Diogo Coutinho, Manuel Mourato, Frederico de Melo e Simão Álvares. O primeiro dirigiu-se para a redução de Santo Antonio, que foi a primeira atacada.

Simão Álvares mandou um recado ao pe. Pedro Mola, pedindo que lhe entregasse o cacique Tataurá que, com seus vassalos, tinha fugido de sua casa e serviço. À recusa natural do pe. Mola, no dia seguinte ao amanhecer, esse capitão deu ordens para o ataque da redução, acometendo todos como leões desabalados, ferindo, matando, aprisionando os catecúmenos e voltaram triunfantes ao seu arraial com uns 2.000 prisioneiros, segundo o dizer do narrador jesuíta. O pe. Mola recolheu-se para Encarnación, onde estava o pe. Silvério Pastor.

A nova do ataque e do destroço de Santo Antonio logo chegou a S. Miguel, onde os padres Cristobal de Mendonça e Justo Mansilla procuravam resolver o que lhes convinha fazer, quando veio-lhes a notícia, que um outro corpo de paulistas, sob as ordens do capitão Antonio Bicudo se dirigia para S. Miguel. Sem mais consulta, foi dado o grito de "salve-se quem puder", e, induziram os índios a fugir e a se refugiar nas matas.

Bicudo, com seu esquadrão volante, chegou, pôs cerco à redução e levou-a de arrancada, achando-a porém deserta quando isso viu, "lançava pela boca espuma de raiva", diz o cronista jesuíta, de quem são tiradas estas notícias. Enviou quadrilhas de soldados a prender os que encontrassem, mas logo se retirou para Jesus Maria.

Um terceiro corpo, sob as ordens dos capitães Manuel Mourato Coelho e Frederico de Melo, cercou a redução Jesus Maria. O padre que aí estava, Simão Mazzeti, ao ver os paulistas se aproximarem revestiu-se com sobrepeliz e estola, e, com uma cruz nas mãos, saiu-lhes ao encontro a ver se assim salvaria a redução; mas os paulistas levaram tudo a sangue e fogo, matando, ferindo, domando e cativando. "Vimos a lançá-los de toda esta terra que é nossa e não do rei de Castella", diziam os capitães.

Aprisionada a maior parte dos índios, recolheram-se os bandeirantes aos seus arraiais e daí seguiram a S. Paulo, onde chegaram carregados de cativos.

Dois jesuítas, devotadamente, acompanharam os neófitos cativados nessa peregrinação longa, dificultosa, martirizante cheia de perigos e de sacrifícios. Foram eles Simão Mazzeti e Justo Mansilla Van Surk, o primeiro italiano e o segundo flamengo, que escreveram narrações a respeito, em língua espanhola, e não obstante estrangeiros nessa língua, sente-se vivamente, na sua eloqüência desataviada, a dor profunda que os acabrunhava vendo desmanchada a obra que realizavam no Guairá, com a cativação dos índios e o arrasamento das reduções, que antes prosperavam.

Os bandeirantes não deixaram pedra sobre pedra, tudo desmantelaram, incendiaram casas e igrejas, rasgaram e quebraram imagens de santos, feriram e mataram muitos índios e levaram cativos a maior parte deles. Vê-se o desespero que esmagava a alma dos padres nas palavras lancinantes com que para a catástrofe pediam nas cartas remédio aos seus superiores, ao papa, ao rei, a Deus. Foram até S. Paulo, a S. Vicente, ao Rio de Janeiro, onde foram amparados pelo padre Antonio de Mattos; foram até Salvador, na Bahia. Em todas as partes só encontraram ouvidos moucos, donde concluíram que todos eram cúmplices da cativação ou tinham receio de se envolver em tal questão [6].

Na Bahia, entretanto, o governador geral, Diogo Luiz de Oliveira, mandou o ouvidor Francisco da Costa Barros abrir uma rigorosa devassa para prisão dos delinqüentes e restituição dos índios cativados. Voltaram os padres Simão Mazzetti e Justo Mansilla e já estavam de novo em S. Paulo, a 30 de julho de 1630. Aí, o povo reuniu-se e impediu que eles entrassem no Mosteiro da Companhia de Jesus. Eles se acolheram à casa de Manoel Fernandes Sardinha, que tal asilo ofereceu, e só daí saíram em virtude de petição feita pelo padre Francisco Ferreira, reitor do Colégio de S. Paulo.

A presença dos dois padres causou grande alvoroço.

O alvoroço e as violências foram ocasionadas por correr na terra que eles traziam uma provisão para processar os moradores de S. Paulo (Atas, vol. IV, págs. 62 e 63).

Nas aldeias, na vila e seu termo, os índios fremiam e propagara-se que todo o gentio se ia levantar; os moradores todos se colocaram em armas e a Câmara ordenou que os capitães de ordenanças passassem a residir na vila com suas companhias.

O ouvidor Francisco da Costa Barros nada fez; pelo menos a respeito nada consta nos arquivos locais, e os padres Mazzetti e Mansilla, vendo que se preparava nova invasão ao Guairá, trataram de se retirar.

Nesse ínterim uma bandeira avulsa, desgarrada atacou ao amanhecer a redução de S. Paulo a 22 de junho de 1630 (Corpus Christi). Receando os padres a mesma sorte para Encarnación, que ficava a poucas jornadas, fizeram dela retirar os neófitos para S. Francisco Xavier. Desses regurgitava S. Francisco Xavier com os que aí já estavam e com os que fugiram de Encarnación, a qual por sua vez já contava os restos não aprisionados de S. Miguel, Jesus Maria, e Santo Antonio.

Em 1631 os padres tiveram aviso que os paulistas de novo se aproximavam. Tentaram defender-se fazendo uma paliçada à roda da redução. Mas à "uma hora da tarde com muito estrondo e bárbara algazarra os bandeirantes invadiram o pátio da redução". Enquanto aprisionavam os indígenas, um deles, "em hábito de beato, com uma ropa talar de lienzo acolchada de algodon, con su escopeta al hombro, su espada ceñida y um rosario de ermitano en la mano, se puso a hablar com uno de los padres de cosas espirituales y pontos delicados de oracion. Hacia como que resaba e iba pasando a gran prisa las cuentas". A este gesto os padres atribuíram a contagem dos cativos para depois fazer as partilhas.

Pouca presa, porém, fizeram aí; porque por diligência dos padres os índios tinham-se acolhido ao mato; mas apesar disso muitos índios passaram, voluntariamente, para o inimigo, e entre outros o cacique Pero Dobuju e o capitão Manuel Abijurá.

Passando por Vila Rica o provincial Francisco Vasques Truxillo aí soube do cerco que sofria S. Francisco Xavier. O tenente dessa vila se ofereceu para ir ajudar a defender a redução com gente armada. Aceito o oferecimento, caminhou o tenente com sua gente e lá chegando, em vez de atacar os paulistas, começou também a cativar os índios.

Esses fatos abateram o ânimo dos padres, que perderam a esperança de remédio e resolveram a retirada para o Paranapanema e para o Ivaí.

No Peabiju, que era o caminho de S. Tomé, em um ponto mais seguro, o padre Roiz tratou de reunir os índios escapos das reduções atacadas, quando se deu a invasão e distribuição de S. Francisco Xavier.

Resolveram também retirar a gente de Arcângelos para o Rio Pequiri, no povoado da Virgem de Copacabana, que na sua margem estava fundada; agregaram a essa gente, que passava de 10.000 almas, a gente de S. Tomé e de Jesus Maria, para ser mudada.

Os índios, porém, se recusavam a abandonar as suas terras e relutavam em acompanhar os padres; mas dobrando-se os avisos de que o inimigo vitorioso e insolente se aproximava, resolveram, um pouco tarde, a retirada. Os paulistas chegaram e acometeram a redução de Arcângelos com extraordinário furor.

Acudiram os padres Cristobal de Mendonza, Luiz Arnot, Inácio Martinez e Nicolau Henart, mas nada conseguiram.

De Arcângelos os paulistas se digiram para S. Pedro, onde só estavam os padres Mazzetti e Diogo Ferrer e dois moços que os seguiram, tendo a redução sido evacuada e os índios fugido para as matas.

De S. Pedro seguiram para Conceição de Gualachos, onde encontraram maior resistência. Dirigia a redução o padre Salazar. Os Gualachos sustentaram renhido combate, mas, inferiores em número e em armas, afinal se retiraram.

Os padres procuraram juntar a gente que fugira e se espalhara pelas matas e pelas serranias. O padre Luis Arnot recolheu os neófitos, que encontrou no Peabiju, e dirigiu a retirada para o Pequiri, a cuja ermida chegou ao cabo de 60 dias, tendo passado por Vila Rica.

Em Loreto e Santo Inácio se tinham acolhido as relíquias das outras reduções mais próximas, destruídas ou evacuadas.

Sebastião Preto, em 1632, morre de uma flechada no sertão dos Apucus, tendo, entre outros companheiros, Francisco de Alvarenga, Aleixo Leme, Ascenso de Quadros, Antonio Pedroso, Domingos Cordeiro, Rafael de Oliveira, Pedro Vaz de Barros, Paulo da Silva, Francisco Alvares (Inv. e Test., vol. 11, págs. 73 e 74). Parece que esta entrada não teve bom êxito para os bandeirantes.

Em 16 de setembro de 1632 a Câmara, tendo conhecimento que Fernão Dias, capitão dos índios, ia ao sertão com alguns homens e que Francisco Roiz da Guerra andava fazendo gente para também ir lá, mandou prendê-los e também a Paulo do Amaral, a Antonio Peres, a Alonso Peres, e a Jorge Rodrigues de Niza, por serem as principais pessoas dessas idas (Atas da Câmara de S. Paulo, vol. 3º, pág. 52).

É preciso receber com certa reserva essas prisões, essas proibições de idas ao sertão, ordenadas pela Câmara para se acobertar de penas criminais; porque, em regra, os oficiais que as determinavam, já tinham ido ou iriam ao sertão com idêntico fim.

Em fins de junho de 1632, os paulistas, concentrando as suas forças, resolveram terminar a sua obra no Guairá, indo bater àquela parte, para onde os padres se tinham retirado. Seguiram pelo Peabiju abaixo; percorreram o Ivaí e, no salto que então chamavam Arairi, encontraram esse ponto defendido pelo cacique Tinguigui e por sua gente, os quais, tendo por muitas vezes feito frente aos espanhóis de Vila Rica, entenderam de embargar o passo aos paulistas; mas estes por aí passaram, matando os que opuseram resistência e, se aproximando do Ivaí, em cujas margens saltaram, destruíram os povoados, que serviam os espanhóis de Vila Rica.

Afinal os paulistas, em grande número, atacaram a Vila Rica do Espírito Santo, habitada por espanhóis, que não pôde se defender. Foi por eles posto apertado sítio à vila, na qual se achava casualmente em visita episcopal o bispo do Paraguai d. Frei Cristobal de Aresti, que chegara a 25 de agosto de 1632. Animou os villenos (que assim se chamavam os vizinhos desta vila) a suportar com constância os trabalhos do rigoroso sítio; mas vendo que era impossível a defesa contra tão feroz inimigo, fez com que os moradores, em número de uns 500 espanhóis, com 4.000 índios, desamparassem o lugar, e descendo o Ivaí, ou indo por terra, atravessassem o Paraná e embarcando-se no Igatini (Iguatemi), os transplantou por terra para a província do Mbaracaju, onde se fundou em outubro de 1632 uma nova Vila Rica no assento do Tapuitá, nas margens do Jeiuí, que desemboca no Paraguai.

Evacuada a cidade, os vencedores, depois de a arrasar, a largaram. Em seguida ameaçavam Loreto e S. Inácio.

Aí os padres procuraram fazer a defesa e trataram de fortificar-se; mas lembrando-se de que às armas de fogo dos invasores só podiam opor os arcos e flechas dos índios, pareceu-lhes escusada a diligência.

Resolveram abandonar o Guairá. Dirigia tudo o padre Antonio Roiz de Montoya, que viu, num momento, esboroar-se a sua obra de tantos anos. Despachou um correio ao padre Espinosa ordenando-lhe que descesse com toda a gente, que estava no Pequiri, para o Salto do Paraná, onde se encontrariam com a de Loreto e a de Santo Inácio. Levaram as alfaias, os ornamentos, as imagens das igrejas, os ossos dos padres, que aí tinham morrido e que aí tinham sido enterrados. Saíram enfim como quem não tinha que voltar, nem em tal pensava.

A verdade é que Antonio Roiz de Montoya, superior dos jesuítas na província do Guairá, estando nas margens do Rio Paraná, a 28 de abril de 1631, escreveu que das doze reduções fundadas na sua província, já haviam sido destruídas seis pelos mamelucos; primeiro as quatro de S. Miguel, San Antonio, Jesus Maria e Encarnación, e, em março de 1631, mais as de S. Francisco Xavier e de S. José, e ameaçavam todas as outras sem deixar uma só. Quem mais se assinalou nessa destruição, disse ele, foi o português Frederico de Melo; mas mencionou também Antonio Raposo Tavares, Antonio Pedroso e Francisco Rendon, desde 1628.

Pedro Taques (R. I. H. G. B., vol. 33, págs. 60-61, 2º parte) conta que, de 1630 a 1634, muitos espanhóis do Guairá se passaram para S. Paulo, e cita os nomes de Bartolomeu de Torales e sua irmã d. Maria, Gabriel Ponce de Leon, sua mulher d. Violante, Barnabé de Contreras y Leon, sua mulher e sua filha, e outros que contraíram casamento com paulistas.

Em fins de 1631 ou princípios de 1632, as bandeiras tinham ocupado todo o Guairá; 12 reduções tinham sido destruídas ou abandonadas e duas cidades espanholas tinham sido evacuadas.

Esta descrição está apenas alinhavada; mas concorre como subsídio local, que juntos aos dos espanhóis e jesuíticos, pode se fazer o histórico da campanha do Guairá, que deu ao Brasil o hoje estado do Paraná, e permitiu o alargamento do território nacional para o Sul.

De alguns desses bandeirantes consegui decalcar, nos livros da Câmara de S. Paulo diversos nomes que foram aqui reproduzidos, como se vê nas páginas anteriores.

Vendo destruída a maior parte, quase a totalidade, das reduções indígenas, contrariados pelos espanhóis residentes na região, desamparados pelas autoridades locais, não tendo sido ouvidas as suas queixas e reclamações, e à vista dos assaltos das bandeiras paulistas, que, sem dúvida, iriam continuar, o padre Antonio Roiz de Montoya e seus companheiros de catequese abandonaram o Guairá, dirigindo-se o superior deles ao rei e enviando-se o padre Francisco Dias Taño ao papa para esclarecer a situação.

As medidas indispensáveis e urgentes que Montoya julgou necessárias para pôr cobro a essa destruição foram:

1º que o Conselho Real de Portugal mande pôr em liberdade os índios do Paraguai, que estavam no Brasil.

2º que S. M. el-rei compre a vila de S. Paulo aos herdeiros de Lopo de Souza para lá pôr governadores de sua confiança que, com presídio de soldados, sejam obedecidos.

3º que mude a residência do governador de Paraguai para Vila Rica.

4º que S. M. el-rei, comprando ou não a vila de S. Paulo, mande arrasá-la pelos muitos delitos que tem cometido (Pastells, vol. 1º, nota, pág. 473).

"O governador de Buenos Aires d. Francisco de Céspedes, em "vista de se perder a santa obra dos jesuítas, como ele dizia, lembrava ao rei, em 30 de março de 1631, que o menor inconveniente seria despovoar-se S. Paulo" (Pastells, vol. 1º, pág. 465).

Antonio Roiz Montoya e os mais padres jesuítas efetuaram a mudança das duas reduções de Loreto e de Santo Inácio, que ainda restaram, com as relíquias das outras para o Sul do Rio Iguaçu, para o Rio Uruguai, onde antes já tinham fundado algumas e iam fundar outras, repetindo algumas vezes os nomes das reduções destruídas.

Começou a retirada dos padres da Companhia de Jesus, e dos índios, que lhes restavam fiéis, para o Sul do Rio Iguaçu.

Apoiando-se nas informações jesuíticas e acolhendo as fábulas correntes entre os habitantes do Guairá, é o padre Pero Lozano, da Companhia de Jesus, no seu livro Conquista do Rio de la Plata, publicado sob a direção de Andres Lamas, no volume 1º, pág. 60 e seguintes, quem nos vai dar a impressão dessa trágica retirada, descrevendo sucintamente o drama que ela representou.

Resolveram descer o Paranapanema até o Paraná, e por este abaixo a procurar o Sul. Este rio já se achava povoado de lendas terríveis, com sucessos pavorosos, que a imaginação criava.

"Fábula foi, diz Lozano, que Alfeo, Rio da Estólia, se introduzisse pelas entranhas da terra em busca da celebrada fonte Aretusa; porém o que lá foi fantasia, no Rio Paraná foi realidade."

Fazendo aí a natureza coisa monstruosa, encobre em parte o Rio Paraná com o seu poderio imenso, e o faz despencar, depois deste parêntese, com tanta violência, que a corrente em fúria, numa grande extensão não parece água, mas enorme superfície de prata lavrada borbulhante, coberta de espuma densíssima, deslumbrante pelo sol, nociva aos olhos que ficam por momentos sem vista.

Os vapores, que levanta esse turbilhão, formam nos ares espessa nuvem que se espalha por muitas léguas, e o estrondo do precipício se percebe a grande distância; e nesse espaço não se encontra vivente algum, nem aí as aves sobrevoam. Passando as léguas penhascosas e chegando a lugar mais plano, começa o maior perigo; pois quando parece correr mais calmo, como que cansado do formidável esforço, o rio encrespa as suas águas em tumultuosos rodamoinhos, em ondas altíssimas, que soçobram as embarcações que aí se arriscam.

Ainda há nesse rio peixes descomunais, tais como tubarões, tão agigantados que para os transportar são precisos dois homens, quando conseguem matá-los.

"O padre Montoya avistou um enormíssimo, do tamanho de um boi, nadando com a maior parte do corpo fora d'água, semelhando a um batel!"

"Maior ainda era um que atacou um índio incauto, tragou-o e depois lançou o cadáver inteiro na praia (!) como atesta o padre Nicolau Mastrilla em uma carta ao padre mestre geral Mucio Viteleschi".

Por muitas léguas depois de este monstruoso salto (Salto das Sete Quedas), o rio vai-se estreitando de tal maneira que se torna inavegável.

Se os ousados ou imprudentes não o abandonam em tempo, são irremessivelmente arrebatados por seu ímpeto, como aconteceu a 40 espanhóis, que, depois de ter aprisionado muitos índios, na província do Guairá, por ele desceram em 30 balsas carregadas de despojos, e, foram arrebatados pela formidável corrente, sem que jamais aparecessem nem espanhóis, nem balsas, nem coisa alguma das que transportavam.

Apesar disso o padre Antonio Roiz de Montoya tentou navegá-lo. Mandou arrojar 30 canoas vazias, em que tinham vindo desde o Paranapanema até o Salto do Paraná, para experimentar se poderiam atravessá-lo; mas a violência incrível das águas, a profundidade imensa, e o arrebatado movimento, que levantavam os escolhos, as fizeram em migalhas, sem se salvar uma só.

O extenso salto do Paraná é deveras temeroso e impossibilita a navegação.

Diante dessas dificuldades insuperáveis, Antonio Roiz de Montoya resolveu levar os seus catecúmenos por terra, por meio de florestas sem caminhos, povoadas de feras e de cobras, encharcadas e maleitosas e chegou à Cidade Real, onde não teve acolhimento favorável.Atravessou o Iguaçu e começou a fundar novas reduções.

***

Em S. Paulo também a luta contra os jesuítas, que vinha desde os princípios, e que teve a sua primeira mostra no governo do capitão-mor Jorge Correia, continuou latente, e explodiu, porém, em violências, no ano de 1633. Os oficiais da Câmara, em diversas vereanças, fazem constar que "os reverendos padres induziam índios das aldeias", "queriam usurpar as terras de Cotia e de Carapicuíba" e resolveram, a 20 de agosto desse ano, "botar fora da aldeia de Barueri os religiosos da Companhia, que lá se achavam, e fechar a igreja", o que realizaram a 21 desse mês.

Os oficiais da Câmara nesse ano, Pero Leme, o moço, juiz, os vereadores Lucas Fernandes Pinto, Paulo do Amaral, e o procurador Sebastião Ramos de Medeiros, à frente de populares, foram os autores desse ato, para o qual concorreu decisivamente o ouvidor Antonio Raposo Tavares, nomeado pelo conde de Monsanto, e que, a 26 de fevereiro de 1633, deixara o cargo de juiz ordinário, por incompatibilidade entre os dois ofícios.

Foi, pois, um ato oficial apoiado nos populares (vide Atas, vol. IV, págs. 170 a 187).

Azevedo Marques, na sua Cronologia, relata esse fato, acrescentando que os jesuítas não se amedrontaram, lançaram contra os assaltantes a "excomunhão". Mas os autores do atentado zombaram da pena eclesiástica, a ponto de lançarem mãos violentas ao padre Antonio de Marins, que lhes foi intimar a sentença, arrancando o papel em que ela estava e rasgando-o.

Os padres da Companhia de Jesus, porém, recorreram para o governador geral do Brasil, Diogo Luiz de Oliveira, que, por provisão de 9 de dezembro de 1633, em nome do rei de Espanha, os manteve na posse e administração da aldeia de Barueri, privou os oficiais dos cargos que na Câmara exerciam, mandando que eles aparecessem dentro de sete dias perante o ouvidor geral do estado, para serem processados e sujeitos a todas penas cíveis e criminais, que merecessem.

Essa provisão só foi registrada em S. Paulo a 23 de maio de 1634 (Reg. Geral, vol. 1º, págs. 485 e seguintes).

Nada se encontra sobre o processo dos oficiais da Câmara de S. Paulo; mas foi irrisória a privação de cargos anuais que eles já não exerciam, ao tempo em que foram condenados.

Sob o fundamento de que era ouvidor, por provimento do conde de Monsanto, donatário da capitania, e que por essa razão, enquanto durasse o seu triênio, não poderia ser sindicado, nem processado, Antonio Raposo Tavares não se conformou com a sentença, dela recorreu para o ouvidor, com alçada nas capitanias do Sul – Francisco da Costa Barros –, que lhe deu razão e mandou que servisse o seu ofício de ouvidor até o fim do triênio (Reg. Geral, vol. 1º, págs. 507 e 509).

§2º - ITATINES, TAQUARI, PARAGUAI

Enquanto fazia intérmina e dolorosa travessia por terra para o Sul do Iguaçu, recebeu o pe. Roiz de Montaya convite do tenente de Santiago de Xerez para ir doutrinar os infiéis, que andavam nas terras vizinhas.

Santiago de Xerez fora fundada pelos anos de 1580, pelo capitão Ruy Dias de Gusman em altura de 19° Sul, em lombada próxima às margens do Rio Mbotetei; foi constituída cabeça da província dos nuarás, e a que chamaram Nueva Viscaya, em honra da pátria de João de Garay. O lugar era mau, pela insalubridade do clima.

Porém, reconhecendo a necessidade aí de um posto espanhol, o governador d. Fernando Larote havia despachado a Ruy Dias de Gusman, capitão hábil no manejo das armas e da pena (foi o autor da História Argentina) em 1593, que antes a havia fundado, para mudá-la para outro lugar, à margem do Mondego; mas as mesmas causas, que despovoaram a primeira, fizeram ainda mudar a segunda Xerez, por 1625, para uma chapada da Serra do Amambaí, chamada então Ilanos dei Jaguary, próximo às nascenças do Rio Pardo.

Foi dessa cidade, que pouco lustre teve, que o tenente d. Diogo do Rego mandou convidar o pe. Antonio Roiz de Montoya, para lá continuar a sua missão evangelizadora.

Não podendo ir, enviou os padres Justo Mansilla e Diogo Rançonnier, que fizeram uma exploração na vasta província dos Itatines, que jazia entre os rios Paraná e Paraguai, confinando ao Norte com Xerez ou mais proximamente com o Rio Mbotetei e ao Sul com Maracaju, ou como diz Chalevoix, desde os 19° graus de latitude Sul até os 22º.

Antes que os retirantes tivessem atravessado o varadouro do salto do Paraná, voltaram os dois padres, muito contentes com o acolhimento dos espanhóis de Xerez e das boas disposições dos Itatines.

Com estas boas novas, foram designados, para esta missão, esses mesmos dois padres e mais dois outros, Inácio Martines e Nicolau Henart (este antes fora pajem de Henrique IV, rei de França) que logo partiram com os ornamentos necessários e as sagradas alfaias para o sacrifício da missa e administração dos sacramentos.

Foram juntos até as montanhas do Taraguipita, onde se espalharam a pregar o evangelho e a dar princípio a novas reduções: S. José, Anjos, S. Paulo e S. Pedro, esta última junto ao Paraguai e Nossa Srª da Fé, a 16 léguas mais ou menos por terra adentro, em 20º.

Tendo, sem dúvida, notícia das novas missões fundadas nos Itatines, as bandeiras dirigiram para lá as suas armas vitoriosas e, em fins de novembro de 1632, destruíram as reduções recém-criadas, tomaram e destruíram a cidade Santiago de Xerez, cujo tenente, dom Diogo do Rego, e outros moradores principais, estavam de conivência com eles.

Nos arquivos locais só se encontram dois documentos que podem ter relação com essa região.

Em julho de 1637 Jerônimo Bueno e sua bandeira estavam acampados nas margens do Rio Taquari, afluente do Paraguai. No seu arraial morrem entre outros, Manuel Preto, João Preto, seus sobrinhos, e Gaspar Fernandes; os respectivos bens são arrematados em leilão, conforme o uso, por outros bandeirantes, que apresentam como fiadores outros companheiros, que com eles lá estavam [7] (Invent. e Test., vol. 11, págs. 162, 175 e 213).

Em 1637, outra bandeira, ao mando de Fernão Dias Pais e de Garcia Roiz (vide representação de Francisco Dias Taño) estava também no Rio Grande, denominação, que, segundo Taques, os espanhóis davam ao Rio Paraná. Essa denominação – Rio Grande – era dada a diversos rios. O próprio Tamanduateí foi assim chamado.

Efetivamente Fernão Dias Pais, de 2 a 19 de abril de 1638 esteve acampado no sertão do Rio Grande, com uma bandeira [8], (Invent. e Test., vol. 11, págs. 239 e 253).

Em 12 de maio de 1637, Francisco Bueno, irmão de Jerônimo Bueno, tinha também o seu arraial no sertão, com uma bandeira de que era cabo (Invent. e Test., vol. 11, pág. 200). Por morte de Estêvão Gonçalves, se fez o seu inventário, sem se declarar o nome do sertão, e foram vendidos em leilão os bens apresentados por seu pai Baltazar Gonçalves Malio. É possível que fosse o sertão do Rio Taquari [9].

Já as bandeiras, dirigindo-se para Oeste, tinham chegado ao Rio Paraná, tinham-no atravessado segundo as narrativas jesuíticas, e a Santa Cruz de la Sierra, que hoje é boliviana, preparando o caminho para o Norte do continente.

Os padres da Companhia pediram socorro ao governador de Buenos Aires, d. Mendo de la Cueva y Benavides, e este, em 2 de janeiro de 1638, fez correr bando para acudir às reduções ameaçadas pelos portugueses de S. Paulo.

Esse socorro, que se compôs de 11 espanhóis, sob o mando do mestre-de-campo Gabriel Insaulrade, em março de 1638, só pôde atestar que chegaram aos campos da redução destruída, onde souberam que mais três tinham sido também destruídas e outras três tinham sido obrigadas a mudar-se para sítios mais seguros (Brabo).

Com a mesma perseverança, com que os jesuítas fundavam novas reduções no Sul, as bandeiras, com a mesma persistência, as iriam desfazer.

Lá mesmo, abaixo do Rio Iguaçu, com os mesmos fundamentos ou com análogos propósitos, continuaram a perseguição e a conseqüente destruição das reduções.

Em 1631, já existiam aí missões: S. Nicolan de Barí na margem esquerda e perto da foz do Piratini, no Uruguai, fundada em 1626, Candelária de Caazapaminin, entre o Ijuí e o Piratini.

Haviam fundado mais, em 1631, S. Carlos de Caapi, Apostolos, S. Pedro, e S. Paulo de Caapaguaçu, aquela porém a Noroeste do Iguaí-guaçu e esta à margem direita do Ijuú-mirim; e em 1632, Natividade, à margem direita do Aricá e S. Miguel ao Norte do Itianhi (Inianhi).

Tendo maior número de missionários, após a evacuação do Guairá, fundaram, em 1633, Jesus Maria à margem direita do Rio Pardo (Jequi ou Verde); S. Joaquim à margem esquerda desse rio perto das cabeceiras; Sta. Ana à margem esquerda, no passo do Jacuí; Sta. Thereza, próximo à nascente do Jacuí; S. Tomé à margem direita do Itu (Tebicuari, afluente Ibicuí); S. José de Itaquatiá, ao Norte do Ibicaí, onde também em 1634 foi fundada a mais ocidental de todas, S. Cosmo y S. Damian. Nesse mesmo ano, à margem direita do Rio Pardo, foi fundada a mais oriental: S. Cristobal. Em 1636 tinham eles aí 15 reduções [10].

Em 1635 o capitão-mor de S. Vicente, Pero da Motta Leite, deu licença a uma bandeira tendo por cabeças Ascenço de Quadros, Pero de Oliveira e João Missel Gigante, composta de mais de 200 homens, para ir aos Patos (Atas, vol. IV, págs. 252 e 253).

Nos Inventários e Testamentos, publicados pelo Arquivo Público do Estado de S. Paulo, encontram-se diversos testamentos feitos nesse sertão; e, em alguns, declarações expressas que permitem identificar diversos lugares, em que foram eles lavrados, e os nomes dos capitães que os determinaram.

Assim o testamento de Juzarte Lopes foi feito a 10 de julho de 1635, e o codicilo dois dias depois, no sertão dos Patos. Juzarte repetiu no seu codicilo (vol. 10, págs. 464 e 469) que se achava doente em casa do principal Aracambi, no sertão dos Patos [11].

Estas bandeiras avulsas, apesar de não terem ligação direta entre si, eram, por assim dizer, as avançadas do grosso das forças paulistas.

No inventário de Pascoal Neto, filho bastardo de Álvaro Neto, o velho (vol. XI, pág. 135) no qual se vê que a bandeira do capitão-mor Antonio Raposo Tavares em 20 de dezembro de 1636 estava "no sertão, onde chamam Jesus Maria de Ibiticaraíba, sertão dos Arachãs, e lá mandou fazer inventário da fazenda que ficou desse Pascoal Neto, por correr tal fazenda perigo em lugar público".

Aí Pascoal Neto fez o seu testamento a 9 de dezembro de 1635 (idem, págs. 144 e 149) [12].

O Iguaí que, como se sabe, é hoje o Jacuí, recebe o Jequi ou Rio Pardo, em cujas margens estavam S. Cristobal e Jesus Maria.

Nesse sertão estiveram acampadas as forças paulistas, sob o comando do capitão-mor Antonio Raposo Tavares, e comandava um dos terços o capitão Diogo Coutinho de Mello, como já disse [13].

Em 10 de outubro de 1636 esse terço do capitão Diogo Coutinho de Mello fez um assalto nesse sertão, fora do lugar onde se achava o capitão-mor Antonio Raposo Tavares.

Em dezembro de 1636, as forças sob o comando de Antonio Raposo Tavares atacaram e destruíram a redução de Jesus Maria, que ele apelidava de Ibiticaraíba, sertão dos Arachãs, saquearam e incendiaram S. Cristobal, a duas léguas, bem como a de Santa Ana, no passo do Jacuí.

A 20 de dezembro de 1636 estava o arraial desse capitão-mor no lugar que chamam Jesus Maria de Ibiticaraíba [14].

Em junho de 1637 estavam de volta a S. Paulo as bandeiras paulistas, porque em 27 de junho é iniciado nessa vila o inventário de Braz Glz., falecido no assalto de 10 de outubro de 1636, sob o comando de Diogo Coutinho de Mello, em 20 de junho, desse mesmo ano. Pero Leme, o moço, escrivão do arraial de Antonio Raposo Tavares apresenta ao juiz de órfãos o testamento de Pascoal Neto feito no sertão.

Ainda na mesma publicação do Arquivo de S. Paulo (vol. 26, pág. 44 e seguintes), encontra-se o inventário, a que já me referi, mandado fazer pelo capitão Diogo Coutinho de Mello, no sertão dos carijós, chamados Arachãs, por morte de Braz Gonçalves, aos 10 de outubro de 1636, declarando expressamente, que assim procedia, por estar ausente o capitão-mor Antonio Raposo Tavares, em um assalto [15].

Eis o que informa o padre Lozano sobre os índios arachanes e a sua situação no Sul:

"Los portugueses de uma vila chamada Santo Antonio, que agora, ha 30 anos se povoou sobre esta Lagoa dos Patos, e que a negligência dos que deveriam defender os direitos do nosso católico monarca, deixou tomar corpo. Toda a região tinha multidão de gado, que aí se criou, há menos de um século, pela destruição de algumas doutrinas (reduções) que haviam sido fundadas pelos padres, e que foram bárbara e cruelmente assoladas pelos mamelucos do Brasil. Em altura de 32 graus tributa ao mar seu caudal do Norte, o rio chamado Rio Grande, que merece este nome, porque se descarrega tão poderoso, que torna difícil a entrada de embarcações que o querem navegar, e experimentam tão rápida quão copiosa corrente. Forma-se de dois grandes rios, chamados Cayyi e Igai, que correm do Norte para o Sul, nascendo na serra que chamam do Tape e vêm a se encontrar em altura de 30 graus. As margens férteis desses rios eram povoadas antes da invasão dos mamelucos por mais de 20.000 índios chamados Arachanes, não porque tivessem costumes e língua diferentes dos demais, mas porque traziam o cabelo revolto e encrespado. Era gente belicosa e estava sempre em guerra com os Charruas, que povoavam as costas do Rio da Prata, e com os Guayanás do interior. A 22 léguas do Rio Grande, o Rio de Martin Afonso de Souza, do nome do que comandou a frota que levou para as Índias o grande Apostolo S. Francisco Xavier, e que ao rio chegou percorrendo as costas do Brasil" [16].

Já as bandeiras paulistas se haviam aposseado do território, que constitui hoje o estado de Santa Catarina e da maior parte do Norte do atual estado do Rio Grande do Sul.

A documentação local a respeito do território ao Sul do Iguaçu e Norte do Uruguai, é pequena.

Os paulistas foram, porém, muito além deste último rio, pois que combateram os Patos, nome que até hoje conserva a formosa lagoa que se estende da cidade do Rio Grande, até a capital Porto Alegre.

Em fins de 1638 os paulistas, em número de 500, com 2.000 índios tupis, auxiliares, sob o comando de Antonio Bicudo, desceram mais para o Sul em direção às missões jesuíticas e em 19 de janeiro de 1639, puseram cerco à redução de Apóstolos de Caazapaguaçu, durando o combate dois dias. O governador do Paraguai, d. Pedro de Lugo y Navarro, achava-se de visita às reduções do Paraná, que pertenciam ao seu distrito, tomou parte com sua escolta no combate, e deu armas de fogo aos índios. O pe. Diogo Alfaro, que comandava os índios das reduções, em número de 4.000, foi ferido e morreu no combate.

Ambos os lados se declararam vencedores, o que quer dizer que não houve vencedores nem vencidos. Lozano conta que foi tão grande a vitória que de 2.500 que eram os agressores 17 foram aprisionados e o resto pereceu, só 30 a S. Paulo voltando.

D. Pedro Lugo, porém, retirou-se do combate, o que tornou o seu resultado indeciso.

Dos paulistas, 17 efetivamente ficaram prisioneiros, entre eles Pascoal Leite Paes, e foram levados para Assunção, e daí para Buenos Aires, de onde a 16 de junho de 1640, já se haviam escapado e se dispunham a passar para o Brasil, segundo declarou um bando do governador de Buenos Aires, d. Mendo de la Cueva.

Depois da ação de Caazapaguaçu, os jesuítas em 1639 evacuaram o território dos Tapes, que ficou em poder dos paulistas.

Os jesuítas, porém, já estavam autorizados, e autorizaram, o uso de arcabuzes, escopetas e com elas armavam os seus índios, e não desistiram de reconquistar os Tapes. A cédula real não só autorizava o uso de armas de fogo, como também o de fazer exercícios militares (Documentação espanhola – Anais do Museu Paulista, v. 5º, págs. 140, 156, 158).

"Nos diversos povos se faziam sentinelas e exercícios para acostumar os índios a combates, que a todo o momento se esperavam, e se mantinham espias nas fronteiras desde muito tempo."

As bandeiras foram aos Tapes e estavam nas cabeceiras do Rio Uruguai.

Da chegada ao Rio Uruguai foram os jesuítas avisados pelo pe. Diogo de Boroa, que enviou ajuda para a guerra e prêmios para os soldados. Mas quando este aviso chegou, já alguns padres, com rumo diferente, iam para a serra, acompanhados de mil índios.

Dois outros padres foram para Sta. Thereza com duzentos índios, ambos os grupos com armas de fogo. Voltaram todos.

Abandonando, segundo as informações, o caminho de terra, que trilhavam as expedições anteriores, os paulistas vinham agora pelo Rio Uruguai, fora dos lugares onde havia espias.

A 8 de janeiro de 1641, o pe. Cláudio Ruyer fez convocação apenas de 2.000 índios dos povos, ficando a maior parte das forças de prontidão, com ordem de se juntar todas ao primeiro aviso, e com eles seguiu para Acaraguá com a intenção de aí fazer frente ao inimigo. Daí mandou os padres Cristobal Altamirano, Diogo de Salazar, Antonio de Alarcone e o irmão Pero Sadone, com bom número de índios, fazer, rio acima, um reconhecimento sobre o intento, número e posição dos paulistas, não perdendo, porém, ocasião, se a encontrassem boa, de atacá-los.

§3º - TAPES E MBORORÉ

Na Esquisse de l'Histoire du Brèsil [17], assim narra o barão do Rio Branco que

"Antonio Raposo Tavares, largou de S. Paulo com sua Bandeira (set. 1636) e a 3 de dezembro depois de combate de seis horas, foi tomada Jesus Maria de Jequi (Rio Pardo). As reduções S. Cristovão, S. Joaquim e Santa Ana foram evacuadas, mas os atacantes fizeram grande número de prisioneiros, e repetiram um ataque dos índios dirigido pelo Padre Romero. A redução de Natividade de Araricá foi abandonada e só ficou aos jesuítas, no território dos Tapes, a colônia de Santa Tereza de Ibituruna, que lhes foi tomada no ano seguinte em 1637. Em 1638 as bandeiras paulistas completaram a destruição dos estabelecimentos espanhóis a oriente do Uruguai. Vencedores em Caaro e em Caazapaguassú, onde o combate durou dois dias, e em S. Nicolau, elas forçaram os jesuítas a emigrar com os índios, que puderam escapar a essa catástrofe, e se foram incorporar às reduções entre o Uruguai e o Paraná, ou formar novas nessas paragens, que mais uma vez tomaram os nomes das que foram destruídas."

Com esse nome – Tapes – o barão do Rio Branco designou, para facilidade de sua exposição, todo esse território, a oriente do Uruguai.

A conquista e a posse do território ao Sul do Rio Uruguai foram, entretanto, completadas mais tarde, quando Portugal, querendo chegar ao golfão do Prata, como sua fronteira natural na América, para isso criou, na Banda Oriental, a Colônia do Sacramento, que não conseguiu conservar. Desde essa margem esquerda do Uruguai, Portugal tentou ir até a Colônia do Sacramento. Só no tempo de d. João V foram para lá mandados mais de 4.000 casais de açorianos, para colonizá-la.

As bandeiras, depois de irem aos Tapes, desceram o Rio Uruguai. Já Antonio Raposo Tavares nelas não tomou parte. Às 3 horas da noite os defensores das reduções, que foram por terra, voltaram com 16 índios, que vinham fugindo dos paulistas, e que contaram que o intento desses era irem ao Paraguai. Talvez uma traça de guerra. Entretanto, estes foram, uns a Conception por Sta. Thereza e outros pelo Uruguai abaixo em canoas, com intuito de separar as forças jesuíticas.

O corpo de gente enviada pelos jesuítas subiu 2 léguas acima do Salto e achou todos os povos e portos desertos, pelo que concluiu que os paulistas já os tinham atacado, dispersado, e voltado a seu país.

Receosos, porém, de que eles tornassem pelos campos e tomassem o caminho habitual, voltaram para o Mbororé, afluente da margem direita do Uruguai.

Os espias foram mantidos por mais de mês e meio sem novidade, até que em 25 de fevereiro, índios que se achavam na Açaraguá, levaram ao pe. Cristobal Altamirano aviso certo da vinda dos portugueses, de cujo poder se tinham escapado.

Dobraram-se os espias, foram postos 200 índios em diversos pontos, deram-se ordens de prontidão para as tropas. O pe. Cláudio Ruyer voltou do Paraná. O pe. Altamirano, mandou 8 canoas rio acima a fazer um reconhecimento. Ao amanhecer avistaram o inimigo, os quais também avistando-os lançaram 6 canoas ligeiras em sua perseguição, que as aprisionariam, se outras canoas das reduções, em emboscadas, distribuídas pela margem do rio, não disparassem arcabuzes. Receosos de alguma cilada, as canoas ligeiras dos bandeirantes retrocederam. Não querendo aceitar combate em Acaraguá, os padres, com todos os índios, evacuaram a redução e desceram para o Mbororé.

Apesar da chuvarada intensa, que caiu na noite de 8 de março, os paulistas puseram cerco, por terra e por água, à redução de Acaraguá, e ao amanhecer do dia seguinte acometeram-na, mas encontraram-na deserta, sem um só alma. No rio, porém, 250 índios em canoas, sob o comando do pe. C. Altamirano, e do capitão Inácio Abiaru, começaram com as avançadas inimigas um tiroteio, que terminou logo, dando o pe. Altamirano ordem de retirada para o Mbororé, onde chegaram sem perda alguma.

O dia 9 de março de 1641, sábado, foi todo ele um temporal desfeito. Os paulistas, em número de 350 homens brancos, com arcabuzes, escopetas e mosquetes, e 1.300 índios auxiliares, sob o comando geral do capitão-mor Manoel Pires, se quedaram no Acaraguá, nesse e no dia seguinte. Comandava um dos terços das tropas paulistas, o capitão Jeronymo Pedroso, um dos maiores velhacos na opinião dos jesuítas [18].

Enquanto os paulistas se quedavam no Acaraguá, os padres concentravam toda a sua gente no Mbororé e consumiram todos esses dias a ajuntar os índios e soldados cujo número passava de 3.000. O pe. Pedro Romero deveria dirigir a guerra, porém, estando com terçãs em S. Nicolau, a 3 léguas de Mbororé, só chegou no segundo dia. Em seu lugar ficou o pe. Pedro de Mola.

A armada jesuítica do rio constava de 70 canoas, com 300 homens dos quais 57 com arcabuzes e o resto com flechas, e mais uma balsa forte, na qual, bem acomodada com seus parapeitos, estava uma colubrina de pequeno calibre, tudo sob o comando do capitão Inácio Abiaru.

Do exército de terra assumiu o comando o irmão Domingos de Torres.

O irmão Pedro Sadomi ficou encarregado do Hospital de Sangue, onde prestou serviços inestimáveis. Os outros padres ficaram com os trabalhos espirituais.

Segunda-feira, 11 de março de 1641, às duas horas da tarde, as diversas sentinelas e espias deram alarme da aproximação do inimigo e, de fato, numa volta do rio, começou ele a mostrar-se, ostentado seu poder e arrogância.

Ao avistar o casario do Mbororé, arribou a sua armada a uma chácara que estava na margem do rio, e todos começaram a ajuntar as canoas.

Saltaram alguns em terra para reconhecimento, contando aí descansar. Começou então a desenvolver-se o plano de batalha concebido pelos padres.

Dom Inácio Abiaru, com 5 canoas e antes mesmo que o inimigo descansasse, obrigando-o a combater nesse mesmo dia, arrojou-se para a frente e começou a desafiar os paulistas; logo os outros índios saíram com as outras canoas em ordem e em forma de meia-lua, levando na vanguarda a colubrina, em cuja balsa ia arvorada a bandeira de S. Xavier.

Pondo-se em 130 canoas com quase 300 homens e 600 índios, em ordem, os paulistas decidiram a batalha que logo se travou com brava coragem de parte a parte. Os índios dão o primeiro disparo de artilharia, com tão bom acerto, que transtornou três canoas adversárias, matou dois paulistas, e feriu e matou a muitos tupis.

A luta continuou forte durante algum tempo, até que os índios das reduções pareceram fraquejar e se foram retirando rio abaixo, porém em boa ordem, com o intento, que conseguiram, de separar os inimigos que, perseguindo-os, se iam distanciando uns dos outros.

Para uma paliçada, que parecia abandonada, na margem do rio, passando montes e um arroio grande, se dirigiu o capitão Jerônimo Pedroso, com 30 homens, para tomá-la. Mas os índios que aí se achavam escondidos, com mosquetes e arcabuzes desmascararam o porto, com grande vozerio, fizeram tremular as suas bandeiras e em uma rociada de mosquetes.

O destacamento de Jerônimo Pedroso atacou violentamente matando a 3 dos índios e ferindo a mais de 30, mas vendo mortos 5 dos seus e feridos muitos, inclusive ele próprio capitão (que mais que outros, queriam os índios matar), foi forçado a se afastar.

Ao ruído das escopetas, três canoas paulistas investiram contra a paliçada, mas foram recebidas com mosquetaria tão nutrida, parecendo granizo, que as obrigou a se retirar, perdendo um mameluco e todos ou quase todos os remadores.

A armada, que se retirando tinha conseguido levar parte da dos invasores a grande distância rio abaixo, a armada voltando-se repentinamente atacou com denodo o inimigo, que se viu entre dois fogos. A mosquetaria nutrida de terra, os tiros de artilharia, o arcabuzar e flechar das canoas, caindo certeiramente sobre as canoas bandeirantes, que na perseguição tinham abandonado a linha de batalha, sofreram imenso dano. A noite veio acabar essa jornada fatal aos paulistas. Durante ela estes desembarcaram e em terra se entrincheiraram com fortes paliçadas.

Pela manhã os índios, sob a direção dos padres, em armadas de canoas, vieram a desafiá-los a combate no rio.

No dia 13 de março, os chefes paulistas, vendo a situação precária em que se achavam, tendo perdido muitos dos seus em uma batalha, cujo plano os surpreendeu, encontrando adversários bem armados com armas de fogo e até com peças de artilharia, que manejavam bem, resolveram parlamentar.

O capitão Manuel Pires, a 13 de março de 1641, dirigiu aos padres longa carta em que expunha que a sua intenção não era guerrear, mas conhecer a sorte dos homens que os padres tinham prendido no ano anterior, entre eles Pascoal Leite Paes, e por essa razão pedia que os padres se fossem entender com ele no arraial, contando com resposta diferente da que os padres haviam dado a Antonio Raposo Tavares, em Jesus Maria.

Atribuindo esta carta a traça de guerra com o fim de com perguntas e respostas entibiar o ânimo dos índios, e tornar suspeitos os padres, estes publicamente rasgaram um traslado da carta e determinaram imediatamente dar combate por água e por terra, acabando-os dentro da própria paliçada. E, não obstante a bandeira branca, que fora arvorada, puseram-se em ordem 3.000 índios, e, por um mato espesso e com grande silêncio, chegaram a tiro de arcabuz da paliçada contrária começando famosa carga de arcabuzaria e flecharia, ao mesmo tempo que, por água, seis balsas cobertas, protegendo os índios que nelas estavam, e com mosquetes e peças de artilharia, atacaram o inimigo, com grande dano deste.

Vendo os bandeirantes tão apertado cerco, fizeram uma sortida, mas logo se encolheram.

O combate nesse dia durou 3 horas. No dia seguinte, foi feito ataque ainda mais forte e cruel.

As seis balsas cobertas não cessaram de inquietar os paulistas de dia e de noite, com uma mosquetaria infernal impedindo-os de qualquer ação. Nessas contínuas refregas gastaram dias até 16 de março, dia em que os paulistas tentaram de novo parlamentar, mas sem sucesso.

Chegaram do Paraná mais 1.200 índios por ordem do pe. Pero Romero, e tendo impedido o passo pelo Uruguai arriba, caso quisessem os bandeirantes ir para Acaraguá e aproximando-se a fome, pois até o milho acabara, só de palmitos se alimentando, tendo muitos mortos e feridos, os paulistas arrasaram as canoas, que tinham no rio, e resolveram a retirada.

Logo que o inimigo desapareceu foi enviada gente ao Acaraguá a saber qual o rumo tomado; mas a retirada foi feita por tão extraordinários caminhos, como os das serranias, que deles não se soube ao certo. A gente que foi ao Acaraguá queimou todas as coisas de sustento, achadas nas rancharias, onde encontraram muitos portugueses mortos.

No sexto dia, porém, próximo do Acaraguá, como meia légua curta sentiram o inimigo na margem do Uruguai. Foram enviados os padres Pedro de Mola, Cristobal de Altamirano, Juan de Parros, Miguel Gomes e dom Suares com 1.200 índios em perseguição.

Mas os paulistas se foram retirando e abandonaram o campo [19].

De fato, carregando os feridos, abandonaram pela madrugada a paliçada, e tomaram caminho em direção às serranias.

O exército das missões saiu-lhes em perseguição, alcançando-os às 5 horas da tarde, quando já se tinham fortificado em uma nova paliçada; mas muito de manhã levantaram acampamento. Quando os índios das reduções tal perceberam, foram em seguimento. Ao aproximarem das serranias, ao sopé destas, os paulistas, tomando escudos e espadões, fizeram face aos índios das reduções, enquanto os feridos e o resto da chusma passavam as serranias. A resistência foi heróica enquanto o ataque fora formidável. O choque foi terrível, confundiam-se os combatentes, transformando-se o combate em verdadeira luta corpo a corpo.

Foi colhido o capitão-geral don Nicolas Neengiru, que foi logo acudido por sua gente. O capitão d. Inácio de Acaraguá já era arrastado para os portugueses, sendo, porém, livrado por um padre. O capitão Francisco Mbayroba de S. Nicolau quase foi aprisionado.

A confusão era terrível. Com a retirada e perseguição, a ação durara desde às seis da manhã até às duas e meia da tarde desse dia 19 de março, sem que se encontrassem, em segurança, diz o padre que fez a resenha do combate, "quedando solos dois de los nuestros muertos em toda la guerra sustentada por espacio de ocho dias continuos contando-se casi sessenta portugueses muertos e quasi todos heridos".

Apesar, porém, da vitória a redução do Mbororé foi imediatamente evacuada. E os jesuítas desceram mais para o Sul.

Mbororé talvez seja o afluente do Uruguai que, no mapa nº 5-A, parte inferior, que acompanhou a exposição do barão do Rio Branco ao árbitro, e que é aqui reproduzido, está designado como Mbororo.

Os nomes indígenas são quase sempre deturpados nos mapas e nas descrições.

Essa narração é aqui feita com todas essas particularidades, porque Mbororé marca o desbarato das Bandeiras paulistas ao Sul do continente americano, e com ele o termo de suas conquistas nessa parte.

Nesse combate tomaram parte forças militares espanholas, pois o cônego J. P. Gay, dando na sua República Jesuítica no Paraguay (Rev. Inst. Hist. Geog. Brasil, vol. 26, primeira parte, pág. 43) relação dos governadores de Buenos Aires, informa que d. Ventura Mogica governou pouco tempo e "ganhou uma grande batalha em Mbororé, no Uruguai, contra os tupis e os portugueses de S. Paulo, morrendo na ação 160 destes".

***

Nesse 1641 a situação dos bandeirantes, dos padres, dos espanhóis já era inteiramente diferente. Portugal, então, havia proclamado a restauração de sua independência, com a aclamação do duque de Bragança, como seu rei, sob o nome de d. João IV.

Essas Entradas deixavam de ser lutas locais, em possessões do mesmo rei, para tornar-se ataque de rebeldes, combates em guerra internacional entre dois países.

Espanha, não obstante já muito enfraquecida na Europa, não poderia tornar-se indiferente a essas invasões em territórios que ela considerava de suas conquistas nas Américas. Os governadores dessas conquistas deveriam defendê-las, sob pena de sua inação transformar-se em traição à pátria, defesa que faziam por iniciativa própria, sem ordens diretas da metrópole, mas antes esperavam com o escrúpulo e receio de se intrometerem nas províncias de outros governadores nomeados pelo mesmo rei.

A descrição feita pelos jesuítas do combate de Mbororé, embora muito confusa, mostra que aí já houve plano militar, dirigido por militares profissionais.

É ainda para notar que os paulistas, embora acostumados a atravessar grandes extensões pelo sertão, tinham que percorrer centenas de léguas e léguas num deserto descaroável até ao Rio Uruguai, sem provisões para alimentação e para cura, sem abastecimento de armas e de munições, sem poder contar com reforços.

Muitos teriam morrido pelo caminho, de doença que Deus dava, ou mordidos de cobras ou devorados por onças. Está em tudo isso a explicação da sua derrota.

Aí, porém, parou a conquista bandeirante ao Sul; mas, os paulistas já tinham também conquistado no Oeste até o Rio Paraguai.

"Los terribles bandeirantes, cuyo solo nome infundia pavor in las missiones jesuiticas y en los poblados del Paraguay, fueron los hacedores de una grande nacion. Solo a ellos los deve el Brasil la amplitud enorme de sus fronteras, y solo elles, cuando nadie pensava levantar colonias en las selvas virgenes, convertiam la soledad salvage de las llanuras em magníficos ingenios de azucar y en esplendidos yerbales" (Henrique de Gandia, Las Missiones Jesuiticas y los bandeirantes paulistas, págs. 84 e 85).

Diante da confusão geográfica do sertão, do vago das bulas papais e do impreciso do Tratado de Tordesilhas, quando mais tarde Espanha e Portugal tentaram fazer tratados de paz, foi o uti possidetis, na América, o critério adotado por ambos os contratantes, o melhor critério – o único – que respeitando as povoações respectivas dos dois países, definiu-lhes as fronteiras, estabelecendo entre essas nações a segurança para seu desenvolvimento.

Foi apoiado nessas conquistas e destruição, como se vê, narradas por jesuítas espanhóis e apoiado em documentos de origem espanhola, que o barão do Rio Branco, também apoiado no uti possidetis, conseguiu provar a posse do Brasil sobre esses territórios. A Questão das Missões, proposta pela Argentina e Brasil, sucessores de Espanha e Portugal, perante um árbitro escolhido, o presidente Cleveland, dos Estados Unidos, foi decidida a favor do Brasil, reconhecendo brasileiro o território das Missões, a Oeste do Pepiri e do Santo Antonio.

Hoje, conhecimentos exatos da geografia dessa região mostram que, pelas bulas papais e pelo Tratado de Tordesilhas, o domínio desse território pertenceria às conquistas da coroa de Espanha, dos quais os espanhóis, com fundação de vilas e de reduções espanholas, já dele iam tomando a posse.

Foi, por essas conquistas das bandeiras e por essa posse, que grande parte do estado de Mato Grosso, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, e mesmo de S. Paulo, fazem parte do Brasil.

Também é verdade que eles, os espanhóis, por sua parte, não respeitavam tais bulas e tal tratado, porque no Oriente se iam apossando de territórios, que deveriam pertencer à conquista da coroa de Portugal, os quais, naquele tempo pelas suas riquezas tinham incomparavelmente valor superior aos sertões da América do Sul, habitados por selvagens nus e antropófagos.

As bandeiras paulistas foram cruéis em suas ações. Mas em que parte da terra se faz guerra sem crueldade e sem horrores? Nos países mais civilizados, e de uma civilização de que a humanidade se orgulhou, ninguém ainda se esqueceu dos modernos campos de concentração, dos bombardeamentos aéreos de cidades abertas, das explosões das bombas atômicas, que destruíram, de uma só vez, cidades inteiras e, com elas crianças e mulheres, velhos e enfermos e hospitais, e talvez amigos dos atacantes.

Fizeram os paulistas na América selvagem devastações em reduções de catequese religiosa; mas naquele tempo, na Europa civilizada se queimavam homens, em autos-de-fé, por motivo de crenças religiosas; e, nos nossos dias, as nações mais adiantadas, perseguiram, prenderam, torturaram e mataram por motivo de raça e de religião.

A contribuição dos paulistas, porém, foi grande para tornar maior o Brasil, então parte de Portugal e depois seu herdeiro.

As bandeiras agiram de acordo com a moral do tempo, que, entretanto, se irritava veementemente com a escravização do selvagem da América e não se incomodava com a escravidão do selvagem da África, ou melhor, dela se aproveitava cobiçosamente. Negros, vermelhos, amarelos, brancos, todos têm direito à liberdade, desde que conscientes a saibam defender.

Não há razão para só condenar os bandeirantes de um crime, que todos, então, praticavam em diversos lugares, sendo que aqui os criminosos se tornaram obreiros obscuros, quase anônimos de uma grande obra – a formação do território brasileiro – cujo latejar embrionário já se sentia [20].

***

Em S. Paulo a luta contra os jesuítas portugueses rebentou nessa época com violência nunca vista.

Vindo de Roma o padre Francisco Dias Taño, que pertencia à Missão do Paraguai, chegara ao Rio de Janeiro e dera publicidade a um breve do papa Urbano VIII, pelo qual a direção dos índios ficaria pertencendo exclusivamente aos padres da Companhia de Jesus.

No Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá, que então o governava, era pelos jesuítas.

Em S. Paulo, a Câmara teve conhecimento que o ouvidor geral ia fazer devassa contra os moradores da capitania, que tinham ido ao sertão a descer gentio, "conforme o uso e costume da capitania, uso e costume sem os quais não podiam viver e permanecer os moradores" dizia-se na vereação de 7 de janeiro de 1640 (Atas, vol. 5º, págs. 8 e 9). A ameaça da execução do breve do papa exasperou os povos.

Aos 2 do mês de julho de 1640, em sessão da Câmara os oficiais desta (7) juntos com as pessoas da governança da terra com o mais povo (124), ao todo 131 pessoas, resolveram pôr em execução o que em S. Vicente, cabeça da capitania, havia sido resolvido, e que consistia em expulsar da capitania os padres da Companhia de Jesus. Foram todos ao colégio dos padres da Companhia de Jesus e intimaram "ao reverendo padre reitor Nicolau Botelho que dentro de seis dias todos os padres despejassem a vila e se recolhessem ao colégio do Rio de Janeiro para segurança de suas vidas, honras e fazendas, por causa do levantamento do gentio, e por outros motivos que levariam ao conhecimento de Sua Santidade e de Sua Majestade" (Atas, vol. 5, págs. 8 e 9, de 25 a 28).

A 7 de julho, por ser acabado o prazo concedido, o povo requereu a execução da medida; mas foram ainda concedidos mais três dias, sendo encarregado o escrivão de fazer aviso da prorrogação.

A 10 de julho, fizeram terceira notificação, em nome das duas capitanias de S. Vicente e da Vila de Conceição, dando mais dois dias peremptórios.

Em S. Paulo se juntaram os moradores às vilas de S. Paulo e S. Vicente, os procuradores das vilas de Parnaíba e de Mogi-mirim (Mogi das Cruzes) e todos fizeram idêntica notificação ao padre Antonio Ferreira que, na ausência do reitor, estava encarregado da direção do mosteiro.

A 13 de julho, com grande clamor e ameaças de violências, 215 pessoas foram tornar efetiva a intimação para que saíssem "os reverendos padres da capitania".

A 24 de julho de 1640 os padres se retiraram e constituíram procurador para cuidar dos bens, que possuíam na capitania, ao padre Manuel Nunes, vigário e ouvidor da vara (Atas, vol. 5, págs. 25 a 28, 30, 33, 35 a 43).

Os jesuítas ainda tentaram negociar a permanência, dizendo que estavam na capitania havia mais de 90 anos, ao que se recusou a Câmara, lembrando que eles, colonos, estavam havia mais de 100 anos.

***

Os padres da Companhia de Jesus voltariam mais tarde, em 1653.

Segundo Azevedo Marques (Apontamentos, verbo Jesuítas) voltaram em composição amigável.

O caso teve solução em virtude do alvará de d. João IV de 7 de outubro de 1647, que resolveu conceder perdão aos moradores da vila de S. Paulo de todas e quaisquer culpas que tivessem cometido na expulsão dos jesuítas, reservando-lhes (aos jesuítas) para demandarem no cível perdas e danos, com a declaração de que o perdão concedido só teria efeito "depois de restituídos os padres da Companhia de tudo que tinham na capitania (documento publicado na Rev. do Inst. Geog. de S. Paulo, por Leite Cordeiro, vol. 51, pág. 300, extraído do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa).

A 12 de maio de 1653 os oficiais da Câmara – os juízes Domingos Garcia Velho e Domingos Rodrigues de Mesquita, os vereadores Calixto da Motta e Francisco Cubas e o procurador do conselho Gaspar Correia, o ouvidor geral da Repartição do Sul, doutor João Velho de Azevedo – "considerando a falta que os reverendos padres da Companhia de Jesus fazem nesta vila, para o serviço de Deus como para a conservação dos moradores da vila e mais capitanias, paz e quietação sua, e outras particulares conveniências, resolvem a volta dos padres, aceitando o padre reitor as sete condições estipuladas, entre as quais figuravam expressamente a desistência de qualquer ação por perdas e danos, recuperando todos os seus bens, obrigando-se a não recolher nem amparar em seus mosteiros e fazendas, os índios que fugissem aos moradores, e a não darem publicidade ao breve que diziam terem de Sua Santidade o papa, sobre a liberdade dos índios", como tudo se pode ler a fls. 24, 25 e 26 do volume 6º de Atas.

Comunicada essa resolução aos padres da Companhia de Jesus, e por eles aceita, foi lavrada a escritura a 14 de maio de 1653, na vila de S. Vicente, assinada pelos oficiais desta vila, cabeça da capitania, e pelo padre provincial Francisco Gonçalves, pelo padre Francisco Pais, reitor do Colégio de S. Paulo, pelo padre Francisco Madeira, reitor do Colégio de S. Miguel, conforme escritura transcrita por Azevedo Marques (Apontamentos, verbo Jesuítas, pág. 17, 2ª parte).

***

Para os padres da Companhia de Jesus, na Província do Paraguai, a destruição das reduções jesuíticas no Sul do continente, nas quais eles evangelizaram abnegadamente, foi um mal irreparável e uma grande decepção, por não se verem ajudados pelas autoridades espanholas, assim impedidos de espalhar tranqüilamente a mansa e doce doutrina de Cristo por todas essas partes.

Sob o aspecto moral, não se pode negar que, nesse tempo, o concurso religioso, que deram os jesuítas, foi grande para a catequese cristã do aborígine e para a doutrinação dos colonos, concorrendo para formar uma sociedade que se iniciava, embora, em parte, indígena.

Sob o aspecto político, nada se pode concluir sobre a catequese, porque os jesuítas nada realizaram, que permanecesse, para que se possa fazer comparações. Sob este aspecto eles fracassaram em toda a parte; no Canadá com os franceses, na Nova Inglaterra com os ingleses, nas costas do Brasil com os portugueses, no sertão do continente da América do Sul com os espanhóis.

Para a Espanha, até 1640, o bandeirismo foi apenas uma perturbação interna da ordem, sem maiores conseqüências. Para as coroas de Espanha e de Portugal, concorreu ele poderosamente, já que nenhuma delas respeitava o Tratado de Tordesilhas, para a adoção do uti possidetis a fim de se estabelecer suas fronteiras na América.

O Brasil, sob o aspecto territorial, lucrou enormemente com a conquista dessa parte, na qual se alargaram e se fizeram províncias e se constituíram estados federados.

A escravidão, as guerras, os motins, as revoltas, as revoluções são fases da evolução social, demonstrando atraso de elementos da nacionalidade.

A derrota do Mbororé levou definitivamente as bandeiras a continuar a sua faina para o Norte e Noroeste, no descobrimento das minas de ouro do Cuiabá e de Goiás, e das Minas Gerais de que já tratei rapidamente na Capitania de S. Paulo.

Definitivamente também ficou delimitado o campo de ação da catequese religiosa, e o Brasil estabeleceu as bases de uma nação.

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Fac-símile aumentado da gravura original no tomo XXI, 229, das Lettres E'difiantes Écrites des Missions Etrangeres, par Quelques Missionaires de la Compagnie de Jesus, Pariz, 1734. (Copiado de um mapa apresentado pelo barão do Rio Branco ao árbitro Cleveland, na questão das Missões entre Brasil e Argentina)

Imagem publicada com o texto, na página 330-B. Clique >>aqui<< ou na imagem para ampliá-la


[1] Apuntes sobre missiones (págs. 58 e seguintes).

[2] A Vida Social del Coloniaje – Esquema de la Historia do Perú hoy Bolivia, pág. 12.

[3] A Vida Social del Coloniaje – Esquema de la Historia do Alto Perú, hoy Bolivia, pág. 12.

[4] Já sobre ele fiz um estudo que o Instituto Histórico de S. Paulo acolheu na sua Revista, estudo confirmado na obra de Pastells.

Em 1926 viajei o Rio Amazonas e lá parei em Gurupá, onde Tavares, destroçado em 1651, chegou com restos de uma bandeira, depois de ter percorrido a Sul-América, do Sul ao Norte. Nesse ano de 1926, em Gurupá, havia um vilarejo em ruínas, com poucos habitantes e muita maleita; e aí, depois de assumir a presidência da República, mandei restaurar o antigo forte, o que foi executado pelo Ministério da Guerra.

Em 1936, em Beja, no Além-Tejo de Portugal, onde Tavares nasceu em 1598, procurei os registros de nascimento, que, depois da República, foram recolhidos às repartições civis; mas não tinham ainda sido catalogados. Deixei pedidos instantes para que fossem eles procurados.

[5] Da qual faziam parte Luiz Anes Grou, Pero Domingues, Antonio Dias Grou, André Botelho, Antonio de Oliveira, Antonio da Silva, Jácome Nunes, capitão Baltazar Gonçalves Malio, Diogo Gomes, Ascenço Luiz Grou, Antonio do Prado, Manuel de Oliveira, Miguel Garcia Carrasco, Antonio Fernandes, João de Prado, Manuel de Soveral, Domingos do Prado, João de Oliveira, Bernardo Fernandes, João Lopes, Rui Comes Martins, Jerônimo Luiz, Isaque Dias Grou, Sebastião Fernandes, o velho (Inv. e Test., vol. 7º, pág. 431).

[6] Vide essas cartas na Documentação Espanhola, publicada nos Anais do Museu Paulista, vol. 2º, pág. 247 e seguintes; vide também a lista dos bandeirantes que tomaram parte nestes assaltos (idem, págs. 245 e 246), que vai em seguida.

"Relación de los portugueses que en companhia de Antonio Raposo Tavares deshicieron tres reducciones de indios carios que doctrinaban en el Paraguay los religiosos de la Compañia de Jesus. (17 de septiembre de 1629. Archivo General de Indias – Estante 74 – Cajón 3 – Legajo 26 - Jhs.).

Memoria de los Nombres de algunos portugueses de la Compania de Antonio Raposo Tavares, que deshizieron tres Reducciones de yndios carios que estauan doctrinando los Padres de la Companïa de Jesus del Paraguay como se refiere en la Relacion que va con esta.

 

Antonio Raposo Tavares, y su hermano Pascual y su suegro

Manuel Piris, y dos hijos suyos.

Saluador piris, y dos, o tres hijos suyos.

Antonio Pedroso.

Manuel Morato.

Simeon aluares con 4 hijos suyos.

Fedrique de Melo su yerno.

Manuel de Melo Cotiño.

Pedro de Morais.

Baltazar Morais con sus dos yernos.

Diogo Rodriguez Salamanca y

Francisco Lemos.

Pedro Cotiño.

Simon Jorge, y sus dos hijos.

Onofre Jorge, y su hijo I.

Antonio Bicudo el viejo.

Antonio Bicudo de mendoca.

Antonio Bicudo otro.

Domingo Bicudo.

Sebastian Bicudo.

Francisco Prouença con dos hijos.

Matheos Nieto com dos hijos.

Gaspar da Costa.

Asenso Ribero.

Manuel Macedo.

Andres Furtado.

fulano Pechoto.

Saluador de lima.

Consalo piris.

Antonio Lopez.

Antonio Sylua ração.

– N. sylua sirgero.

el hijo de Amador Bueno oydor de San Pablo llamado Amaro bueno y su yerno.

francisco Roldao, y sus hermanos.

Hieronimo, y francisco bueno.

Castilla de Mota, y su hermano.

Simon de mota.

Sebastian fretes.

Antonio luys gro, y su hijo, y su herno.

Juan Rodrigues beserano.

Gyraldo Correa, y sus dos hijos, y su herno.

Esteuan sanchez.

Bernardo de Sosa, y au cuñado.

Asenso de quadros.

Antonio raposo el viejo com sus hijos.

Juan

Esteuan, y

Antonio

Pedro Madera con su hijo.

Gaspar Vas, y su cuñado.

Manuel Aluares Pimentel.

son sesenta y nuebe, de los demas no sabemos aun los nombres.

[7] Por essas arrematações e fianças, e pelas testemunhas e escrivão do testamento, sabe-se que faziam parte da bandeira de Jerônimo Bueno: Henrique da Cunha, Francisco de Siqueira, Lázaro Bueno, Antonio da Cunha, Bernardo da Motta, Sebastião Fernandes Preto, Francisco Cubas, Antonio Ribeiro, Diogo de Aros, Manoel da Cunha, Domingos Garcia, Miguel Rodrigues, Antonio Bueno, Miguel Rodrigues Garcia, João Pais, Pedro Vidal,... Cardoso, Amador Bueno, Manoel Antunes de Siqueira, Sebastião Ramos, Estevão Gonçalves, Antonio Dias Carneiro, Antonio Fernandes Malio, Sebastião Mendes, Cristovão Mendes, João Fernandes Camacho.

[8] Dela faziam parte entre outros Antonio da Silveira, Romão Freire, João Nunes da Silva, Valentim de Barros, Luiz Dias Leme, Pero Dias Leme, Sebastião Gil, o moço, Pascoal Leite Paes, Pero Agulha de Figueiredo, Salvador Simões, João de Santa Maria, Pascoal Leite Fernandes, Cristóvão de Aguiar Girão, Gaspar da Costa, Maurício de Castilho, o moço, Manuel de Castilho, Sebastião Antonio, o moço, Antonio Gonçalves Perdomo, Paulo da Costa, João Favacho, Fructuoso da Costa, Domingos Leme da Silva, André Fernandes, Mateus Leme, Lu... Marinho, Domingos Barbosa, João de Oliveira, Pascoal Ribeiro.

[9] Dessa bandeira, além das pessoas acima indicadas, faziam parte Manoel da Cunha, escrivão do arraial, Gregório Ferreira, Cristovão Mendes, Francisco de Siqueira, Pero Vidal, João Paes Malio, o moço, Bernardo da Mota, João Fernandes, Camacho Antonio de Siqueira, Antonio de Botelho, Domingos Garcia, Francisco da Cunha, Henrique da Cunha, todos arrematantes ou fiadores.

[10] Damos a situação e datas de fundação, conforme o barão do Rio Branco que se serviu do mapa nº I-A, e para a data da fundação da carta ânua, assinada em Córdova de Tucumã em 12 de novembro de 1628, por Nicolau Duran, provincial do Paraguai, dirigida a Mucio Viteleschi, geral da Companhia de Jesus, e também da História do Paraguai por Nicolas Del Techo (Liege, 1673).

[11] Faziam parte desta bandeira, que lá assinaram como escrivão e testemunhas do testamento os seguintes: Luiz Dias Leme, Fernando de Camargo, Domingos Vieira, Domingos Dias, Cristovão de la Cruz, Francisco de Oliveira, Francisco de Camargo, João de Santa Maria, Sebastião Leitão, Pedro Lopes de Moura, Estêvão de la Cruz, João Rodrigues de Moura.

[12] Faziam parte dessa bandeira de Antonio Raposo Tavares, Rafael de Oliveira, o moço, Estevão Fernandes, o moço, Alberto de Oliveira, Gaspar Vaz Madeira, Domingos Borges de Cerqueira, Luiz Feyjo, João Maciel Bassão, Gaspar Maciel Aranha, testemunhas do testamento; Luiz Leme, escrivão, Silvestre Ferreira, Mateus Neto, João Rodrigues Bejaran, João Machado, Paulo Pereira, João Nunes Bicudo, Pascoal Leite, Baltazar Gonçalves Vidal, Antonio Pedroso de Freitas, que assinaram como arrematantes e fiadores da fazenda do morto; Luiz Leme que foi escrivão do inventário.

[13] Dela faziam parte além de outros Antonio de Faria Albernaz, José de Camargo, Braz Glz., João de Godoy, Fernando de Godoy, Balthazar de Godoy, Simião da Costa, Miguel Nunes, Jeronymo Roiz, Duarte Borges, Luiz Feyo, Francisco de Chaves, Baltazar Glz. Vidal, João Maciel Bassão.

[14] Faziam parte dessa bandeira os soldados, Pero Lemos que era o escrivão do arraial, Paschoal Neto, Silvestre Ferreira. Estevão Fernandes, Gaspar Maciel Aranha, Alberto de Oliveira, Rafael de Oliveira, o moço, João Maciel Bassão, Gaspar Vaz Madeira, Domingos Borges Cerqueira, Antonio Roiz, Mateus Neto, João Machado, João Nunes, Pascoal Leite, Baltazar Glz. Vidal, João Roiz, Benjamim Paulo Pereira, Antonio Pedroso de Freitas, cujos nomes constam como arrematantes e fiadores dos bens do morto.

[15] Nessa bandeira tomaram parte também João de Godoy, que foi escrivão do inventário, Antonio de Faria Albernaz e José Ortiz de Camargo, Miguel Nunes, Jeronimo Rodrigues, Baltazar Gonçalves Vidal, Duarte Borges Coluntreiro, Luiz Feyho, Francisco de Chaves, Fernando de Godoy, João Massiel Bassão, como arrematantes e respectivos fiadores da fazenda do morto, ida a leilão.

[16] Padre Lozano, Conquista do Rio da Prata, vol. 1º, pág. 17, publicação feita por Andrés Lamas.

[17] Le Brèsil em 1889, págs. 130 e 131.

[18] Desse terço faziam parte Sebastião Gonçalves, João Correia, Domingos Cordeiro, Valentim Cordeiro Malio, Francisco Mattoso, Gaspar Correia, Antonio Borges, Fernando Dias Borges, Antonio Rodrigues, Domingos Pires, Francisco Barreto, Mathias Cardoso, Pero Cabral de Melo, João Leite, João de Pinha, João Dias Peres, Antonio da Cunha, Mateus Alves Grou, Francisco de Siqueira, Antonio de Carvalhaes, Antonio de Aguiar, Antonio Fernandes Sarzedas, Jorge Dias, Domingos Pires Valadares, Sebastião Pedroso Bayão, Manoel de Moraes, Pero da Silva, Francisco...................., Pero Lourenço, Amador Lourenço, Simão Borges, João Pires Monteiro, Gonçalo Guedes, Pero Nunes Dias, Baltazar Gonçalves, Domingos Furtado, Bartolomeu Alves, Miguel Lopes, Antonio Pedroso de Barros, Clemente Alvres (vide Inventários e Testamentos, vol. 11, pág. 497). A qualificação dada a Jeronimo Pedroso encontra-se na narrativa jesuítica.

[19] Descrição baseada em carta minuciosa, mas confusa, escrita na redução de S. Nicolau a 6 de abril de 1641 pelo padre Cláudio Ruyer, e que se pode ler na R. I. H. G. de S. Paulo, vol. 10, págs. 529 a 552.

[20] A destruição das reduções jesuíticas pode ser lida com minudências em Insignes Missioneros e em Roiz Montoya em Índias por Jarque, em Hist. Prov. Paraguarice por Del Techo, Hist. du Paraguay por Charleroix, em Inventário de las Missiones por Xavier Brabo e em outros. Há, nessas narrativas confusas, contradições e até fábulas e muitas exagerações. O barão do Rio Branco ocupou-se magistralmente do assunto, quando representante do Brasil na Questão das Missões. Desses escritos me servi para este trabalho.